sexta-feira, 29 de março de 2013

Uma janela rocaille com varal da roupa em Alter do Chão


Fotografei esta janela em Alter do Chão, que está decorada uma decoração rocaille, muito elegante, pintada em ocre, uma cor muito comum nas casas antigas do distrito de Portalegre. Quem a mandou construir era certamente gente de posses, um fidalgo de província, um grande proprietário ou um comerciante abastado. Mas, hoje ostenta um varal improvisado para secar roupa e alguém fechou a janela à pressa, deixando descuidadamente as cortinas de fora. Quem vive ali já não viverá com o desafogo de outrora. As pessoas ricas ou mesmo que já não o sejam, mas mantenham o gosto e educação não improvisam estendais onde cabem três ou quatro peúgas e um pano da loiça. Parece mais o hábito de uma velhinha ou de um velhinho sem grandes posses, a quem já lhe custa descer as escadas para estender a roupa no pátio.
Pormenor de outra janela na mesma casa
Talvez este contraste entre a elegância do passado e uma certa mediocridade e pobreza do presente seja o que me atrai na fotografia desta janela. Parece sintetizar a própria história de Alter do Chão e de tantas outras terras do Alentejo central, muito ricas no passado, pejadas de solares, igrejas e conventos ricos e hoje com um ar negligenciado e habitadas por velhos.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Cafeteira de faiança inglesa C & J. SHAW


Ao longo de três anos de escrita deste blog, desenvolvi os meus conhecimentos de velharias e antiguidades, mas também o interesse pela fotografia, técnica para a qual eu era uma nulidade perfeita. Agora começo a gostar de brincar com a fotografia e de fazer experiências. O que vos mostro hoje é precisamente uma brincadeira, que consistiu em fotografar uma cafeteira inglesa do início do século XIX à maneira das naturezas mortas do século XVII. Além do claro escuro não faltaram sequer as frutas. A única diferença, é que esta fotografia busca apenas alcançar um efeito estético e as naturezas mortas do século XVII transmitiam uma mensagem a quem as contemplava, procuravam mostrar que a vida humana era tão efémera como as flores e os frutos pintados. As pessoas eram alertadas para deixarem de parte as vãs vaidades humanas, como o dinheiro e as jóias e a procurarem uma existência piedosa indiferente aos bens mundanos, que lhes poderia granjear a imortalidade das suas almas, isto é, a salvação junto de Deus. Por essa razão, as naturezas mortas são também designadas pelo termo latino Vanitas, as vaidades.

Mas, pronto, já fugi ao assunto da faiança e escapei para as naturezas mortas e o cristianismo. Retomando o fio à meada, esta cafeteira foi comprada na feira de velharias de Lagoa, no Algarve. Fui eu que a descobri, mas convenci o Manel a compra-la, pois em minha casa não cabe nem mais um alfinete e o meu amigo lá a trouxe para casa todo contente, para juntar a sua colecção de louça inglesa.

C & J. Shaw. VINCIT VERITAS. STONE CHINA
Foi produzida por um fabricante, C & J. Shaw, do qual se sabe pouco, ou pelo menos do qual não existe muita informação na internet. A fábrica situava-se no Staffordshire, a região produtora de cerâmica por exelência do Reino Unido, mais exactamente na localidade de Lane End e laborou apenas 13 anos, entre 1825-1838. Portanto, a cafeteira do Manel pode ser datada do segundo quartel do século XIX, precisamente nos referidos 13 anos.

Pouco mais consegui encontrar sobre este fabricante. Sei que o C & J. Shaw produziu o motivo Grecian Statue, que nós conhecemos pelo nome do cavalinho, a decoração que a Fábrica de Sacavém popularizou em Portugal.  Mais tarde, no terceiro quartel do século XIX, apareceu um tal C. & J. Shaw junior, que comercializou faianças em Portugal, usando o mesmo monograma, mas também não encontrei informações  sobre ele. A propósito de Shaw Junior ver os blogues da Maria Andrade e Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém

Apesar de se conhecer pouco deste C. & J. Shaw, aparecem muitas peças com esta marca nos nossos mercados de velharias, o que nos faz pensar se este fabricante teria algum distribuidor em Portugal, um daqueles muitos comerciantes ingleses, que fixaram residência no Porto. Enfim, quem sabe.


quarta-feira, 20 de março de 2013

Ratinhos da Flor


Hoje apresento dois pratos ratinhos, com muitas semelhanças entre si. De tal forma me parecem familiares que decidi junta-los neste post, apesar do primeiro me pertencer e o segundo ser do meu amigo Manel.

Apresentam os dois uma simplicidade que me encanta. Tem aquela beleza dos desenhos das crianças, das pinturas populares e das obras arrojadas de alguns pintores modernistas do início do século XX.

Segundo a classificação proposta por Ivete Ferreira na obra Cerâmica na colecção da fundação Manuel Cargaleiro. - Castelo Branco: Câmara Municipal, 2012, estes dois pratos fazem parte do grupo das flores, isto é, são peças em que a flor tem um lugar de destaque na decoração da peça, de tal maneira que invade muitas vezes a orla dos pratos, como se o seu crescimento fosse incontrolável.


No prato do Manel há uma particularidade muito curiosa, a planta parece nascer de um prado e floresce na parte superior do prato numa explosão de cor.

Talvez na decoração destes pratos com cerca de 100 anos encontremos uma alegria de vida, que hoje nos parece faltar a todos.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Terrina de faiança Sarreguemines


Esta terrina com uma decoração de inspiração japonesa pertence ao meu amigo Manel e saiu da maior e mais importante fábrica de faiança francesa do século XIX, Sarreguemines.
A marca de Sarreguemines. As iniciais U & G querem dizer Utzschneider & Geiger

Esta casa foi fundada em 1790 por um tal senhor Nicolas-Henri Jacob, na rica Alsácia-Lorena, na povoação de Sarreguemines, bem junto à fronteira alemã. Manteve um caracter artesanal até ao ano de 1800, data em que um jovem bávaro, Paul Utzschneider tomou conta da fábrica e resolveu aplicar ali todos os conhecimentos, que tinha adquirido em Inglaterra, nas fábricas de cerâmica daquele País, que naquele tempo estavam a inundar os mercados com os seus produtos baratos e de boa qualidade. Sarreguemines cresceu de vento em popa, sobretudo depois de Napoleão Bonaparte lhe ter feito importantes encomendas.  
 
 
Em 1836, Utzschneider confia a direcção da manufactura ao seu genro Alexandre de Geiger, que transformou a fábrica na mais importante produtora de faiança de França, capaz de competir com a louça inglesa, no mercado francês e fazer-lhe até alguma concorrência a nível internacional. Ao longo do Século XIX, Sarreguemines tornou-se principal fábrica de faiança de França produzindo loiça utilitária, decorativa, chaminés e fogões de faiança e azulejos. Por exemplo, os célebres azulejos do metro de Paris são Sarreguemines.

Sarreguemines atravessou também períodos complicados da história francesa. Depois do conflito franco franco-prussiano de 1870, a Alsácia Lorena foi anexada à Alemanha e a fábrica ficou do lado alemão. Os patrões franceses fizeram então duas novas fábricas na França, em Digoin e em Vitry-le-François, mas continuaram a produzir na casa mãe, agora na Alemanha. Saguerrimes regressou à soberania da França em 1918, mas em 1940, os alemães voltam a ocupar a Lorena e a a gestão da fábrica é confiada à firma germânica Villeroy et Boch, até 1945, ano da libertação. Sarreguemines continuou a sua existência pelo século XX fora e terminou os seus dias no ano de 2007.
O Japonismo começou a tornar-se uma moda em França, desde os finais da década de 1860
A julgar pela marca, a terrina do Manel terá sido fabricada cerca de 1890. Pertence ao serviço Yeddo, que é uma representação fantasista da arte japonesa. O Japonismo começou a tornar-se uma moda em França, desde os finais da década de 1860, quando os pintores impressionistas usaram as estampas japonesas como fonte de inspiração. As exposições universais de Paris de 1878, 1889 e 1900 divulgaram junto do grande público a arte do Japão. Por exemplo, a actriz japonesa Madame Sadayakko, que actuou na exposição universal de Paris em 1900 impressionou tanto os franceses, que os grandes armazéns passaram a contar nos seus catálogos com versões ocidentais de kimonos para vender às elegantes parisienses.
Madame Sadayakko
Portanto neste final do século XIX, quando esta terrina foi fabricada, a pintura, o desenho, a cerâmica e até à moda usavam o Japão como umas das fontes de inspiração para as suas criações.
 
 

domingo, 10 de março de 2013

Ao desconhecido


Continuo às voltas com as fotografias antigas da família materna. Vou fazendo alguns progressos na identificação das imagens, recorrendo quer ao auxílio de primos mais velhos, que ainda conheceram nos anos cinquenta algumas das pessoas destes retratos datados entre os últimos anos do século XIX e os primeiros do século XIX, quer a uma genealogia familiar feita pelo meu pai. Leio e releio também as dedicatórias escritas nos versos das fotografias. Do cruzamento desses dados começo a formar uma ideia da rede de parentesco e amizades dos meus avós e bisavós maternos. Curiosamente algumas dessas relações perduram até aos dias de hoje, apesar de já terem passados cem anos e os laços familiares se terem transformado num já vago parentesco.


Outras fotografias não apresentam qualquer dedicatória e como quem as podia identificar já morreu, permanecem silenciosas. Por mais que me esforce não consigo dar-lhes um nome, encontrar uma filiação, ou um parentesco. É o caso do retrato deste senhor tão janota, que se fez fotografar à volta de 1860-1870, a julgar pelos ombros do casaco, grande laço e colarinhos levantados.
James Tissot (1836-1902). Le Cercle de la rue Royale (détail)1868. Paris, musée d'Orsay. O quadro de Tissot mostra bem a moda masculina no final do II Império.  Julgo que o jovem do albúm da minha família materna traja segundo a moda desta época.
É um jovem de feições bem desenhadas, bonitos lábios e vestido com elegância. Vê-se que é homem bem-nascido. Não é um lavrador abastado que no dia de feira veste as suas melhores farpelas para se fazer retratar por um fotógrafo ambulante. Tento encontrar nele feições de família, mas é difícil. Tem uma pele branca como todos os Morais, mas nas terras frias de Vinhais isso não significa forçosamente parentesco pois os olhos azuis, cabelos loiros ou castanhos-claros e a tez clara são muito comuns na região. Por outro lado, comparando-o com outros retratos da família materna, onde transparece ainda uma certa ruralidade, este jovem parece-me demasiado aristocrático.

Na maioria dos retratos da minha família materna tirados por fotografos ambulantes nas feiras transparece ainda uma ruralidade.

Mas, talvez dos 8 trisavôs que tenho pelo lado materno, algum fosse de um ramo mais fidalgo, ao qual pertenceria este janota. Também este jovem bem-parecido poderia pertencer a uma família aristocrática, da qual a minha seria subsidiária e entre as duas existisse uma relação simultaneamente de patronato e amizade, de que esta fotografia é testemunho. 

Enfim, tenho que reconhecer que não consigo tirar nada de concreto desta fotografia. Já ninguém se recorda deste jovem bonito, que talvez seja meu antepassado. Olho para ela e já só vejo o esquecimento e a morte, isto é, o desconhecido.


terça-feira, 5 de março de 2013

Azulejos atribuídos à fábrica do Rato


Há uns anos, quando tínhamos todos mais dinheiro e não havia a Troika, o Sr. Passos Coelho, o buraco do BPN e outras coisas da mesma nefasta natureza, perdi a cabeça na Feira-da-Ladra com este painel de azulejos. Regressei a casa a pé com 16 azulejos na mochila, exausto por ter subido a meia encosta da colina da Pena e mais três andares sem elevador, mas simultaneamente feliz.

Depois de os ter colocado, arrependi-me um bocado. Achei o motivo central demasiado colorido, teria preferido uns azulejos marmoreados em azul ou umas estrelinhas, uma coisa mais “ton sur ton”, mas quando se colocam azulejos na parede não se volta atrás.

Depois, com os anos fui-me habituando a este painel e até já o usei muitas vezes como cenário para fotografar as minhas faianças e porcelanas, como uma bela cafeteira Vieux Paris.

Uma cafeteira de porcelana de Paris fica bem com azulejos portugueses ao fundo

Aprendi também a gostar dele, pois representa toda a versatilidade característica dos azulejos pombalinos. Como toda a gente sabe, houve o terramoto em 1755, Lisboa foi arrasada e a reconstrução processou-se segundo um restrito plano urbanístico. Para que essa reedificação se fizesse rapidamente não só os edifícios eram idênticos, como muitos materiais tinham medidas padronizadas. Embora nestes meados do século XVIII não de possa falar ainda em pré-fabricação, cantarias, degraus de pedra, aros de janelas, ombreiras, azulejos e muitos outros foram manufacturados em grande quantidade com dimensões padronizadas. De toda essa produção padronizada, os azulejos são sem dúvida os exemplos mais conhecidos de todos.

Jorge Mascarenhas, Sistemas de construção, descrição ilustrada e detalhada de processos construtivos utilizados correntemente em Portugal: vol 5. Lisboa, Livros Horizonte, 2009.

 Os azulejos pombalinos apresentam padrões simples, que podem ser avulsos ou formando conjuntos de dois ou quatro no máximo. São muito versáteis. Os diferentes padrões combinam facilmente uns com os outros. As cercaduras são também adaptáveis a azulejos diferentes e os painéis podem ser aplicados facilmente a situações distintas, como escadas, vãos de janelas, espaços mais longos ou mais largos
Jorge Mascarenhas, Sistemas de construção, descrição ilustrada e detalhada de processos construtivos utilizados correntemente em Portugal: vol 5. Lisboa, Livros Horizonte, 2009.

Este meu painel representa pois essa versatilidade do azulejo pombalino. Poderia ser sido alongado. Os azulejos do centro dispostos de maneira diferente, podem compor um novo motivo. Também poderia ter no meio outros azulejos com estrelinha ou não ter nada, que ficaria igualmente bem. 

Os azulejos centrais dispostos de uma maneira diferente fazem um novo desenho
 
O painel também poderia ter só a cercadura
 
Seria possível colocar azulejos com uma decoração diferente no centro.
Depois há pouco tempo, quando desfolhava a obra de Luisa Arruda, A caminho do Oriente: guia do azulejo. Lisboa: Livros Horizonte, 1996” encontrei reproduzidos uns quantos painéis do convento de S. Francisco em Xabregas, atribuídos à Fábrica do Rato, sendo um dos quais muito semelhante ao meu.


Um painel atribuído ao Rato

Por todas estas razões passei, reconciliei-me com uma certa garridice, que denota este painel de azulejos.