Recordo-me que em miúdo, antes de atingir os seis anos, passei uma temporada em casa dos meus avós paternos, o Silvino e a Maria do Espírito Santo. Embora não tivessem sido uns pais carinhosos para os seus filhos, fizeram-me gostar daquela temporada, da qual guardo algumas das recordações mais antigas que tenho. A minha avó Mimi acordava-me sempre de manhã, para eu ver o “solinho” e servia-me papa maizena ao pequeno-almoço, coisa que eu ainda hoje adoro.
Devo ter passado por lá algum tempo, pois frequentei o Jardim-escola João de Deus naquela cidade. E claro, tenho ideia que era o meu avô Silvino quem andava comigo pela cidade de um lado para o outro de mão dada. Num dia, vimos uma procissão desfilar na cidade, creio eu que pela rua de Sto. António e reconheci no meio do cortejo um coleguinha meu do jardim-escola vestido de anjinho. Achei tudo aquilo tão bonito, que fiquei cheio de pena de não ter também umas asinhas e uma fatiota toda branca de anjo.
As crianças gostam de vestir fatos de anjinho e nesse aspecto o ritual católico é muito eficaz, porque atrai com o seu cerimonial crianças que nem sequer receberam uma educação religiosa. Há cerca de uns 15 anos, a minha sobrinha Isabel, que na altura não era baptizada, não sabia sequer distinguir o Santo António do Cristo, quis desfilar na procissão de Vinhais vestida de anjo. A minha mãe e a minha tia Maria Adelaide, com a sua paciência toda, restauraram um fatinho de anjo antigo, que tinha pertencido à minha mãe, uma coisa em seda verde dourado, com um corte segundo a moda dos primeiros anos da década de 30 e umas asinhas em penas, e lá foi a Isabel toda orgulhosa e feliz pela vila fora, acompanhando a procissão, vestida com o seu fatinho fora de moda e de outros tempos, sem reparar sequer nos olhares de estranheza das outras meninas, que essas sim, tinham umas roupas de anjo contemporâneas.
Devo ter passado por lá algum tempo, pois frequentei o Jardim-escola João de Deus naquela cidade. E claro, tenho ideia que era o meu avô Silvino quem andava comigo pela cidade de um lado para o outro de mão dada. Num dia, vimos uma procissão desfilar na cidade, creio eu que pela rua de Sto. António e reconheci no meio do cortejo um coleguinha meu do jardim-escola vestido de anjinho. Achei tudo aquilo tão bonito, que fiquei cheio de pena de não ter também umas asinhas e uma fatiota toda branca de anjo.
As crianças gostam de vestir fatos de anjinho e nesse aspecto o ritual católico é muito eficaz, porque atrai com o seu cerimonial crianças que nem sequer receberam uma educação religiosa. Há cerca de uns 15 anos, a minha sobrinha Isabel, que na altura não era baptizada, não sabia sequer distinguir o Santo António do Cristo, quis desfilar na procissão de Vinhais vestida de anjo. A minha mãe e a minha tia Maria Adelaide, com a sua paciência toda, restauraram um fatinho de anjo antigo, que tinha pertencido à minha mãe, uma coisa em seda verde dourado, com um corte segundo a moda dos primeiros anos da década de 30 e umas asinhas em penas, e lá foi a Isabel toda orgulhosa e feliz pela vila fora, acompanhando a procissão, vestida com o seu fatinho fora de moda e de outros tempos, sem reparar sequer nos olhares de estranheza das outras meninas, que essas sim, tinham umas roupas de anjo contemporâneas.
Os pequenos anjos |
Há uma fotografia terrível da minha mãe vestida com esse fato de anjo, tirada em meados dos anos 30, por ocasião do falecimento de uma menina, que desconheço quem foi. Tenho uma vaga ideia da minha mãe me contar, que a obrigarem a ela e a outras meninas da mesma idade da morta a figurarem nesta espécie de encenação fúnebre junto do caixão, para tirarem a fotografia. A minha mãe é a última criança do lado direito, (é igual à minha filha Carminho), com uma tiara e está com um ar assustado e infeliz. A menina mais alta de olhos muito claros é a minha Tia Chica, a sua irmã mais velha, que está também com ar díficil de descrever
Esta fotografia, por mais macabra que pareça, fascina-me. Recorda-me o melhor filme que para mim, Felini alguma vez realizou, os Julieta dos Espíritos. Neste filme Julieta é atormentada muitas vezes por um sonho, em que se vê na infância, numa representação teatral do colégio de freiras, em que faz de mártir cristã, toda vestida de branco e que está preste a ser grelhada viva numas chamas de papelão. Este sonho atormenta-a várias vezes ao longo do filme. Na cena final, Julieta já mulher adulta sonha novamente com a macabra representação religiosa, mas descobre uma pequena porta escondida no quarto, entra, descobre a menina amarrada na grelha, prestes a ser queimada e corta-lhe as cordas dos pulsos e dos pés e liberta-a a menina foge em liberdade.
Pudesse eu fazer o mesmo nesta fotografia, entrar nela e deixar fugir a minha mãe e a minha tia e dar-lhe mais umas horas de uma infância, que já perderam irremediavelmente.