sexta-feira, 17 de julho de 2020

Globe de mariée

 
Hoje apresento-vos a última peça que o meu amigo Manel comprou, um globe de mariée, ou globe à mariage, ou traduzido à letra, um globo de casamento. Basicamente é uma pequena estrutura em madeira e latão, onde se guardavam as recordações do casamento, bem como dos momentos mais importantes da vida de um casal, protegidos do pó por uma campânula de vidro.

Já tinha tomado conhecimento destas peças meramente por acaso, numa pesquisa que há uns anos fiz na internet sobre umas caixinhas francesas em latão e vidro e fiquei maravilhado com estes globos, tão fantásticos, quanto inúteis, mas achei, que correspondiam a um costume francês e que nunca tivesse chegado a Portugal.
 
Os globe de mariée foram muito comuns em França. Imagem retirada de https://www.objetsdhier.com/globe-de-mariee-1391

Porém há uns dois anos vi um destes globos de casamento à venda no Olx, voltei a encontrar outro na Feira de Velharias de Estremoz e ainda um terceiro, também na mesma feira, que convenci o meu amigo Manel a comprar.

Pelos vistos esta moda de encomendar estes globos por ocasião do casamento, que decorreu em França entre 1850 e 1930 acabou por chegar a Portugal. Se pensarmos bem é muito natural que isso tenha acontecido. Entre 1850 e 1930 a França era o grande centro cultural, artístico e económico da Europa e enfim, do mundo inteiro. As pessoas instruídas liam revistas e jornais em francês. Os mais abastados viajavam até Paris, a cidade da luz, iam a banhos a Biarritz, faziam uma cura de águas em Vichy ou peregrinavam até Lourdes e claro, voltariam carregados de roupas, chapéus, perfumes, livros, vinhos e talvez estes globos,para oferecer a um jovem noiva. Na época também já existiam catálogos de venda por correspondência de firmas francesas, que chegavam a Portugal. Lembro-me que o meu bisavô tinha um desses catálogos, publicado um pouco antes da guerra de 1914-1918 por ma casa comercial em St. Etienne, uma cidade muito industrial, perto de Lião. Era um catálogo fabuloso, que nós em miúdos adorávamos ler, pois vendia de tudo, desde armas a automóveis, passando por aquários, bengalas e chapéus. Portanto é bem possível, que alguns desses globos chegassem a Portugal por encomenda.
No globe de mariée apresentavam-se objectos que simbolizavam a vida do casal, como os sapatos usados pela noiva no dia do seu casamento. Imagem retirada de https://www.objetsdhier.com/globe-de-mariee-1391
Seja como for a forma como esta peça entrou em Portugal, os globes de mariée estiveram em voga em França entre 1850 e 1930 e a sua primeira função era guardar a coroa de flores da noiva ou o bouquet. Depois acrescentavam-se pequenas coisas que simbolizavam os momentos da vida casal, fotografias do casamento ou dos filhos, a madeixa do cabelo de uma criança morta demasiado cedo, o sapatinho, que a noiva usou no casamento ou o carnet de baile, onde ficou anotada a primeira dança. Deste conjunto podiam constar também medalhas benzidas ou uma condecoração de guerra.
 
A ornamentação era carregada de simbolismos.
Os globes de mariée apresentam formas variadas, pois correspondiam muitas vezes a uma encomenda personalizada e ao longo do tempo foram sendo adaptados pela família, mas normalmente são constituídos por uma base em madeira, uma estrutura em latão dourado artisticamente trabalhado, espelhinhos e um pequeno coxim em veludo ou seda vermelha. Muitos destes elementos tem um significado simbólico, por exemplo os espelhos serviam para devolver o mau-olhado de volta, as folhas de vinha em latão representavam a fecundidade. Todos eles têm em comum serem protegidos do por uma campânula em vidro muito fininho.

Normalmente os globos de casamento eram colocados em cima da cómoda do quarto do casal, sobre a chaminé da sala de visitas ou noutro ponto qualquer de destaque da casa.
 
O Globe de Mariée do meu amigo Manel foi usado para mostrar uma colecção de antigos alfinetes de chapéu

Quanto a peça do Manel, não apresenta os objectos típicos do Globe de Mariée. Não sabemos se com o tempo alguém se lembrou de retirar todos esses objectos, que recordavam a vida de um casal, morto e esquecido há muito, ou se quem o recebeu como oferta no dia do casamento não lhe deu a utilização devida, pois nem todas as pessoas tem feitio ou vocação, para coleccionar recordações. Na prática, ó último proprietário usou esta peça para mostrar uma colecção de antigos alfinetes de chapéu, que também tem o seu encanto.

Em suma, este globe de mariée terá sido muito provavelmente feito em França na segunda metade do século XIX ou nos primeiros trinta anos do séc. XX, destinado a guardar as pequenas relíquias familiares de um casamento, mas estas desapareceram com o tempo ou nunca lhe foi dada essa função. É um objecto frágil, precioso nos seus detalhes, inútil, mas absolutamente irresistível.
 
 
 

5 comentários:

  1. Interessante, nunca ouvi falar desses globos de casamento, depósito de lembranças das núpcias. Se em Portugal chegou pouco o costume por aqui, no Brasil, foi raro. Nunca vi por aí.
    É muito bonito, mas bonito o costume de guardar as relíquias de um casamento feliz. Mas, se não desse certo o enlace...os antiquários, as feiras e os brechós foram os seus destinos depois de rolarem de mão em mão pelas famílias.
    Adorei conhecer este globo de casamento.
    Só você, Luís, para desenterrar esta maravilha de costume antigo.
    Amei os alfinetes...ultimamente estou saindo sem chapéu, pois está tão difícil de encontrar um. A Louca de Chaillot está saindo pelas ruas com os cabelos ao vento. E não fica bem...
    Um abraço, de longe e sem chapéu.

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    1. Jorge

      No início acreditava que este costume do Globe de mariée era exclusivamente francês. Mas entretanto, encontrei à venda aqui em Portugal três destes globos e através do facebook alguns seguidores comentarem quem tem peças destas em casa. Houve até um comentador brasileiro, do Rio Grande do Sul, que há muitos anos viu um em casa de uma senhora idosa, muito fina, mas excêntrica. É muito provável que a moda se tenha expandido de França e as pessoas encomendassem estas peças naquele País.

      Também recentemente vi uma série inglesa sobre a Rainha Vitória, em que esta após o seu casamento, pediu à aia para tratar de mandar encerar o seu bouquet de noiva. Provavelmente esse bouquet foi depois guardado religiosamente dentro de uma campânula de vidro.

      O globo de casamento do Manel não tem os objectos típicos destas peças, mas a colecção de alfinetes de chapéu é um mimo.

      Adoro chapéus e uso-os de Verão ou de Inverno e tenho-os de todos os tipos e apetece-me comprar sempre mais. Já tentei convencer a minha filha, que é uma mulher bonita, a usar chapéu, pois há coisas antigas à venda lindas de morrer. Mas a minha filha não tem tendência para a excentricidade como eu.

      Um forte abraço de Lisboa

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  2. A peça é bonita, tens razão.
    Aliás, já tinha namorado um há algum tempo atrás, mas o preço era proibitivo, e deixei-o para que outra pessoa o comprasse.
    Este surgiu com um preço mais comportável, pelo que finalmente me decidi.
    Estava um pouco em mau estado, sobretudo a base em madeira que estava atacada por uma quantidade apreciável de xilófagos.
    Aquilo para a bicharada estava a ser um banquete.
    E a tinta estava a descascar, dando-lhe um ar desmazelado e feio.
    Quanto ao resto não toquei, apesar de ter sentido uma compulsão imensa em substituir o veludo vermelho da almofada "capitonné", que se encontra manchado por qualquer líquido que lhe caiu em cima e, dada a idade da peça, o tecido encontra-se igualmente em fase de deterioração, mas, finalmente, decidi que não iria mexer-lhe, pois as suas mazelas, desde que não comprometam a segurança da peça, também devem pertencer à sua história.
    A Anna Magnani afirmava que não queria em absoluto que lhe retirassem as rugas da cara pois tinham-lhe dado muito trabalho a obtê-las.
    Se ela, por quem tive sempre um grande respeito e até alguma admiração, era desta opinião, era porque as razões eram válidas!!! E se eram válidas para a senhora, também são válidas para mim.
    Assim, esta peça ficou tal como estava ... mas a tentação foi grande!!!!
    O post ficou muito bonito, e as imagens bem elucidativas
    Manel

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  3. Correção: o tecido da almofada não é veludo, mas sim uma seda.
    Manel

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    1. Manel

      Fizeste uma belíssima compra. Já há alguns anos que conversávamos sobre estas peças fantásticas, que no início acreditávamos só existirem em França.

      O primeiro globo que vi em Portugal à venda, foi no OLX e o vendedor, um Senhor do Norte, designava-o por aneleira.

      Fizeste um bom restauro e achei muito boa a opção de manter a seda original com aquele tom envelhecido. Dá-lhe aquele toque especial do passado.

      A escolha do sítio, em cima do piano foi muita boa. Estes globes de mariée que eram uma espécie de pequeno relicário dos momentos da vida do casal, tinham sempre um lugar de destaque no quarto ou na sala.

      Um abraço

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