Já há uns tempos que pensava mostrar este retrato de grupo, das meninas de um colégio religioso no Norte de Portugal. A fotografia capturou um momento da vida de um conjunto de raparigas e meninas, no início da década de 20, que hoje estarão todas mortas, ou talvez duas ou três das mais pequenitas estejam ainda vivas e contem com noventa e tais anos.
A minha avó Mimi com cerca de 15 anos |
Entre as que já morreram encontra-se minha avó Mimi (1907-2000), Maria do Espírito Santo Montalvão Cunha. Está na última fila, no grupo das mais velhas. Aparenta uns 15 anos e portanto a fotografia poderá terá sido tirada em 1923, o que coincide com a data de um quadro que ela pintou no colégio, datado daquele ano e que se encontra em minha casa.
A pintura assinada em 1923 |
Falava bastante desse tempo do colégio interno, que deve ter ser sido muito marcante. Contava-nos, que do colégio tinham um pequeno acesso para a praia e que iam muitas vezes para lá passear em grupo com as colegas. Também nos dizia que tinha autorização para de manhã, acordar mais tarde que as suas condiscípulas. Os pais teriam transmitido às suas mestras, que ela era uma criança enfermiça. A sua longa carreira de grande hipocondríaca deve ter começado logo nessa altura.
A Mimi era uma pintora com algum talento |
Julgo que neste colégio deve ter tido uma boa educação para a época. Aprendeu a pintar muito bem. Desenvolveu o gosto pela cultura, que também já lhe vinha de família e ensinaram-lhes uma caligrafia impecável, cursiva e cheia de ângulos. Voltei mais tarde a encontrar esse tipo de letra em documentos manuscritos por pessoas da sua geração ou um pouco mais velhas e acredito agora que aquela caligrafia correspondesse a um modelo definido, ensinado em todas as boas escolas. Durante alguns anos imitei deliberadamente a letra da minha avó, desenhando hastes angulosas, mas hoje já só tenho uma letra meramente cursiva, até porque cada vez escrevo menos à mão.
Claro, a educação que lhe deram no colégio não era destinada a exercer uma profissão. Naquele tempo as meninas iam para estes colégios, aprender a ler e a escrever, falar um pouco de francês, pintar, desenhar, bordar e talvez a martelar umas peças musicais simples ao piano. O objectivo era prepara-las a serem umas senhoras decorativas, que os maridos gostassem de apresentar em jantares de negócios e bailes, mas que ao mesmo tempo fossem piedosas e capaz de ajudar os filhos nos deveres escolares.
Nesta fotografia, as raparigas usam quase todas o cabelo curto, à garçonne, uma moda de penteados, que cortou radicalmente as tranças, os longos cabelos e as crinas que as meninas e senhoras usavam até ao final da Primeira Grande Guerra. Esta moda, que correu a Europa e os Estados Unidos a um ritmo alucinante no início dos anos 20, começou meramente por acaso, quando um dia Coco Chanel queimou o cabelo ao fazer um permanente e resolveu cortar o cabelo à rapaz e sair para a rua fazendo furor.
Algumas das moças, apresentam fitas como medalha ao pescoço, Umas são escuras outras claras. Julgo que seriam uns prémios dados às alunas com bons rendimentos escolares. Portanto, é provável, que esta fotografia tenha sido tirada no final do ano lectivo, aliás, na época, a fotografia era cara e só se chamava o fotógrafo em ocasiões especiais, como o final do ano lectivo.
A minha avó é das que tem uma medalha ao pescoço. Julgo que terá sido uma boa aluna. No seu livro de contos, baseado na sua própria vida, conta, que em resultado dos seus bons resultados escolares, os seus pais lhe pagaram uma viagem à ilha Madeira, o que para a época era um prémio excelente. Foi de barco, acompanhada de uma tia ou madrinha, já não me recordo, pois nos anos vinte as meninas não viajavam sem chaperon e foi uma coisa absolutamente inesquecível, pois dois dos seus contos falam dessa viagem e num deles, a sua personagem, conhece nas ilhas encantadas o amor da sua vida, o futuro marido.
A Mimi com o marido, o meu avô Silvino |
Claro, depois a coisa não aconteceu bem como nos seus contos e a Mimi viveu um longo casamento com uma relação extremamente crispada.
Em todo o caso, o colégio foi um período marcante. Quando já estava demasiado idosa para viver sozinha e a perder as faculdades mentais, fui viver connosco e muitas vezes julgava que a minha mãe era a Directora do Colégio.
As únicas informações que eu tenho acerca deste colégio era que pertencia às Doroteias e estava localizado em Vila do Conde. Durante muito tempo pensei que fosse no Mosteiro de Santa Clara, aquela massa edificada que se vê, na margem do rio, mas fiz algumas pesquisas na net e não encontrei referência a nenhum colégio de Doroteias naquela terra nortenha. Parece ter havido naquelas datas, um colégio das Doroteias na Póvoa de Varzim, ali ao lado, dirigido pela célebre Madre Sá, uma educadora conceituada, que esteve refugiada na Suiça, no período mais anticlerical da República.
A escritora Agustina Bessa Luís, que frequentou este colégio escreveu alguns parágrafos sobre essa Madre Sá, elogiando o seu espírito de justiça. Talvez a Madre Sá seja a directora de que a minha avó falava, nos seus delírios de senilidade, quando regressava à infância,