terça-feira, 5 de julho de 2016

Visitas de cortesia em Chaves num quarto de hora...



Tenho especial apreço por esta fotografia da minha mãe tirada em Lisboa, a 18 de Janeiro de 1946. A minha mãe, a última figura da direita usa aquele penteado todo puxado para cima e aqueles sapatos de sola compensada tão típicos dos anos 40. Tinha umas belas pernas. Aliás, manteve uma boa figura até muito tarde. Mas talvez o que goste mais desta fotografia é que captou o andar característico da minha mãe, que conseguia caminhar muito rapidamente, como que aos saltinhos, em cima de uns sapatos muito altos. Essa capacidade de correr em cima de sapatos saltos altos era aliás uma característica de muitas mulheres da sua geração.
Oura fotografia da minha mãe, tirada também Lisboa, em Março de 1946

Esta fotografia recorda-me sempre um episódio da minha mãe, que gravei de forma muito nítida na minha memória, não sei exactamente porquê, mas o cérebro humano regista umas informações e apaga outras sem nenhuma razão aparente. Um dia, regressávamos de Vinhais para Lisboa de camioneta e esta fazia sempre uma paragem de cerca de um quarto de hora em Chaves, na antiga estação, que era praticamente no centro da cidade. A minha mãe insistiu em sair e ir visitar a minha avó e a minha tia Natália. Os meus irmãos e eu que conhecíamos o seu carácter sociável, dissemos-lhe que não fosse, que não tinha tempo de fazer uma visita, quanto mais duas, sobretudo porque a minha mãe falava imenso e que um quarto de hora nem para os primeiros cumprimentos daria. A minha mãe para nos calar, ter-nos-á dito que éramos uns bichos-do-mato iguais ao nosso pai e lá saiu disparada fazer as referidas visitas de cortesia. O quarto de hora passou, os vinte minutos também e vinte e cinco minutos depois o motorista pôs o motor a trabalhar e quando fazia marcha atrás para sair da estação, apareceu a minha mãe a correr aos saltinhos em cima de uns sapatos muitos altos a mandar parar a camioneta. Eu e os meus irmãos, que estávamos a entrar na adolescência, naquela fase em que se tem vergonha dos pais, achamos aquilo ridículo, pois toda a gente se virou para nós, mas ao mesmo tempo não conseguimos deixar de admirar uma certa elegância naquela maneira de correr aos pulinhos em cima dos saltos altos, nem de nos divertir com o seu à vontade.

A célebre escritora de romances policiais, Agatha Christie escreveu na sua autobiografia, que só amámos realmente alguém quando gostamos dos seus momentos ridículos e esta fotografia da minha mãe, que registou para sempre sua forma de caminhar em saltos altos, recorda-me esse momento ocorrido há quase quarenta anos na estação de camionetas de Chaves, em que a amei profundamente.

12 comentários:

  1. Que recordação agradável que aqui trazes.
    É destes pequenos nadas que se fazem as relações mais fortes.
    Manel

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    1. Manel

      Esta fotografia muito pequenina da minha mãe, tirada ao lado de personagens que não identifico, trouxe-me a memória de imediato o seu andar e esse episódio insignificante ocorrido na estação de Chaves, mas que me ficou gravado para sempre.

      Por outro lado, a minha mãe morreu mais ou menos por esta altura e embora não seja dado a efemérides, acabo sempre nesta altura do ano por fazer uma evocação, nem que seja através do relembrar de um pequeno pormenor como o seu andar.

      Um abraço

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  2. Luís

    Que texto tão carinhoso! Estes momentos, quais instantâneos de fotografias, são os que melhor perduram na nossa memória.
    if

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    1. Ivete

      É realmente curioso como associei esta fotografia da minha mãe ao episódio da gare de camionetas de Chaves, em que a vi correr aos pulinhos de saltos altos atrás da camioneta. Na altura a estação de camionetas de Chaves era uma coisa muito pequena, que ficava muito perto do centro, de modo que teoricamente era possível fazer visitas a quem morava ali perto, neste caso à minha avô e tia avô que moravam perto da Estalagem Santiago, na Rua Cândido dos Reis, a dois passos dali.

      Um abraço

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  3. Luís,
    Gostei muito desta sua partilha de memórias tão ternas e íntimas,num texto muito bem escrito!
    Beijos

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    1. Maria Andrade

      Muito obrigado.

      As velhas fotografias de família são sempre temas inspiradores de textos mais poéticos. Aliás, mesmo quando vejo nas feiras de velharias fotografia antigas de desconhecidos, a impressão que me causam é tão forte, que sinto que poderia pôr-me a supor quem foi aquela gente, se tivesse o hábito de comprar fotografia de estranhos.

      Há um filme brasileiro estupendo, O vendedor de passados acerca de um homem que compra nas feiras e nos alfarrabistas fotografias e filmes antigos, com os quais compõe passados, para pessoas desejosas de iniciar uma nova vida e querem esquecer que foram crianças gordas e infelizes, com mães castradoras. É um filme interessantíssimo para todos nós que andamos nas feiras de velharias e nos chocamos com a quantidade de fotografias velhas à venda.

      Bjos

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  4. Linda e elegantíssima, uma estrela de cinema!!!! Adorei o sapato de sola grossa, bem anos 40. Fiquei imaginando os passinhos e as corridinhas, ela deveria ter muita prática e intimidade com os saltos altos.
    Adorei! As mulheres eram tão femininas e elegantes...
    Parabéns pela linda mamãe!
    Abraços.

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    1. Jorge

      Obrigado. Estas imagens dos anos quarenta, quase que permitem traçar a história da Europa, neste período, com as suas restrições de tecidos, o uso de materiais alternativos ao couro nos sapatos e todo esse período muito duro. Mesmo, em Portugal, que não entrou na guerra, o racionamento fez-se sentir de forma muito forte, mas as mulheres arranjavam sempre uma maneira de dar um toque de glamour à escassez.

      Um grande abraço para si

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  5. A mamã muito elegante e, de fato, belas pernas. O sorriso, igualmente, cativante.

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    1. Maria Glória

      Bem naturalmente ninguém considera a sua própria mãe feia. Mas ela era realmente bonita e manteve uma boa figura até muito tarde. Depois como acontece a todos os seres humanos, passou por um período de degradação terrível antes de morrer. Mas esses períodos negros nunca nos apetece recordar. Este post é uma evocação do caminhar da minha mãe, que era um traço muito característico dela.

      Um abraço

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