Já há muito tempo que o meu amigo Manel comprou este prato de faiança portuguesa do século XIX e eu andava com vontade de o apresentar aqui, pois é tão bonito. Mas, como é hábito na faiança portuguesa, não está marcado e é sempre um risco escrever sobre peças de faiança portuguesa sem qualquer identificação do fabricante, de modo que fui protelando a publicação deste post.
O prato não tem marca |
Mas as cores com que está pintado são tão alegres e combinam tão bem com o Verão, que não resisti a escrever sobre ele.
Em primeiro lugar, acho uma graça louca ao motivo central, o peixe com o garfo e a faca, talvez porque ainda me lembre de ver este tipo de talheres como cabo em osso, a uso na velha casa de família de Vinhais. Recordo-me que nessa altura, na minha meninice, já tinham saído da sala de jantar e eram usados pelos criados. Mais recentemente, há cerca de uns vinte anos o meu pai salvou-os do lixo e resolveu, arranjar uma tábua de castanho e pendurar lá estes velhos talheres, semelhantes aos do prato.
Os antigos talheres da casa de Vinhais |
Também há aqui um pormenor curioso. A parte metálica do talher está representada num tom qualquer de amarelo. Até cheguei a pensar que quem pintou este prato pretenderia reproduzir um talher numa liga qualquer de cobre com um tom dourado. Mas fiz alguma pesquisa sobre estes pratos com peixes na base de dados do matriznet e encontrei uns quantos pratos atribuídos à Fábrica da Bandeira, com o motivo do peixe e talheres, com as partes metálicas dos garfos e facas pintadas a azul!
Prato do Museu Nacional de Soares dos Reis |
Portanto, quem pintava estes pratos estava mais preocupado com o efeito das decorativo das cores, do que propriamente com uma pintura realista dos objectos. Embora seja um ignorante em matérias de ictiologia, duvido também que nas costas portuguesas existam peixes vermelhos e azuis.
Aliás, este gosto pela cor, é também muito visível na orla do prato, com uma mistura de folhas e flores feitos à estampilha. Aliás, creio que esta decoração da orla do prato é característica da fábrica de Bandeira ( ca.1828- ca.1913), embora não tenha encontrado em livros ou na net nenhum prato com uma cercadura exactamente igual a esta. Mas também tenho ideia que as faianças portuguesas desta época, meados do século XIX, nunca são iguais. Embora usassem estampilha, cada peça era única, ou porque o motivo central variava, ora porque nas bordas os azuis, os amarelos ou os vermelhos mudavam de tom, consoante a preparação das tintas, que embora fossem feita segundo receitas, as cores nunca saiam rigorosamente iguais. Também a criatividade destes pintores de cerâmica era enorme, como é bem visível neste prato.
Meninos gordos / Isabel Maria Fernandes. Porto: Civilização, 2005 |
Enfim, este prato decorado com um peixe, talheres e flores em cores vivas terá sido fabricado em meados do século XIX, algures entre Gaia e o Porto, possivelmente na Fábrica de Bandeira.
Quando comprei este prato, já lá vai quase uma dezena de anos, fiquei excitadíssimo, pois nunca tinha visto um deste tipo à venda por um preço que fosse comportável com a minha bolsa.
ResponderEliminarNão queria acreditar na minha sorte. Encontrei-o mesmo assim, partido e colado (talvez um descuido do vendedor mesmo, pois, na altura, as rachaduras pareceram-me recentes), e claro trouxe-o logo de braçado, estivesse lá como estivesse. Olhar para ele é sempre um prazer. Como nunca o utilizarei mesmo na função para a qual foi criado, tanto me faz a sua condição. O prazer que me dá vê-lo compensa!
Na altura julguei imediatamente ter adquirido um prato saído da fábrica Bandeira, mas claro que, com a continuação, fiquei sem certezas. Loiça sem marca pode ser qualquer coisa, mas claro que a sua análise comparativa em relação a outras peças semelhantes, permite colocar algumas hipóteses através de extrapolação.
Mas nunca deixo de reconhecer que, ainda que anónima, a faiança portuguesa é fantasticamente original, quer na sua forma quer na gramática decorativa. Só o esquema cromático é fabuloso!!!
Este prato continua a fazer figura numa das paredes, e é sempre um encanto olhar para ele, o qual se encontra acompanhado por outros cuja decoração tem um certo ar de família com este, mas são só conjeturas.
Este prato ficou bem aqui no teu post, pois foi bem fotografado ... estás exímio na fotografia.
Manel
Manel
EliminarEu teria comprado também este prato sem hesitar. Embora tu tenhas muita faiança portuguesa, esta peça com o seu colorido alegre é sem dúvida das mais atraentes que tu tens.
Apresentei esta peça como sendo presumivelmente de Bandeira, mas poderá ser de outra fábrica qualquer do Porto ou Gaia.
Enfim, teremos que estar atentos ao que se vai publicando sobre faiança e um dia talvez, numa desses estudos, que usam os dados das escavações arqueológicas, possamos afirmar isto é Bandeira, Fervença, Afurada, santo António Vale da Piedade ou Fontinha.
Um abraço
Gosto imenso deste prato, com uma decoração (e colorido) bastante originais. Não conhecia (ou nunca reparei) esta fábrica. Boa tarde!
ResponderEliminarMargarida
EliminarDurante o século XIX no Porto e em Gaia proliferam fábricas de faiança, normalmente junto ao rio, para aproveitarem as facilidades de transporte, para receberem materiais como a argila, que vinha do porto de Lisboa, quer para venderem as suas peças por todo o país ou mesmo para o Brasil. Bandeira é uma das muitas dessas fábricas, embora a atribuição que aqui fiz não seja rigorosamente exacta.
Um grande abraço
Tenho um prato parecido com o seu, e ele era dos meus avós maternos.Também gostaria de saber a origem, fábrica ou artista que o fabricou...
ResponderEliminarCara Flora Maria
EliminarDesculpe o atraso da minha resposta.
A faiança portuguesa do século XIX raramente era marcada, as fábricas usavam frequentemente os mesmo modelos e também copiavam as decorações, de modo que é complicado identificar o fabricante. Por vezes é possível atribuir este ou aquele prato a um centro de fabrico, Porto ou Coimbra, outras vezes por comparação estilística a esta ou aquela fábrica, mas tudo isto no campo das incertezas. Aliás, comecei este blog para tentar arrumar as ideias sobre a faiança portuguesa, pois no início, quando comecei a coleccionar, sentia-me completamente perdido. Não é que saiba tudo agora, mas mas pelo sobre algumas fábricas tenho ideias mais assentes.
Se quiser, pode mantar fotos do prato para o me e-mail, clicando no ícone do lado direito do meu blog, onde aparece a minha foto, em VER PERFIL COMPLETO.
Um abraço