Foto Henrique Montalvão |
Já há uns tempos que prometi a mim mesmo fazer um álbum de imagens dos castanheiros centenários, que abundam por todo o Concelho de Vinhais, na província de Trás-os-Montes. Desta vez encarreguei o meu filho Henrique de fazer as fotografias destas árvores, das quais é fácil encontrar nas terras frias de Vinhais espécies, com duzentos, trezentos ou quatrocentos ou até mesmo mil anos, como é o caso do célebre castanheiro da aldeia de Lagarelhos. Estes castanheiros parecem conseguir desafiar o tempo, ao contrário do que acontece connosco, a quem o tempo escorre pelas mãos sempre demasiado depressa.
Em quase todas as civilizações e culturas humanas, as árvores simbolizam a longevidade e são usadas para representar a ligação entre o céu e a terra, mas também a genealogia de uma família, em que os parentes ancestrais têm os seus nomes inscritos nas raízes e as gerações mais novas espalham-se pelas ramagens superiores.
Foto Henrique Montalvão |
Creio que o meu apreço e admiração pelos castanheiros se relacionam com este significado de ligação entre o passado e o presente, entre os que morreram e os que cá estão, pois Vinhais é a terra da minha família materna e talvez o único sítio onde sinto que realmente pertenço, apesar de ter passado mais de metade da minha vida num bairro incaracterístico de Lisboa e ter nascido nos confins do antigo império colonial português.
Quando regresso todos os anos a Vinhais e abro a casa, onde a minha mãe, os seus irmãos e os seus pais viveram e que agora está vazia e em decadência, sinto de uma forma pungente as suas ausências. Na grande mesa de jantar parecem faltar pessoas, vozes e na cozinha a lareira está apagada, pois a Ana a velha criada, morreu há muito tempo e já ninguém faz ao lume o almoço e o jantar nos potes. Nos escassos dez dias por ano que passamos naquela casa, a minha irmã e a sua filha, bem como eu e os meus filhos não conseguimos encher todas aquelas divisões, nem apagar as ausências de todos os que lá viveram há muito. É uma sensação de angústia, mas que é atenuada pelas recordações felizes das férias da infância, passadas naquela casa, pelo prazer de estar com os meus filhos e a minha irmã, bem como pelos passeios que damos todos os anos naquela paisagem extraordinária de Vinhais, em pleno Parque Natural de Montesinho.
Quando regresso todos os anos a Vinhais e abro a casa, onde a minha mãe, os seus irmãos e os seus pais viveram e que agora está vazia e em decadência, sinto de uma forma pungente as suas ausências. Na grande mesa de jantar parecem faltar pessoas, vozes e na cozinha a lareira está apagada, pois a Ana a velha criada, morreu há muito tempo e já ninguém faz ao lume o almoço e o jantar nos potes. Nos escassos dez dias por ano que passamos naquela casa, a minha irmã e a sua filha, bem como eu e os meus filhos não conseguimos encher todas aquelas divisões, nem apagar as ausências de todos os que lá viveram há muito. É uma sensação de angústia, mas que é atenuada pelas recordações felizes das férias da infância, passadas naquela casa, pelo prazer de estar com os meus filhos e a minha irmã, bem como pelos passeios que damos todos os anos naquela paisagem extraordinária de Vinhais, em pleno Parque Natural de Montesinho.
Foto Henrique Montalvão |
Uma paisagem e os sentimentos subjectivos que nos despertam são qualquer coisa difícil de descrever, sobretudo a quem falta talento literário como eu, mas a visão daqueles montes e sobretudo daqueles castanheiros centenários enchem-me a alma. Sinto nessa altura que a solidão daquelas montanhas reflecte o meu próprio isolamento e é através dos castanheiros, que se perpetua minha ligação aquela terra, ao passado, aos que partiram há muito e sobretudo à minha mãe, que já só vejo nos sonhos.
Caro Luís,
ResponderEliminarComo eu o entendo!
Também eu tenho as minhas raízes familiares, noutra zona do País,Sardoal, e sei muito bem o que é sentir esse chamamento ancestral. Desde o cheiro das árvores, dos campos, da terra, tudo nos é tão agradável. Depois avivam-se na memória as recordações de infância e adolescência, em que as férias eram ali passadas, naquela casa, na alegre convivência dos avós,tios e primos.
O tempo voa, e as personagens entram e saem de cena..só tenho pena de não ter a quem transmitir todas as histórias que as paredes e os campos encerram. Nesse aspecto, o Luís tem os seus filhotes que,por sua vez, terão oportunidade de continuar a perpetuar as histórias e os lugares.
Enfim..são cinquenta anos de vivências...que os castanheiros presenciaram, e hão-de presenciar. São árvores maravilhosas! Esses caminhos de terra batida,sem um grão de asfalto dão-me sempre vontade de pintar. Têm aquele bucolismo, e romantismo que se perdeu por completo na cidade.
Beijinho para si e Manel, e parabéns ao filhote pelas belas fotos!
Alexandra Roldão
O apelo da terra é uma coisa muito forte, que talvez se faça sentir mais com a idade. Terá certamente a ver com recordações felizes. Embora haja gente que não sente. Os americanos mudam de cidade, de casa e de emprego com quem muda de camisa e deixam tudo para trás. Em todo o caso é um sentimento muito subjectivo, tal como é o gosto pela paisagem e não é por acaso que os escritores românticos elegeram a paisagem como tema de eleição dos seus livros.
EliminarTal como a Alexandra, também estas paisagens me inspiram o desejo de pintar. Há nestes caminhos tanta coisa para captar as luzes, as diferentes tonalidades de verde e castanho e sobretudo o sentimento profundo que deles emana.
Fico também muito feliz por o meu filho ter percebido e interiorizado a beleza destas paisagens. Há muita gente que é indiferente ao campo.
Bjos
Eu não sei bem onde pertenço.
ResponderEliminarPertenço a todo o sítio e a nenhum.
Fico sempre algo confuso quando me propõem lidar com memórias de paisagens ancestrais, que, afinal, não tenho.
Tenho memórias dispersas daqui e dali, dos vários locais por onde fui passando, e como esses locais são tão diferentes, não sinto nenhum como meu.
Uma parte importante da minha família tem raízes na região de Pombal, mas eu, apesar de ter vivido muito aquela região, pois até há pouco tempo tinha casa naquela zona, não a considero como minha.
África, donde sou oriundo, tem paisagens díspares consoante a localização dos sítios por onde passei, e devo salientar que não considero nenhum como meu.
Presentemente tenho casa no Alentejo, de que confesso gostar muito, mas tão pouco o considero como "minha terra", é mais uma terra de empréstimo.
Fico sempre desasado quando tenho de escrever sobre aquilo que se considera como "minha terra", que afinal não tenho.
Digamos que tenho uma pequena porção de todos os locais por onde passei, não pertencendo a nenhum.
Mas entendo este teu sentimento de pertença, e por vezes sinto alguma vontade de o ter igualmente por algum recanto do mundo, mas ... não tenho.
Limito-me a vaguear e a viver o momento presente, pois não posso considerar que tenha passado ou futuro, este vai-se delineando na medida que o presente se concretiza e ... esfuma.
Se por um lado parece que me falta algo, por outro sinto que tenho alguma liberdade na opção do local onde me estabeleço, ainda que de forma pouco duradoura.
O Henrique, parece-me, conseguiu incorporar dentro de si mesmo o facto de pertencer a um lugar, e a um conjunto de fatores que caraterizam esse local, e traduziu-o através destas fotografias, isso é agradável de ver, pois pertencer a algum sítio é, em certa medida, ter um rumo.
Agradeço os cumprimentos da Alexandra, que retribuo, e tenho o prazer de lhe escrever que pertence a uma zona de Portugal que considero muito bonita, mas isso estou certo que saberá, e muito melhor que eu
Manel
Manel
EliminarTalvez o chamamento da terra se torne mais forte, quando sabemos que o momento de a perder está próximo. No meu caso particular, sei que não manterei por muito mais tempo a Casa de Vinhais e que talvez dentro de dois ou três anos serei forçado a cortar os laços com aquela vila e aquela casa.
No fundo, a minha terra é Lisboa. Mas dessa não tenho saudades ou falta, pois vivo aqui permanentemente e se não morrer subitamente, continuarei por cá muito mais tempo.
Em todo o caso, talvez porque Portugal até há pouco tempo ser um País onde a ruralidade tinha um peso muito grande, o apelo da terra ainda está presente em muitos de nós.
Quanto ao meu filho, amadureceu o suficiente para perceber o interesse da paisagem como objecto artístico.
Um abraço
Muito obrigada Manel!
EliminarDe facto, o Sardoal é uma vila deveras bonita, mas Pombal, que só conheci vai para 3 anos também é um encanto. Uma cidade sem demasiado bulício, que me faz lembrar Abrantes.Do Alentejo conheço Évora que me deixou perfeitamente apaixonada!
Enfim, temos um País pequeno, mas grande em património artístico e arquitectónico,pena é que seja tão mal tratado!!
Abraço
Alexandra Roldão
Luis
ResponderEliminarE tantos outros queridos de Portugal,
Ainda estou bem sumido e nem é tanto pela saúde mas por aqueles mil afazeres que se não os fizéssemos talvez a vida correria do mesmo
jeito ou até mais suavemente...
Mas é claro que estou exagerando porque concordando com o Poeta viver não é preciso ms fazer certas coisas...
Como estou em dívidas ainda com Vc e seus posts vou tentar liquidar um pouquinho a deste último.
1- Árvores da Vida: nas Louças, no Gênesis, em sua Família, dos que estão ao alcance dos olhos, da voz e das mãos e sobretudo aos que só alcançamos e tocamos pelo coração. E isto não é pouca coisa não. É muito mais que sonhos e ilusões e muitíssimo mais do que aquela moedinha do "Ghost"... Está é uma de minhas mais fortes convicções de fé. E quando se trata de uma mamãe então.
2- Árvores da Vida: Não havia me ligado ainda
nesta simbologia que as árvores têm de ser símbolo de ligação entre Céus e Terra e de perpetuidade. Obrigado. Se bem que um dia destes ao perguntar pelo nome de uma árvore (aqui seus nomes variam muito de região para região) que meu pai sempre chamou de cerejeira ("cerjeira" no seu
jeito de pronunciar, fui informado que se tratava de uma "árvore da vida". De fato esta espécie muda frequentemente uma casca avermelhada que se enrola e se solta deixando-a sempre com uma casca quase branca e brilhante que lhe dá um aspecto de broto.
3- Lareiras apagadas, construções se arruinando. Se isto já nos causa tanta comoção nas casas alheias que furtivamente adentramos, como é de nosso gosto, imagino para Vc que viveu outrora numa destas antigas
casas junto de tanta gente querida...
4- Mudando de assunto: Vou ver se preparo logo um ou mesmo mais posts. Estou querendo mostrar minhas pobres aquisições de peças portuguesas.
5- Mas voltando ao assunto: Que belas árvores
esses tais castanheiros. E têm este nome por que de fato dão aqueles frutos (ou sementes) tão saborosos e conhecidos pelo mundo todo ou são apenas "ornamentais"?
Um abraço de Ano Bom e abençoado.
ab
Amarildo
EliminarObrigado pelos votos de um bom ano, que retribuo.
Com efeito, em quase todas as culturas humanas a árvore tem uma simbologia rica. Representa as ligação entre o céu e a terra, entre as diferentes gerações e entre os mortos e os vivos, bem como a constante renovação. Por essas razões associei o castanheiro, uma árvore com uma longevidade extraordinária à terra dos meus antepassados, às recordações familiares e uma velha casa familiar em decadência.
A árvore em causa é a "castanea sativa", que produz a castanha, que antes da chegada da batata à Europa, foi a base da alimentação das populações das regiões montanhosas. Apesar de a sua área de cultivo ter diminuído muito em Portugal em favor do Pinheiro bravo e do Eucalipto, a Castanea Sativa ainda hoje é uma fonte de riqueza na província de Trás-os-Montes. A Castanea Sativa, não deverá ser confundida com o Castanheiro-da-Índia, árvore ornamental dos jardins europeus.
Um grande abraço
Que bonito, Luís! Belo texto e belas lembranças. Que bom ter um passado a lembrar, reminiscências...
ResponderEliminarAbraços.
Jorge
EliminarMuito obrigado. É importante ter um passado e relembra-lo. Julgo que nos permite situar melhor na nossa vida quotidiana.
Tentei também explicar o que é a minha ligação aquelas terras de Vinhais, assunto que periodicamente abordo aqui, mas cujo resultado parece que nunca me satisfaz. No fundo, ando a fazer várias tentativas para explicar sentimentos de ligação a uma terra e a uma paisagem, como se estivesse sempre a reescrever o mesmo texto.
Um abraço de Lisboa
Foi bom ler algumas recordações do seu Passado, revividas com saudade mas, a fluidez da escrita deram-lhe uma tal beleza que a saudade sorriu... Como eu o entendo!
ResponderEliminarCara Belita
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário tão simpático. Julgo que quando se escreve sobre coisas que nos tocam profundamente os textos saem mais fluídos. Muito embora, nunca nenhum texto me saia à primeira. Hesito muito. Escrevo e reescrevo e volto a rever. Mas o meu objectivo é sempre permitir uma leitura fácil e clara, a quem está do outro lado.
Um abraço
Luís
ResponderEliminarGostei muito das imagens de autoria do seu filho, bem como das palavras quase poéticas, que as acompanham. Também as minhas origens são transmontanas, embora de uma região um pouco mais a nordeste, já nas arribas do Douro. Lembro-me dos castanheiros que por lá existiam, alguns deles também centenários, com os troncos ocos, perfeitos esconderijos, para as brincadeiras da garotada. Mas, também fica na memória, o "ir às castanhas", que consistia em apanhar os ouriços e "escachá-los" (com os saltos dos sapatos ou com duas pedras), de modo a conseguir abrir a casca sem nos picarmos. São estas lembranças que ficam, de um grupo de garotos, atrevidos, que iam pelos soutos em busca dos frutos apetecidos. E, nas noites já mais frias, à lareira, fazer estourar os "bilhós". Lembra-se?
Um abraço
if
Ivete
EliminarObrigado por partilhar as suas recordações, que vem tão a propósito do tema do post.
Como acontece tão frequentemente, só começamos a dar uma verdadeira atenção ao que nos rodeia quando já atingimos a idade madura. Quando em menino ou jovem ia a Vinhais na Primavera ou no Inverno, nunca prestei atenção aos castanheiros em flor, ou quando estes se encontram despidos de folhagem. Parece que o espectáculo dos castanheiros em flor é qualquer coisa de maravilhoso. Agora só tenho possibilidades de ir Vinhais em pleno Verão, quando os castanheiros estão cheios de ouriços, emprestando uma tonalidade de dourado à paleta dos tons de castanho.
Um abraço e obrigado
Foi exactamente no dia 14 de Maio de 1964, uma quinta-feira, que um menino chamado Luís me foi apresentado no convés do navio Índia. Apresentação formal concluida, foi o dito menino entregue aos meus cuidados para que o acompanhasse dentro de tão exíguo espaço. Assumi gostosamente esse encargo conforme as ordens da sua saudosa mãe e minha muito querida amiga e conterrânea. Tive assim o privilégio de ser o pajem dum pequeno "príncipe" que, dos tais confins do Império, vinha à terra dos castanheiros. Um abraço, Luís.
ResponderEliminarCaro Barroso
EliminarObrigado pelo seu comentário, muito bem escrito e que me tocou. De repente, uma data foi acrescentada ao meu passado, 14 de Maio. Tinha uma ideia vaga, que cheguei à metrópole antes de fazer um ano, mas agora tenho um dado mais preciso e o passado reconstrói-se assim, com pequenos dados aqui e acolá. Falei acerca do seu comentário com o meu pai, que tem ideia de si, como tendo estado em Maubisse e de o ter reencontrado em Vinhais, muito anos mais tarde. O meu pai disse-me que era da família da Maria Efigénia, uma grande amiga da minha mãe. Aliás, tenho um álbum de fotografias antigo, com uma senhora, que julgo que era avó da Maria Efigénia, uma fotografia tirada no início do século XX. A amizade entre as duas famílias já era antiga no tempo em que a minha mãe a Maria Efigénia eram amigas. Um abraço
Caro Luís,
ResponderEliminarPor motivos óbvios não há, por aqui, muito espaço para particularidades. De qualquer forma, apresento-lhe algumas.
Conheci a sua avó Adelaide, moradora na Rua de Cima e que, afectuosamente, nos recebia, a mim e à minha avó, quando, de Rio de Fornos, desciamos à vila. Esclareço que a sua avó era madrinha de minha mãe, também chamada de Adelaide.
Assumo a minha condição de andarilho, por esse mundo fora, zarpando de Lisboa com destino a Maubisse, a bordo do navio Niassa, no dia 17 de Julho de 1962, tendo chegado a Dili no dia 31 de Agosto do mesmo ano. Depois de Timor, fui tomando rumos para vários destinos: Porto, Angola, Matosinhos.
Lembro perfeitamente o encontro com o seu pai, em Vinhais, da longa conversa revivalista que mantivemos. Tem ele razão quando afirma a relação com a Família da Dª Maria Efigénia. O Nuno, seu filho mais novo, casou com a minha filha e com eles coabito.
Um abraço para o Luís e espero que um dia nos reencontremos por terras de Vinhais.
Manuel Joaquim Barroso
Terei muito prazer em encontra-lo em Vinhais se as circunstâncias assim o permitirem
EliminarUm abraço
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