Comprei esta peça na feira de Estremoz por um preço muito convidativo. Está decorada a preto, ou melhor ainda num grisaille, com quatro motivos diferentes, representando camponeses, alguns deles tendo por fundo umas paisagens, que parecem ser inglesas. Há apenas uns filetes dourados aqui e acolá. A peça não está marcada e apresenta apenas na base um número, 979, seguido de um ponto, que se deve reportar ao padrão.
Apesar de não ter a marca de um fabricante, a peça desde logo me pareceu inglesa, do início do século XIX. Quanto à forma, semelhante a uma pequena terrina, pensei tratar-se de uma mostardeira, mas com meia dúzia de pesquisas, rapidamente me convenci que era um açucareiro.
Como estive doente, com uma gripe, retido em casa alguns dias lancei-me numa pesquisa desenfreada na internet e creio que bati todos os sites de venda on-line de antiguidades, bem como toda a colecção de porcelana Victoria & Albert Museum e não obtive resultados conclusivos.
Quando temos uma louça, que acreditamos ser inglesa, mas não está marcada, as dificuldades de identifica-la na internet são grandes. Enquanto que em Portugal, ao longo do século XIX tivemos uma única fábrica de porcelana, em Inglaterra para o primeiro quartel deste século, laboraram quase uma vintena delas. A produção dessas empresas é por vezes semelhante quanto às formas e à decoração. Enfim, todas seguiam as mesmas modas, procurando satisfazer o gosto neoclássico do público.
Neste período, para aumentar as dificuldades na pesquisa, alguns fabricantes, a par da porcelana propriamente dita, produziam a bone china (na composição entravam ossos), a porcelana branda, a porcelana feldspática, enfim, tudo aquilo, que normalmente se designa por porcelana imperfeita.
Por outro lado, tal como acontecia em França, no mesmo período, há casos de fabricantes de porcelana, que entregavam as suas peças em branco, para outros as decorarem. Embora, não me parece o caso deste açucareiro, que tirando os filetes dourados, não foi pintado à mão. As paisagens com os camponeses parecem-me feitas por transfer-way, isto é, uma chapa de metal com o desenho, que era impressa sobre um pano, que depois era aplicado na peça.
Por último, as nossas pesquisas na internet ficam limitadas ao que se encontra à venda no momento. Claro, os ingleses têm a sua porcelana bem estudada, mas eu tenho não acesso a essa bibliografia. No google books encontrei algumas monografias sobre fábricas inglesas dessa época, como sobre a New Hall, a Herculaneum ou a Worcester, mas só consegui ler alguns capítulos.
Em termos práticos, depois de vasculhar toda louça inglesa à venda na internet e os inventários de alguns museus, encontrei uns quantos açucareiros com a forma exactamente igual ao meu e todos eles da Herculaneum, uma fábrica de Liverpool, que laborou entre 1783 e 1841. Depois de 1800 terá começado a produzir porcelana ou a Bone China. No entanto as decorações são diferentes da minha peça.
Tal como já referi em outros posts, nos serviços de chá, nem todas as peças eram marcadas. Os fabricantes marcavam ora o bule ora a leiteira ou açucareiro e nas restantes peças, não punham nada ou punham um número, que se reportava ao padrão decorativo. Estes números são muito característicos da produção inglesa e reportavam-se a livros, com os desenhos ou às chapas de metal, com os ornamentos gravados. Alguns desses livros e desenhos sobreviveram até aos nossos dias, outros foram reconstituídos artificialmente por investigadores, como foi o caso da New Hall
Como o número de padrão do meu açucareiro é relativamente alto, 979, seguido de um ponto, presumo que não date dos primeiros anos de laboração da Herculanem. Encontrei um serviço desta fábrica à venda na Christie, com o padrão 878, datado de cerca de 1815. Portanto, seguindo essa lógica este açucareiro terá sido executado por volta de 1820 ou mais tarde.
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Serviço da Herculaneum à venda na Christie, com o padrão 878 |
Quanto a padrão, o 979, do qual não encontrei informação nenhuma, pode eventualmente relacionar-se com algumas peças da fábrica de Liverpool, cuja decoração foi concebida, por um ilustrador muito prolixo, um tal Samuel Williams (1788-1853). Há um certo ar de família entre estas paisagens com camponeses, que decoram o meu açucareiro e outras peças decoradas a partir dos seus desenhos, mas isto é um palpite meu, enfim, uma intuição.
Em suma, depois de horas esquecidas na internet, posso apenas adiantar uma hipótese, de que este açucareiro, foi fabricado em Inglaterra, pela Herculaneum, por volta de 1820 ou 1825, com uma decoração concebida pelo ilustrador Samuel Williams, mas posso estar redondamente enganado.
Alguma bibliografia e sites consultados
The
Herculaneum Pottery: Liverpool's Forgotten Glory / Peter Hyland Liverpool
University Press -Liverpool University Press, 2005
https://janeaustensworld.com/tag/regency-painter/
https://www.artfund.org/supporting-museums/art-weve-helped-buy/artwork/9931/tea-service
https://www.antiquepottery.co.uk/set-of-6-herculaneum-liverpool-arcaded-border-pottery-plates/
https://www.fineantiqueenglishporcelain.co.uk/en-GB/19th-century-english-porcelain/a-rare-herculaneum-liverpool-porcelain-sugar-box-teapot-stand-c-1810/prod_10411#.Y6XNaNXP23B
https://www.thefancyfox.co.uk/en-GB/cups-coffee-cans-tea-bowls-saucers/herculaneum-samuel-williams-style-coffee-can-c-1810/prod_10353#.Y6XSQdXP23A
https://www.christies.com/en/lot/lot-4039004