quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Uma arquitectura imaginária por Debrie



Esta obra de Debrie é sem dúvida uma das estampas do Manel que eu mais gosto. Em dimensões muito reduzidas, o gravador francês apresenta uma praça com uma arquitectura imaginária, desenhada com rigor e minúcia que até nos espanta.



Para não variar, esta gravura foi retirada de um livro, as Memórias para a História de Portugal que compreende o governo del rey D. João I, da autoria de José António da Silva, mais propriamente do tomo II, publicado em 1731. Além destes dados, o Manel que é um cusca, ainda conseguiu descobrir a página de onde foi retirada a estampa, a 531.



A referida página 531 abria o Capítulo CIV, Memórias em que se referem as fábricas sagradas e profanas, que foram fundação Del Rei.


Isto trocado em miúdos, quer dizer que nesta parte do livro descrevia-se os monumentos e as obras mandadas erguer pelo Rei D. João I, o que justifica a escolha de Debrie de um tema arquitectural, só que para melhor traduzir o assunto do capítulo, desenhou edifícios em construção com andaimes postos, operários em azafama, carroças e gente a transportar volumes.



É certo que os edifícios são absolutamente clássicos, quase romanos que nada tem a ver com o tempo em que D. João I viveu, os finais da Idade Média, mas também pouco importava, na época de Guillaume François Laurent De Brié não havia grandes preocupações com o rigor na representação de cada período histórico. O que era considerado bonito no Século XVIII era a beleza e a monumentalidade dos edifícios da antiga Roma, que os artistas de toda a Europa desenhavam quando iam em peregrinação artística à cidade eterna. Esses pintores e desenhadores divulgavam as suas vistas de Roma Antiga por toda a Europa em forma de gravuras. Essas estampas ficaram conhecidas pelo nome italiano de vedutas, ou em português vistas e são as antepassadas dos postais modernos. O mais célebre desses artistas foi Giovanni Battista Piranesi,1720-1778, mas ainda antes dele, no século XVII, houve outros que delinearam vistas de antigos templos de Roma, em ruínas e que já tinham tornado as vedutas populares na Europa, como Alessandro Specci

Pont triomphal erigé par un Empereur Romain. Piranesi. Biblioteca Nacional. Reconstituição fantasiosa da Antiga Roma

Mas Piranesi desenhou como poucos a beleza e a poesia dos monumentos romanos em ruínas, mas fez mais do que isso, deu-se também ao trabalho de os representar reconstruídos, algumas vezes de forma plausível e outras vezes dando largas à sua imaginação, produzindo assim reconstituições históricas fantasiosas da Antiga Roma, que são muito mais assombrosas e de melhor qualidade, que os filmes de época que Hollywood fez nos anos 40 ou 50.



Uma reconstituição mais ou menos fantasiosa da antiga Roma por Piranesi
Esta gravura do artista francês De Brie, que se radicou em Portugal durante o reinado de João V, evoca de facto Piranesi e as suas antiguidades romanas reconstituídas.

A minúcia da estampa de debrie

Quem quiser saber mais sobre o Piranesi pode consultar a obra Giovanni Battista Piranesi: invenções, caprichos, arquirtecturas. – lisboa: IPPAR, 1993

5 comentários:

  1. Finalmente regressado à vida do dia a dia, fiquei encantado por teres "postado" esta gravura, que adoro. Igualmente é uma das minhas gravuras favoritas e deixo-me ficar em contemplação por vezes.
    A associação com Piranesi é inevitável, mais custoso foi encontrar o livro donde tinha sido extraída, mas como havia um pouco de texto no verso, lá consegui decifrar.
    Quanto ao número da página, não foi necessário grande cusquice ... hehehehe ... o número está no lado superior direito da gravura.
    O estranho foi associar este tipo de arquitetura apresentada à transição dos séculos XIV para o XV, quando tal ainda não estava de moda.
    Mas a imaginação do autor não teve qualquer problema, e fez aquilo que lhe era mais familiar.
    Creio que continuarei a ficar ensimesmado por esta gravura, pela qualidade de desenho que apresenta e, também, pela sua manufatura fora do comum.
    Manel

    ResponderEliminar
  2. Como o Luís já deve calcular, achei este post, mais uma vez dedicado a gravuras e a livro antigo, muito ao meu gosto e só não comentei há mais tempo porque quando ele apareceu andava totalmente noutra…
    Esta gravura também me agrada muito sobretudo por ter a novidade de retratar tão bem a forma como se construía na época de Debrie. Mostra pormenores incríveis do trabalho na construção dos edifícios e como eu sou leiga no assunto, acho toda a cena digna de ser apreciada e dissecada. E aquele anacronismo dos edifícios clássicos a ilustrarem a s obras de D. João I é simplesmente delicioso!
    O livro de onde a gravura foi arrancada devia ser um primor, com todas as ilustrações, mesmo o tipo de livro antigo que eu gostaria de encontrar… e a verdade é que aparecem à venda, mas geralmente caríssimos ! O Luís lá conseguiu reunir toda a informação para partilhar aqui connosco.
    Não tenho conhecimentos de Arte ou de História da Arte que me permitam estar familiarizada com o trabalho de Piranesi, por exemplo, e por isso aprecio sempre muito ir aprendendo mais sobre este e outros nomes através destas tertúlias virtuais.
    Abraços

    ResponderEliminar
  3. Maria Andrade

    Como tem razão. Quem perceba de engenharia ou arquitectura deve deliciar-se com estes pormenores dos andaimes, dos carros de bois e de toda a actividsade de um canteiro de obras do século XVIII.

    O Piranesi é fantástico. Infelizmente não tenho nada dele, mas recomendo-lhe toda a obra dele, sobretudo as gravuras com ruínas da antiga Roma, embora as pessoas tenham a mania da série das prisões, que a mim não me dizem tanto.

    abraços

    ResponderEliminar
  4. Bom dia!
    Gostaria de saber se me podem ajudar: tenho 3 gravuras de Piranesi de 1750 (mais coisa menos coisa) e gostaria de saber qual o seu valor real.
    Obrigado
    Hugo

    ResponderEliminar
  5. caro Hugo

    Uma boa gravura do Piranesi em bom estado poder ser muito cara.

    Espreite por exemplo um dos leilões do Babral Moncada http://www.cml.pt/cml.nsf/artigos/A64F146F37252EB38025791B0036B46F onde venderam uma gravura por 1.200 euros.

    Claro, o preço tb depende do tamanho, estado de conservação e moldura

    Abraço

    Luís

    ResponderEliminar