segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Creme n. 2 da Thaber: um boião da Fábrica de Loiça de Sacavém

 
aqui tinha mostrado este boião em faiança, que continha um creme de beleza da antiga fábrica de cosméticos Thaber. Na altura pouco ou nada consegui apurar sobre esta Thaber, para além de que era uma casa portuguesa de cosméticos, ainda activa nos anos 60 e 70 do século XX.

A encomenda terá sido feita entre Fevereiro/Março e Abril de 1945.
Recentemente fui contactado pelo Museu de Cerâmica de Sacavém, pedindo-me emprestado o boião para uma exposição temporária. Com efeito, naquele Museu, descobriram através de um dos antigos livros de encomendas da Fábrica, que a Thaber encarregou Sacavém do fabrico dos boiões dos seus produtos de beleza. O registo da encomenda é tão preciso que nele está impresso o monograma da Thaber, um cesto com um laço, a legenda que deveria figurar em cada um dos boiões, a cor e ainda as quantidades pedidas. No referido registo, encontra-se a descrição do boião igual ao meu, o creme, nº 2, vidrado a azul e a preto. Também por por lá está identificado, o boião que a minha irmã recebeu da minha avó, pintado a rosa com o fundo preto. 


No acervo do Museu existe também um boião com um formato exactamente igual, mas sem qualquer tipo de decoração, mas sabe-se que se trata de um boião THABER, conforme vem referido num dos catálogos de 1950 da fábrica, cuja cópia tiveram a gentileza de me fornecer por e-mail.


Mas voltando à encomenda de Boiões pela Thaber, ficámos também a saber que a proprietária dessa Fábrica de produtos de beleza era nada menos nada mais do que a célebre Bertha Rosa Limpo (1894-1981), a autora do O livro de Pantagruel. Para todos aqueles que alimentar-se significa comer um  hamburguer no Macdonald's ou encomendar uma pizza pelo telefone, há que explicar que O livro de Pantagruel é o mais conhecido manual de cozinha português. Desde que saiu em 1945, já teve duzias de reedições e pode-se afirmar que está para a culinária nacional, como os Lusíadas estão para a literatura portuguesa. Aliás, este ano de 1945, deve ter sido particularmente produtivo para a Sra. D Bertha Rosa Limpo, pois além de ter publicado o Pantagruel, encomendou também estes boiões a Sacavém.  Em 1945, além de iniciar uma carreira como autora de livros de cozinha, a Sra. Dª. Bertha Rosa Limpo tornava-se também uma empresária de sucesso . 


Berta Rosa Limpo terá aproveitado o receituário seu pai, dono de uma farmácia, para pôr em prática esta fábrica de cosméticos. A Thaber, que é o anagrama de Bertha, tinha também um salão de beleza, que funcionava no mesmo local da sede da firma, a Av. António Serpa, nº 22.
 
Em suma, o meu boião Thaber foi fabricado por Savavém, talvez entre 1945 e os anos 50 e pode ser visto na exposição IMAGENS DE MARCA(S) - SACAVÉM É OUTRA LOIÇA, que está patente no Museu de Cerâmica de Sacavém, de Segunda a Sábado, das 10h às 13h e das 14h às 18h, pelo ano de 2014 fora.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Palestine de William Adams & Sons ou votos de um Natal


O tema deste post era para ser diferente. Tinha já na cabeça um texto escrito sobre uma peça de Sacavém. Mas lembrei-me que era Natal e apesar de eu nunca ter andado muito a reboque das épocas festivas neste blog, achei que devia mudar de tema, apresentando antes uma travessa inglesa, do século XIX, decorada com o motivo Palestina, a terra onde nasceu Jesus Cristo e desejar assim um bom Natal aos meus seguidores. 
 
E depois esta louça inglesa do Século XIX é muito apropriada para a época Natalícia pois evoca sempre tempos passados, casas antigas, grandes refeições com muita gente sentada à volta de mesas postas com toalhas de linho, bandejas com assados feitos em forno de lenha e pudins caseiros. Enfim, esta travessa evoca um verdadeiro jantar de Natal, sem essas porcarias que se compram já feitas no Continente.

Encontrei a travessa na Feira de Estremoz e estava muito suja e cheia de cola, de modo que a tirei por um preço estupendo, dez euros. Os Americanos pagam trezentos e seiscentos dólares por peças semelhantes, mas por cá ninguém liva pevides à louça inglesa. Não está marcada, mas apresenta no verso o nome da decoração, Palestine.

 
 
Fiz umas pesquisas no Google imagens, combinando três termos, em english potteryXIX century e Palestine e ao fim de uns quatro ou cinco minutos consegui identificar o fabricante, William Adams & Sons e a data provável de execução desta travessa, cerca de 1830-1840, que deve ser sido a bandeja de uma terrina, ou seja aquilo que franceses designam como um présentoir.
 
 
Mostra uma imagem fantasiosa da Palestina, que naquele tempo estava sob domínio otomano. No primeiro plano, vemos uma pérgula, uns cavaleiros turcos, uns senhores sentados num tapete oriental, tendo por cenário um lago, talvez o mar da Galileia e lá mais ao fundo, descortina-se uma cidade numa ilha, que mais parece uma espécie de Constantinopla em miniatura. É uma Palestina imaginada, romântica, com flores e lagos que nada tem a ver com o que foi a terra santa no passado e muito menos com a terra santa dilacerada pelas guerras e pelo ódio dos dias de hoje. Talvez tenha sido esse contraste, que me levou a fechar o post com uma música, que um amigo da net, israelita, partilhou comigo e que mostra uma imagem antagónica à desta travessa romântica.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Les images pieuses ou imagens do exílio

Esta original pagela, que se desdobra em várias partes, foi impressa em França, nos finais do século XIX, ou nos inícios do Século XX e faz parte daquilo que se designa em França pelo estilo saint-sulpicien.

Conforme se pode ler no rodapé, o registo foi editado pela antiga casa C. Letaille, certamente depois de 1876, pois nesse ano Charles Letaille associou ao seu negócio o genro, Boumard. Portanto, se aqui diz Boumard et Fils, presumimos que já tivessem passado uns bons vinte anos do casamento do Sr. Boumard e a estampa por conseguinte deve ter sido impressa logo nos primeiros anos do Século XX.
A pagela antes de ser aberta

Este Charles Letaille e o seu genro Boumard, juntamente com Bouasse Jeune, Bouasse Lebel e Turgis faziam parte de um conjunto de impressores, livreiros e comerciantes de artigos religiosos, que no século XIX, se agrupavam em Paris, nas cercanias da Igreja de Saint-Sulpice. Estes impressores produziam estampas devotas em grandes quantidades, sem grande qualidade artística e a baixo preço, que vendiam para todo o mundo católico, inclusive para as Américas. Esta imaginária religiosa de gosto duvidoso tomou em França o nome de estilo saint-sulpicien, que designa não só estes santinhos em papel, como as imagens de gesso ou madeira de Santa Teresinha de Lisieux, a Virgem de Lourdes, ou os Sagrados Corações de Maria e Jesus, pintados em tons rosa bombom e azul celeste e ainda todo tipo de bugigangas religiosas, como terços, medalhinhas benzidas, etc.

No entanto, apesar desse gosto algo duvidoso, que as pagelas saint-sulpicianas denotam é difícil resistir ao seu encanto sobretudo quando estas se abrem como armários secretos, protegidas pelos seus batentes, contendo por dentro outras imagens ainda. Eram pequenos tesouros, guardados com desvelo pelas nossas avós ou bisavós dentro dos seus missais  e que apesar da fragilidade dos materiais, conseguiram chegar até aos nossos dias num estado impecável.

Se é bem verdade que estas imagens são esteticamente medíocres, elas são afectivamente belas, pois constituem um testemunho de um ideal, de um paraíso perdido. As pagelas com os rendilhados e os santinhos evocam um exílio, o nosso exílio do mundo da infância, do tempo do catecismo, em que a fé e o cristianismo proporcionavam uma segurança e certezas, que hoje perdemos de todo.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O mais delirante rococó alemão: um episódio da vida de Sto. Agostinho

 
Naquela feira de alfarrabistas do Chiado comprei esta estampa de um delirante estilo rococó, representando um episódio da vida de Sto. Agostinho. Como de costume, parti à procura de mais dados sobre esta gravura, pesquisando no google usando dois termos associados: uma palavra extraída da legenda, S. Augustini e Klauber Cath, a assinatura do que me pareceu o impressor. Rapidamente descobri, que esta estampa saiu de uma oficina de impressores alemã, que foi das mais activas de toda a Europa ao longo do Século XVIII. Esta oficina da cidade de Augsburg pertencia à família Klauber, uma dinastia de impressores, que ao longo de três gerações se especializou na produção de registos e ilustrações de carácter religioso.

O frontispício da Vita Sancti Augustini Doctoris eximii in aere Universo orbi / exhibita a P. T. Z. A. -  [Augustae Vindelicorum] : [in verlag Ios. und Ioan[n]. Klauber], 1758
Fiz mais umas pesquisas aqui e acolá e descobri que a minha gravurazinha fazia parte de obra intitulada, Vita Sancti Augustini Doctoris eximii in aere Universo orbi / exhibita a P. T. Z. A, impressa em Augustae Vindelicorum, o nome latino para a Augsburgo, por Johann Baptis Klauber, em 1758. Segundo percebi na Biblioteca Nacional de Espanha, onde encontrei o registo catalográfico, esta Vita Sancti Augustini Doctoris não era propriamente um livro, mas antes um álbum de estampas, acompanhadas por algum texto em latim, descrevendo os principais episódios da Vida de Santo Agostinho de Hipona (354-430).


A cena que observamos na minha gravura mostra Sto. Agostinho recebendo o hábito das mãos de Santo Ambrósio, enquanto do lado esquerdo é observado por Santa Mónica, sua mãe e ainda pelo seu filho, Adeodato. Com efeito, Agostinho de Hipona antes se ter decidido pelo celibato e pela vida religiosa, manteve uma ligação com uma mulher durante 14 anos da qual teve um filho, Adeodato. Agostinho de Hipona é um homem que se decide pelo Cristianismo já tarde, com cerca de 32 anos.

Esta cena não é propriamente um episódio histórico, pois embora S. Ambrósio tenha sido o responsável, pelo baptismo de Agostinho, este não se encontrava com Agostinho, quando alguns anos mais tarde se tornou eclesiático e fundou o primeiro mosteiro em Hipona, uma antiga cidade do Norte de África, perto de Tunis, a actual capital da Tunísia. No fundo, a gravura quererá representar que foi sobre dos ensinamentos espirituais de Santo Ambrósio, que Santo Agostinho tomou o hábito religioso e fundou uma comunidade monástica. Mas, a importância daquele Santo de Hipona não foi só a fundação de uma comunidade monástica. Sto. Agostinho foi também o primeiro a escrever uma regra, ou seja um conjunto de normas, sobre a qual a uma comunidade religiosa deveria viver. Ele é por assim, dizer, juntamente com São Bento de Núrsia, um dos pais do monaquismo ocidental.

Naturalmente a importância de Santo Agostinho na história vai muito para além de ter esboçado a primeira regra monástica. Foi antes de tudo um pensador, que fez a síntese entre a filosofia grega e o judeio-cristianismo das Escrituras. 

Outra estampa do ciclo Vita Sancti Augustini Doctoris eximii in aere Universo orbi.
Santo Agostinho fez a síntese entre a filosofia grega e o judeio-cristianismo das Escrituras

Fiquei então muito contente por ter identificado a obra de onde foi extraída a minha estampa, Vita Sancti Augustini Doctoris eximii in aere Universo orbi, o nome dos seus gravadores Johann Baptist Klauber (1712-1787?) e Joseph Sebastian Klauber (1700?-1768) e ainda por ter encontrado uma explicação sobre a iconografia da estampa.

Fiz depois algumas investigações sobre o autor do desenho um tal Johann Anwander (1715-1770), um pintor alemão, rococó, célebre pelas suas pinturas a fresco em tectos de igrejas, cheias de complicados efeitos cenográficos, mas ao mesmo tempo graciosos e que os conseguiu reproduzir também no papel, como nestas estampas sobre a vida de Sto. Agostinho.

Um fresco da autoria Johann Anwander

Tinha ficado com as minhas investigações sobre esta gravura por aqui, quando por acaso me passou pelas mãos uma livrinho de Marie-Thérèse Mandroux-França Information artistique et «mass-media» au XVIIIe siècle : la diffusion de l'ornement gravé rococo au Portugal - Braga : [s.n.], 1974, que me ajudou a entender como é que uma gravurazinha alemã de Augsburgo veio parar em Portugal.

Augsburgo foi durante todo o século XVIII um centro de edição particularmente activo. Os seus impressores copiaram os tratados de arquitectura e de desenho de ornato franceses, que continham os novos modelos do estilo rococó, e difundiram-nos por toda Alemanha através de estampas contra faccionadas. O que eram modelos imaginários nos manuais franceses, tornaram-se edifícios concretos no Sul da Alemanha e e a assimetria, a curva e a contra curva foram exploradas até às últimas consequências, criando um barroco, absolutamente delirante.

Gravura da Biblioteca Nacional de Portugal. As estampas impressas em
Augusburgo foram veículos privilegiados para os arquitectos e entalhadores portugueses tomarem conhecimento das formas rococó

Em meados do século XVIII, em Augusburgo já se tinha desenvolvido uma verdadeira indústria de estampas rocaille, que traduziam e reflectiam a arquitectura das igrejas de peregrinação da Baviera. Essas gravuras eram na sua maioria registos ou imagens de livros religiosos, que eram depois vendidas em grandes quantidades para toda a Europa, inclusive para Portugal. Marie-Thérèse Mandroux-França descobriu centenas dessas estampas de Augsburgo, nas bibliotecas e arquivos portugueses, muitas provenientes de antigas livrarias conventuais, como da Abadia beneditina de Tibães e pensa mesmo, que foi através delas que arquitectos como André Soares ou escultores como Frei José António Vilaça (1731-1809) tomaram contacto com o estilo rocaille, que depois aplicaram em obras emblemáticas portuguesas, como o Mosteiro de Tibães. 

Detalhe de Tibães. Talha de André Soares


Mas, segundo Marie-Thérèse Mandroux-França as estampas dos impressores de Augusburgo não influenciaram só os arquitectos e entalhadores portugueses. Serviram também de modelo aos gravadores de registos de santos em Portugal, que ignorando as complicações espaciais e de pespectiva dos gravadores alemães, copiaram as molduras rocailles, que enquadram os santinhos, nas quais parecem às vezes deslocados. A influência dos registos alemães não se fez só sentir na gravura como se estendeu também aos registos de azulejos.

Concluídas estas pequenas investigações, a minha estampa ganhou um novo significado. Foi uma das muitas imagens provenientes de Augusburgo, que serviram de modelo para a difusão do estilo rococó em Portugal. Só fiquei com pena de não ter comprado as restantes estampas que por lá ficaram.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O labirinto do mundo: faiança portuguesa


No meu anterior post, apresentei um prato de faiança portuguesa, representando uma árvore, que se desenvolvia do centro para os bordos, que eu interpretei como sendo uma representação da árvore da vida, embora sem certezas ou fundamentos.

Mencionei também que o meu amigo Manel possui duas peças de faiança com este tema das ramagens, que me levam a supor a existência de uma manufactura de cerâmica, algures no Norte do País, que se tenha dedicado a estes temas das árvores e ramagens, que crescem de uma forma intrincada, com se pretendessem figurar o labirinto da vida .Claro, não tenho fundamentos nenhuns para esta suposição, a não ser os de uma certa semelhança estilística. Nenhuma das três peças está marcada e arrisco-me a estar aqui a escrever um grande disparate.

O tardoz da travessa está também decorado
Mas, voltando aos pratos do Manel, numa travessa, o tema dos ramos que se cruzam e descruzam foi levado tão longe, que artista, virou a peça ao contrário e continuou a pintar o tardoz com o mesmo tema. Em outro pratinho, o pintor fez uma orla de ramagens intrincadas umas nas outras.

Tenho uma certa intuição de quem pintou o meu prato fez também a travessa e o pratinho de sobremesa que pertencem ao Manel. Seria certamente algum artista fascinado com os efeitos estéticos produzidos pelos ramos e os troncos de uma árvore ou arbusto, que tentou recriar em peças de loiça. É muito provável que este artista tivesse uma instrução rudimentar. Mas não lhe faltou capacidade de despertar sentimentos complexos ao observador passados cento e vinte ou 150 anos. Se no meu prato, pintou aquilo, que parece uma de árvore da vida, na travessa, que também terá executado, sentimo-nos diante de uma representação do labirinto do mundo, em que genealogias de seres humanos confundem-se, misturam-se e partem em direcção a lado nenhum. Sei que não estou a ser objectivo, mas há modestas obras de arte como esta, que me provocam sentimentos fortes.

O verso da travessa também está pintado com o mesmo tema do labirinto de ramos que se cruzam e entrecruzam.