segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Prato de faiança de Alcobaça

Este prato com decoração estampilhada foi das poucas peças de faiança, que consegui identificar com alguma facilidade, embora não esteja marcado. Para não variar, comprei-o na Feira-da-Ladra e consegui apurar o nome do fabricante, meramente por acaso, quando folheava o livrinho Faiança de Alcobaça de 1875 a 1950. – S. l: Jorge M. Rodrigues Ferreira, 1997, de Jorge Pereira de Sampaio. De facto, lá na página 15 da referida obra está uma fotografia de um prato semelhante ao meu, marcado, só que em tons de rosa. Este prato terá saído então da oficina de José Reis, um Senhor que veio de Coimbra, se instalou junto à Ponte D. Elias e que fundou a primeira fábrica de faiança em Alcobaça. Esteve activo entre 1875 e 1897 e segundo a mesma obra a sua produção seguia de perto os modelos de Coimbra.

Enfim, mais uma vez o mesmo problema de sempre da faiança portuguesa. Os produtores copiavam-se uns aos outros e a identificação é sempre arriscada

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Año christiano de Jean Croiset, 1791 ou exercícios de suposição de histórias passadas

Como sempre gostei de coisas que mais ninguém gostava, a minha tia Maria Adelaide deu-me em Vinhais esta obra com a vida de todos os santos, em 17 volumes. Teria 23 ou 24 anos e ainda me lembro de suar abundantemente, a carregar com eles dentro da mala de viagem, entre a estação de camionetas no Campo Pequeno de onde cheguei de Vinhais e a casa dos meus pais, em Benfica.

A obra é aquilo que vulgarmente se chama um “flos sanctorum”. Este género de literatura religiosa é organizado em forma de calendário e para cada dia do ano descreve-se a história do Santo respectivo, indicam-se umas orações adequadas para o dia e umas meditações sobre o significado daquele ou daqueloutro acto da vida de Cristo. No passado, estes “flos sanctorum” eram uma leitura muito popular. As pessoas liam-no um bocadinho todos os dias, guardavam entre as suas folhas registos de santinhos e eram usados para escolher nomes às crianças enjeitadas nas misericórdias ou aos pobres meninos africanos, que eram educados nas missões, isto já no século XIX e XX. Ao contrário dos protestantes, os católicos nunca leram muito e a Bíblia e sempre preferiram esta literatura piedosa.
O meu flos sanctorum intitula-se Año christiano ó Exercicios devotos para todos los dias del año ..., foi escrito pelo padre jesuíta francês Jean Croiset (1656-1738) traduzido para castelhano por José Francisco de Isla e editado em Madrid, na oficina de don Benedito Cano, em 1791. São 12 volumes correspondentes a cada mês do ano, mais cinco tomos suplementares, com outros conteúdos devotos, cujo alcance escapa completamente, a nós, que vivemos num meio descristianizado. A encadernação é da época, muito bem executada, com a lombada em couro e decorada a ouro.

Já muito mais tarde, depois de tirar um curso de catalogação de livro antigo e estando mais atento às memórias familiares reparei nas marcas de posse que o meu Año christiano tinha. Numa das folhinhas que antecede o rosto, estava escrito este libro é da Sta Caza da Mofreita 1873 M. da G. P. Fez-se luz na minha cabeça e percebi então que o livrinho tinha pertencido à minha bisavô materna, Maria da Graça Pires (2-3-1854 a 11-10-1943), que tinha sido educada em convento, numa aldeia perdida no Concelho Vinhais, a Mofreita, numa zona que está hoje inserida no Parque Natural de Montesinho. Posteriormente, durante umas férias em Vinhais, resolvi catalogar todos os outros livros antigos, cerca de 60 obras, dos séculos XVI, XVII e XVII, que ainda continuavam na casa de Vinhais e foi descobrindo mais marcas de propriedade manuscritas nos livros, semelhantes a estas e conclui que aquele conjunto que estava ali era a antiga livraria do convento, onde a minha bisavó foi criada e descobri até o nome correcto dessa instituição religiosa, de que já ninguém se recordava o “Recolhimento das Oblatas do Menino Jesus da Mofreita”.
Este Recolhimento foi fundado em 1793 por D. António Luís, abade de Mofreita e Bispo de Bragança. Chamavam-se oblatas, porque as jovens que entravam nesta congregação faziam uma oblação ou oferecimento de si mesmas a Deus.

Não sei como os livros transitaram do Recolhimento das Oblatas da Mofreita para casa da minha família. Arrisco a hipótese que logo a seguir à República com a expulsão das ordens religiosas, em que os bens da igreja ficaram novamente a saque, a Maria da Graça tenha mandado os transportar os livros do recolhimento para sua casa, com intenção de os salvar de terminarem numa fogueira qualquer.

Esta Maria da Graça Pires teve uma vida algo estranha, para os padrões da nossa época. Era filha natural de Francisco Germano Pires, um homem muito rico, parece que emprestava dinheiro a juros e de uma tal Balbina Gonçalves. Aos 4 anos de idade perdeu a mãe e foi viver com o seu pai para Vinhais. Aos 7 anos foi despachada para o Recolhimento das Oblatas da Mofreita, não sabemos exactamente porque razão e só saiu de lá aos 29 anos e também não sabemos porque motivo o pai a tirou de lá.

Há uma fotografia de grupo dela e das suas ”irmãs” na dita casa, que eu descobri lá nos fundos de uma gaveta em Vinhais. Nós nem sabemos bem qual delas será a Maria da Graça. A minha irmã e o meu pai ficam sempre muito impressionados com esta imagem e acham que esta casa religiosa devia ser terrível. Não sou dessa opinião. Creio até que a vida num convento seria muito mais suportável para as mulheres do que casa paterna ou a do marido. No convento aprendiam a ler e a escrever, o que era um privilégio numa época em que cerca de 90 % da população era analfabeta. Todas bordavam muito e algumas até pintavam e dedicavam-se as coisas do espírito.
Bem, não sabemos se era feliz ou não no convento, mas saiu de lá aos 29 anos e passado um ano casou, contra a vontade do seu pai, em 6 de Junho de 1889, com o meu bisavó materno, Clemente da Ressurreição Morais, que é a nossa principal fonte nesta história, pois deixou um livrinho onde apontou os principais factos da sua vida e dos seus. Aparecem aqui nesta fotografia com os dois filhos que tiveram. Estão todos com um ar carracundo, pois o fotógrafo implicou com eles durante toda a sessão, afirmando-lhes que com os seus olhos azuis não iam ficar nada bem na fotografia. O instantâneo deve ter sido tirado por um daqueles fotógrafos ambulantes, que andavam de feira em feira, pois o chão é de terra batida, apesar do cenário pintado ter pretensões a interior palaciano. A rapariguinha que se chega ao pai é a minha avó materna, Maria Adelaide (4-6-1894), muito parecida com a minha mãe e também com a minha filha. O rapazinho é o Francisco Manuel Morais (28-3-1891), que viria a falecer muito novo num acidente de caça em 1916. Era na altura um estudante de medicina e teria um futuro promissor.
Segundo se conta na família, logo a após a morte do jovem Francisco, a Maria da Graça teria mandado queimar todos os livros do filho. Diz-se que seriam livros imorais, romances do Camilo e do Eça e obras de medicina. Este auto de fé aos livros parece-me pouco consentâneo com o anterior percurso desta Senhora. Aprendeu a ler e a escrever. Conviveu com livros. Muito provavelmente teve a preocupação de salvar a livraria do convento da fogueira. Talvez tenha mandado queimar os livros, para não ter sempre presente a sua frente a memória do filho. Quem sabe.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Prato em faiança Miragaia?


Já depois de ter colocado este post, consegui identificar o fabrico provável deste prato, proveniente do Norte e que não está marcado. Com efeito ao desfolhar o belíssimo catálogo Fábrica de Louça de Miragaia. Lisboa: IMC, 2008, passei pelo capítulo dedicado à escavação arqueológica, que foi feita nas instalações da antiga fábrica e entre os fragmentos achados lá estava um “caco” com umas florinhas em tudo iguais às do meu prato (ver pág. 87 do referido catálogo). Portanto, é muito provável que este prato seja um Miragaia, da célebre fábrica de Rocha Soares, no Porto. Claro, há sempre a hipótese de ter sido a mulher do patrão, que tenha trazido um prato de Fervença ou viúva Lamego, com croquetes para o marido e o tenha partido na fábrica e os cacos tenham ficado por lá, enterrados 150 anos. Em todo o caso, há fortes probabilidades de ser um Miragaia.

É aquilo que se chamava antigamente um prato galinheiro ou frangueiro, pois era usado para servir à mesa uma qualquer ave de criação. Hoje chamar-lhe-íamos pura e simplesmente uma travessa No verso, vê-se bem que o prato foi partido e unido através de umas espécies de agrafos, os célebres “gatos”. Este trabalho era normalmente feito pelos amoladores galegos que andavam de terra em terra. Confesso que ainda hoje me espanto como é que eles conseguiam fixar estes agrafos na loiça. Usavam umas brocas manuais, que se assemelhavam a uns arcos, para perfurar a loiça, fazendo furinhos oblíquos, mas mesmo assim, era um trabalho difícil e de grande precisão, pois conseguiam uma junção perfeita das partes, que impedia que os líquidos vertessem. Segundo o meu pai, estes amoladores usavam também uma cola feita de clara do ovo, que era altamente resistente ao vapor e humidades.

Na época ninguém deitava nada fora e prato, terrina ou travessa que se partisse era mandado ao amolador e tinha mais vinte, 30, 40 ou 100 anos de vida e às vezes mais, pois muitos deles chegaram às nossas mãos. Aliás, é muito curioso, pois na casa da família da minha mãe, em Souto Covo, Vinhais, há cerca de 30 anos não existia lixo e tudo era reaproveitado. As cascas de melão davam-se às galinhas, os cordéis iam para uma gaveta, os frascos eram religiosamente guardados para as compotas, os restos de carne eram dados aos cães e aos gatos, as cascas de batata serviam para a sopa dos porcos e das panelas velhas de esmalte e das latas a velha criada fazia vasos de flores para o seu jardinzinho particular nas traseiras da casa, que tinha um encanto ingénuo, muito semelhante ao que tem este prato. Enfim, nestes tempos de preocupação com o ambiente, teremos que brevemente reaprender estes antigos hábitos comuns às famílias portuguesas do passado.

Mais sobre este Prato

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Leiteira da Vista Alegre

Esta leiteira estava no chão de um estaminé na Feira-da-ladra a chamar-me insistentemente e só sei que quando dei por mim, já estava com ela em casa, a tentar arranjar-lhe espaço no meu louceiro pequeno, no meu minúsculo T1, a maldizer a minha falta de bom senso e a recordar-me da frase daquele coleccionador francês “há sempre lugar numa casa para uma boa peça comprada a um bom preço”. Claro, a casa dele não tinha 10 cm de parede ou de chão livres de quadros, quadrinhos, estatuetas, camas, cadeiras, tambores e cómodas.

Mas, enfim, tenho uma paixão por estas grinaldas de flores que a Vista Alegre fabricou durante a segunda metade do século XIX. São tão delicadas e simples, aliás este período de laboração da fábrica foi particularmente feliz

No catálogo da Exposição Vista Alegre: porcelana portuguesa: testemunho da história. - Lisboa: Estar Editora, 1998, aparece reproduzida uma Leiteira com formato praticamente idêntico, diferindo da minha peça apenas na asa

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Gravuras de Gabriel Huquier (1695-1772)


Na Feira-da-Ladra comprei três belas gravuras do século XVIII, da responsabilidade de Gabriel Huquier (1695-1772). Este senhor francês foi simultaneamente um impressor, um desenhador, um livreiro e um coleccionador de arte, que se distinguiu pelas gravuras de ornamentos de gosto rocaille. Passou para gravura as obras de vários pintores famosos do século XVIII, com particular destaque para Watteau.
Huquier por Jean-Baptiste Perronneau.

Estas 3 gravuras fizeram parte de um livro, ou talvez melhor ainda dum álbum de gravuras, do qual eu tenho o frontispício e cujo título é o seguinte Nouveau Livre de Serurerie Contenant soixante planches Remplies de plusieurs pensées Pour tous les differents ouvrages qui S'y éxécutent / Inventé Gravé et mis au jour Par Huquier. A obra assumia-se como uma espécie de catálogo de bons exemplos, para quem quisesse mandar fazer uma balaustrada em ferro para uma imponente escadaria, um portão de palácio, o balcão duma elegante casa burguesa de cidade ou ainda um candelabro em bronze. Estávamos na época em que Paris era considerada a capital do bom gosto e livros como este eram vendidos para toda a Europa, desde St. Peterburgo a Lisboa, para que todos pudessem copiar as últimas modas francesas.
O frontíspicio

A obra estava distribuía-se por 60 pranchas, que estavam agrupadas em 10 letras, cada qual correspondendo aos diferentes trabalhos em ferro forjado. Quase todos os desenhos são da autoria de Huquier. Por acaso, a minha 3ª gravura, o desenho da grade da escada é assinado de um tal Jean Mansare, do qual não encontrei nenhuma referência.

Embora não tenha data, pensa-se que obra tenha sido publicada entre 1738-1761, pois as gravuras, estão dadas como impressas em Paris, umas na sua morada a partir de 1738, Rue de S. Jacques au coin de celle des Mathurinse e outras na Rue des Mathurins, local onde veio a encerrar o seu negócio em 1761.
Encontrei na Royal Academy of Arts de Londres o registo bibliográfico da obra, o que me permitiu identificar correctamente estas gravuras

Este Nouveau Livre de Serurerie deve ter sido um álbum de gravuras lindíssimo, mas é mais menos prática corrente, entre os alfarrabistas desfazerem estas colecções e venderem as estampas à peça, pois fazem muito mais dinheiro desta forma.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Registos de Santos III


Muitas gravuras com santos eram aguareladas, num momento posterior à sua compra, creio eu, embora nunca tenha encontrado nenhuma referência a esse assunto nas minhas leituras. Gosto do resultado ingénuo que essas cores emprestam às obras. Por exemplo, este S. Caetano Thienus tem um colorido muito bonito, que a moldura a folha de ouro ainda realça mais.

Houve um período da minha vida, há cerca de 12 anos, em que dispunha de mais tempo livre, que me dediquei a fazer pastiches de registos de santos. Usava papel antigo que encontrava na biblioteca onde trabalhava, copiava a moldura de um registo e desenhava-lhe por dentro outro santo, copiado de outra gravura qualquer ou de algum quadro, de que gostava mais. Por vezes dava-lhe também uma aguarela por cima.

Esta Santa Úrsula é um dos meus trabalhos mais conseguidos. O papel é antigo, a moldura que enquadra o desenho foi copiada do frontispício de um livro do século XVIII, a santa decalcada de um quadro do Zurbaran, um dos melhores pintores de tecidos de sempre, a grinalda de flores foi roubada de um óleo da Josefa de Óbidos e os vasos de barros tiveram como modelo, uma peça que eu e a minha ex-mulher tinhamos comprado em Alcobaça, numa casa de velharias. Já muito recentemente, arranjei-lhe esta moldura dourada na feira-da-ladra e pus-lhe um fundo em damasco vermelho, que sobrou da estofagem do cadeirão e tamboretes da minha avô. Gosto do resultado com ar eclesiástico da obra, que animou a minha cozinha, que tem aqueles azulejos pindéricos, grandes, a imitar os porcelanosa da Isabel Presley

Sta. Cacilda de Francisco Zurbaran, o genial pintor de tecidos (Museu do Prado)