Um dos seguidores deste blog, o Eduardo, enviou-me uma imagem de uma peça em terracota, uma Nossa Senhora da Guia. Confesso que fiquei fascinado com a obra. Em primeiro lugar, porque gosto de arte sacra, em segundo pelo simbolismo algo pagão que comporta a Senhora da Guia e depois ainda pelo material, a terracota, que é um assunto sobre o qual há pouca coisa escrita.
Nossa Senhora da Guia. Registo do Museu dos Biscaínhos |
Nossa Senhora da Guia, dos Navegantes ou da Estrela são diferentes nomes para a mesma forma de adorar Maria. São invocações a que os caminhantes, os marinheiros ou pastores recorrem, pois há uma associação entre estas senhoras e a Estrela da Manhã, Vénus, que serve de ponto de referência e orientação a todos os viajantes. Aliás muitas vezes a Senhora da Guia é representada com um bastão contendo uma estrela na ponta. Segundo Moisés do Espírito Santo a devoção a esta senhora mais não é do que uma reminiscência de um antigo culto pagão, a uma divindade feminina ancestral, ao qual a Deusa Vénus esteve obviamente associada.
A terracota parece ser um material de escultura pouco estudado. Encontrei apenas bibliografia sobre os presépios portugueses. Paralelamente fiz umas quantas pesquisas combinadas no Google, associando termos como imaginária, terracota, arte sacra e poucos ou nenhuns resultados obtive. Depois quando passei para a pesquisa por imagens, descubro nos sites dos museus brasileiros várias imagens em terracota, semelhantes a esta, com as bases mais largas que os corpos, parecendo suportar o peso do barro durante sua feitura. Todas elas estão atribuídas ao século XVII e foram identificadas como obras da autoria de dois frades beneditinos, Frei Agostinho da Piedade (c. de 1580-1661) e do seu discípulo, Frei Agostinho de Jesus(1600-1661). O primeiro nasceu ainda e viveu a sua juventude em Portugal, estando activo nas terras de Vera Cruz a partir de 1620, e o segundo, nado e criado no Brasil, foi um seu discípulo. Os dois formaram a primeira escola de imaginária religiosa no Brasil.
Nossa Senhora da Purificação. Frei Agostinho de Jesus. Séc. XVII, Museu de Arte Sacra de S. Paulo |
Mas por que razão, a obra em terracota do nosso amigo teria semelhanças com obras de arte feitas no Brasil do noutro lado do atlântico?
Nossa Senhora da Conceição. Frei Agostinho de Jesus, Séc. XVII |
Confesso que suspeitei desde logo que este tal Frei Agostinho da Piedade, sendo beneditino, tivesse sido formado no Mosteiro de Alcobaça, local onde se desenvolveu uma escola de escultura em barro muito célebre, cuja obra-prima é a representação da Morte de S. Bernardo. Um colega meu, o Anísio Franco, sugeriu-me então que consultasse o catálogo da exposição, Portugal e o mundo nos sécs. XVI e XVII. Lisboa: IMC, 2009. E de facto no catálogo desta exposição, que ficou mais conhecida pelo seu título inglês encompassing the globe, estão dois textos escritos por Nuno C. Senos, a propósito de duas esculturas em terracota atribuídas aos nossos amigos, os freis Agostinho da Piedade e Agostinho de Jesus. O autor destas entradas é de opinião que Frei Agostinho da Piedade esteve certamente exposto à tradição dos barristas de Alcobaça antes de partir para o Brasil.
Assim, já se aplicam as semelhanças entre a imagem do nosso amigo Eduardo e as peças das colecções Brasileiras. Ambas tem a marca da escola de Alcobaça e terão sido produzidas no século XVII