sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Chaves: as ruas e as varandas

Já percorri todas as ruas do centro de Chaves vezes sem conta. Durante a infância pelas mãos do meu avô Silvino, depois na adolescência com a minha irmã, meios enfadados com as poucas distracções que uma cidade provinciana oferecia a uns adolescentes lisboetas, e depois já adulto, a descobrir os recantos de um património cultural mais ou menos bem preservado.



Hoje, quando regresso a Chaves, além de me encantar sempre com a arquitectura, já faço a minha deambulação pelas ruelas antigas acompanhado pelas imagens de todos os familiares que ali moraram e já morreram. Já só resta uma prima direita naquela cidade que foi tão ligada à nossa família.

O Centro de Chaves que é antiquíssimo apresenta no entanto uma planta regular, em quadrícula e assim o é, porque a cidade começou por ser um acampamento romano e os acampamentos dos legionários, que deram depois origem a cidades foram sempre sendo estruturados da mesma forma: uma cerca rectangular, com ruas desenhadas em quadricula, existindo duas artérias principais a Cardo (Norte/Sul) e a Decumana (Este/Oeste), que se cruzavam numa praça central, onde era depois levantado o Fórum.


Planta de Chaves, do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que evidencia a sobrevivência da planta em quadrícula da cidade romana.

A Decumana deu origem à actual Rua Direita e no Fórum, construíram-se a igreja matriz, a da misericórdia e a Câmara Municipal, provavelmente usando fundações de antigos edifícios públicos romanos.

Como os romanos formaram um império gigantesco tiveram que normalizar os equipamentos urbanos e tipologias de obras públicas para construírem rapidamente, fosse na Lusitânia, na Síria, em África ou na Gália. Houve um senhor romano, Vitrúvio, que na obra De Architectura deixou modelos de edifícios que foram aplicados por todo o Império. Por exemplo, os teatros romanos são exactamente iguais em todo o lado, o que facilita o trabalho aos arqueólogos, que já sabem mais ou menos o que vão encontrar antes de iniciarem as escavações.


Talvez seja este traçado romano das ruas desta cidadezinha transmontana, que fez com que eu em Florença, ao passear no centro, de repente me sentisse transportado para Chaves. Com efeito, Florença, começou a sua história como uma colónia para soldados veteranos, estabelecida por Júlio César em 59 a.C. Foi designada Florentia e e foi também construída ao estilo de um acampamento do exército com as ruas principais cardo e decumanus, cruzando-se na actual praça da República.

Mas, em Chaves não se olha só para o chão. Há varandas, balcões, sacadas e janelas bonitas por todo o centro. Experimentamos aquela sensação que temos muitas vezes em cidades estrangeiras. Apetece-nos ser alguma daquelas pessoas que ali vive e passar o dia inteiro sentada numa varanda antiga de madeira de castanho, rodeados de dois ou três gatos dorminhocos e ficar a ver quem passa na rua.


8 comentários:

  1. Este tipo de planeamento urbano é muito anterior aos romanos, pois a dita cidade "cardo-decumânica" deriva do padrão em grelha utilizado na antiguidade e, de acordo com a tradição, desenvolvido de forma sistemática por Hippodamus (seguindo a tradição pitagórica) na cidade de Mileto, na Ásia Menor.
    Por outro lado, este esquema, quando referido à civilização romana, deriva por seu turno também do arranjo dos acampamentos romanos (o "castra" romano) - creio até ter lido algures (terei que procurar a referência) que mesmo a nossa Baixa Pombalina está algo relacionada com a planta deste acampamento romano.
    A importância dos dois eixos principais, um relativamente ao outro, vai variando não só consoante a cidade em causa como ainda o seu desenvolvimento posterior, ou ainda o período construtivo. Por vezes é o cardo que assume a liderança, outras vezes é a decumanus, mas será o seu cruzamento que dita o centro social, político e religioso do aglomerado urbano, como o denominado "forum", a praça central e principal das nossas cidades onde afinal se congregam tribunais, edíficios para a administração da edilidade, igrejas principais e comércio.
    É muito interessante verificar o desenvolvimento deste padrão nas nossas cidades, pois é um esquema que se repetiu por esse mundo fora e é facilmente reconhecível para todos nós.
    Quantas vezes, sem nunca ter entrado numa cidade estranha, me é fácil orientar porque sei quase instintivamente onde procurar tudo o que necessito!
    E Chaves continua linda, como a achei a primeira vez em que ali estive, vai para quatro décadas, quando passei quase um mês servindo de "chaperon" à minha mãe, que ali esteve a "águas".
    Tenho regressado de forma errática, mas a beleza continua lá, apesar de algumas mazelas aqui e ali!
    Isto está demasiado grande, desculpa ... hum!
    Manel

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  2. Caro Luís,
    Chaves é realmente merecedora de posts seus, como filho, neto ou bisneto que é desta cidade.Sei q já escreveu sobre ela anteriormente, lembro-me das clarabóias de Chaves, mas desta vez foi mais abrangente.
    É uma terra encantadora q pode ser apreciada segundo várias vertentes: a parte termal, a arqueologia romana,o centro histórico, a gastronomia...
    A última vez q lá estive foi ainda há meses, por altura da Feira do Fumeiro da sua Vinhais.
    Percorremos a zona do castelo, a igreja matriz, as ruelas com aquelas bonitas varandas...
    Enfim, é uma terra a q apetece sempre voltar, aliás como muitas belas terras q temos por todo o nosso interior.
    Abraços
    Maria A.

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  3. Manel

    Obrigado pelos teus contributos.

    De facto, o urbanismo classíco deixou uma tradição nas nossas cidades, que nos permite chegar a uma terra nova e sem nunca lá termos estado, sabemos que a Sé e a praça central são naquela direcção em vez daquela outra, como se fossemos guiados pelo subconsciente. No fundo, temos é o quadro da cidade romana na cabeça.

    Relativamente ao Cardo e à Decumana, sempre tive a dúvida sobre qual deles dava origem à rua direita das terras portuguesas. Segundo li, embora de uma forma apressada, normalmente ou na Cardo ou na Decumana concentravam-se os principais estabelecimentos comerciais e as nossas ruas direitas tanto podem ter origem na primeira como na segunda, mas fiquei sem certeza.

    Abraços

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  4. Caro Luis,

    Apenas algumas ideias porque me alongo sempre muito.

    A provar a origem romana da cidade está o seu nome latino "Aquae Flaviae", em referência ao Tâmega e já às suas famosas termas e também em homenagem à família Flávia, a família imperial de Vespasiano que a elevou à categoria de munícipio.
    Já o nome actual "Chaves" não conheço a sua origem, estará relacionado com São Pedro?

    Relativamente à denominação de "Rua Direita" não tem necessariamente relação com a Cardo e a Decumana romanas. "Rua Direita" quer dizer (era assim que era chamada) "Rua Directa". Era a rua que conduzia directamente da entrada da cidade ou vila ao Castelo, Praça de Armas, Câmara Municipal ou área mais importante do núcleo urbano. Assim se começou a usar a partir do periodo de D. João II e D. Manuel I, quando o aparato régio mais se começou a fazer notar, quando as entradas dos cortejos reais de davam de forma organizada e a traduzir a afirmação do poder real sendo necessário, por vezes, abrir ou alargar novas artérias nos núcleos urnabos. Por exemplo D. Manuel mandou que fossem derrubadas as ligações de uma casa a outra que atravessavam a rua ao nível do primeiro andar (como uma ponte) porque impediam as carruagens e estandartes de passar. Também é deste período a toponimia de "Rua Nova", rua nova dos mercadores, rua nova da rainha..... Era uma rua aberta de novo, ligada a este novo entendimento do tecido urbano e resultado do dinamismo comercial trazido pelos novos produtos que chegavam a Portugal via marítima. Era nestas ruas novas que se concentravam os mercadores, uma espécie de Centros Comerciais.

    Abraço
    C.

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  5. Boa madrugada
    Parabéns pelo blog. Ainda bem que há pessoas que, ligados sentimentalmente a Chaves, dizem bem dela, ao contrário de alguns nativos e residentes que só vªem aspectos negativos. Só queria dar uma achega ao post de MANEL. 1: A importªancia de Aquae Flaviae deve-se a 4 factores: localizaçºao geográfica no contexto do noroeste peninsular; o ouro à volta nas montanhas, as águas quentes (ainda recentemente foi descoberto um balneário terapeutico romano do séc.I)e a fértil veiga.2 . a palavra Chaves deve-se a uma evoluçºao linguística: Flaviae, Flavia; Flaviis;chavis, Chaves (ver Carvalho Martins em "Por Aquas Flavias" e mesmo J. Leite de Vasoncelos. Um abraço DE_SVO.BLOGS.SAPO.PT

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  6. Caro C
    Caro C
    Obrigado pelo seu comentário, que no fundo fornece a chave para explicar porque é que tanto a Cardo como a Decumana podem dar origem à rua direita. E para mim é muito provavél que o traçado dessas ruas novas que fala, rasgadas a partir dos reinado de D. João II, que conduziam do castelo à praça principal, onde se realizava o mercado, aproveitassem o traço das antigas ruas romana.

    Quanto à origem do nome Chaves, o nosso amigo do blog DE_SVO.BLOGS.SAPO.PT já respondeu à sua pergunta.

    Abraço

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  7. Já agora, só mais uma achega sobre a questão levantada por C. quanto à origem do nome Chaves, quando põe a hipótese de se relacionar com S. Pedro, o santo das chaves.
    O que é interessante é que o topónimo Chaves e o substantivo comum chave-chaves nada têm a ver um com o outro na origem. São palavras convergentes, isto é, partem de diferentes étimos latinos e vieram a dar palavras homónimas. Efectivamente, o topónimo Chaves teve origem, como já foi dito, no nome do imperador Flavius, da forma de ablativo Flaviis, enquanto o substantivo comum chave teve origem na palavra latina clavis. O que aconteceu foi que os grupos fonéticos cl, fl e pl iniciais vieram a evoluir para o actual ch. Assim, clamare deu chamar, flamma deu chama e plenus deu cheio. Peço desculpa por este arrazoado, mas acho muito interessante e bonita a história da nossa língua materna.
    Abraços

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  8. Boa noite
    Quero felicitar os comentaristas deste post, especialmente Maria Adelaide que revela ser uma latinista dos tempos de antanho. Assim explicou de forma muito pedagógica como de AQUAE FLAVIAE se chegou à actual palavra como se apelida a cidde de Chaves. Já agora os seus hbitantes sºao flavienses e o facto de ostentar no seu brasºao duas chaves, obviamente que sºao simbolos falantes. DE_SVO

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