domingo, 13 de março de 2022

Uma menina em biscuit ou para onde foram todas flores


O meu encanto por estas figurinhas em biscuit alemãs do início o século XX mantém-se e comprei esta menina por um bom preço, pois foi quebrada aqui e acolá. A cabeça da boneca que a criança segurava partiu-se e os pés da base também já viram melhores dias.

Marcas de série: 5673, 26 e 21

Não apresenta nenhuma marca de fabrico, mas apenas números de série, 5673, 26 e 21, que se reportam certamente ao molde e ao pintor. Contudo encontrei uma figurinha igual à venda na net, com a marca da E. & A. Müller, Schwarza-Saalbahn, empresa que esteve activa entre 1890 e 1927 na Turíngia, essa região alemã onde se concentraram dezenas de fabricantes de porcelana e figurinhas em biscuit.

A figurinha que esteve à venda no e-bay, tem uma orla na base em latão doirado e a minha está em biscuit, decorada com uma baia.


Não há muitas informações sobre estas fábricas, cujos arquivos se perderam com a guerra em 1944 e 1945 ou talvez por eu não perceber nada de alemão, não consiga encontrar informações pertinentes. Ultimamente penso muitas vezes que nos fazem falta a todos umas luzes de alemão, para podermos aceder a uma cultura tão rica na Europa, mas a última grande guerra tornou essa língua pouco apetecível, diria quase malquista, o que é uma pena.


Seja como for, esta figura representa uma menina a estudar na sua carteira, mas ela não é exactamente um modelo de bom comportamento. Já descalçou um sapato e enquanto faz os deveres numa tábua de lousa, segura a boneca e uma maça. A pasta está no chão atirada a trouxe-mouxe e e a menina está toda mal sentada. Enfim, tudo se encontra num desalinho, muito pouco germânico. 


Confesso, que talvez a tenha comprado porque me recordou a minha própria filha a estudar, sempre mal sentada, tudo espalhado por todo o lado e ao mesmo tempo com o telemóvel a fazer toda a espécie de ruídos e toques. Creio que eu próprio terei sido assim na minha meninice. 


Aliás, o encanto destas figurinhas de biscuit é que gravaram num material perene aqueles momentos de travessura ou garotice da nossa infância, da dos nossos filhos ou de crianças que viveram há mais de 100 anos. Hoje, que sou um adulto, que tenta ser sério a todo o custo, a minha filha já é uma mulher e as meninas, que foram as minhas avós e bisavós, morreram há muito tempo, pergunto-me para onde foram esses momentos de inocência, para onde foram todas essas flores e essas meninas, como cantava Marlene Dietrich, em Sag Mir Wo Die Blumen Sind, que foi uma menina alemã, mais ou menos na altura, em que esta peça em biscuit foi fabricada.




10 comentários:

  1. nunca foram para longe das nossas recordações ficaram para quem não as deixar fugir

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    1. Caro António

      É sempre difícil memorizar tudo e na nossa cabeça as memórias não jazem perfeitamente arquivadas. Confundimos, ou misturamos a sequência cronológica dos acontecimentos.

      Um grande abraço

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  2. Quando vi esta peça à venda não deixei que escapasse, pois sabia que irias gostar dela seguramente.
    Não estava em condições perfeitas, é verdade, no entanto o mais importante encontrava-se presente, que foi tudo isto que escreveste: uma infância perdida algures no meio do caminho, e que encontra em nós uma nostalgia do que passou, e que nos recorda tempos em que estávamos mais soltos e menos preocupados com os problemas que nos afligem hoje, quando somos adultos.
    Gostei muito do texto, que está muito poético
    Manel

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    1. Manel

      É verdade, foi uma boa aquisição. Este post teve mais ou menos a inspiração desta canção muito triste dita pela Marlene Dietrich, acerca da inocência perdida, mas também da guerra, o que me pareceu muito adequado para ocasião. E aquela actriz alemã soube bem o que era a guerra, pois viveu os dois grandes conflitos da história europeia.

      Também me encantou misturar o vídeo com a pele falsamente de biscuit , que Marlene Dietrich aparentava ter nos espectáculos, com esta minha figurinha. Tentei colocar em contraste a inocência da meninice com a decadência da idade.

      Um abraço

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  3. Gostei muito - da peça e do texto. Bom dia!

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    1. Cara Margarida

      Muito obrigado por ter gostado e um grande abraço

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  4. "...pois foi quebrada aqui e acolá. A cabeça da boneca que a criança segurava partiu-se e os pés da base também já viram melhores dias." Pois, agora, até parece que sempre lá estiveram esses "defeitos". Agora, Luis, fundidos para sempre. Gostei muito, abraço.

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    1. Caro Joaquim

      Obrigado pelo seu comentário. Estas lascas fazem parte da história da peça e até poderemos imaginar os vários momentos em que foram quebradas. Um grande abraço

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  5. Caro Luis
    Sempre rondei Marlene com pinças e nunca consegui ouvir uma canção dela até ao fim….esta canção marcou-me bastante, talvez por ser oportuna e actual pela desgraça de uma guerra a decorrer e também pelo rosto dela deformado pelo peso, como um cisne envelhecido soltando o seu ultimo grasno, consegui ouvi-la até ao fim e quando ela olha o céu no seu término me deixou mais assombrado por esta figura…..Marlene foi única e igual a si mesma desde sempre….quer se goste ou não….
    Sempre achei as figurinhas de biscuit demasiado frias e muito elitistas, sempre que uma delas se quebrava era o fim do mundo e quantas servas tremiam só de lhes limpar o pó???!!, mas na hora do restauro, todas as figurinhas são iguais, sejam figuras populares da velha Coimbra de estudantes ou da Meissen de imperadores, todos nós tentamos remediar aquilo que nos parece ser o equilíbrio de tudo.
    Abraço
    Vitor Pires

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    1. Caro Vítor.

      Obrigado pelo seu comentário, de que gostei muito. A escolha do vídeo da Marlene Dietrich com esta canção tão triste sobre a inocência perdida e a guerra pareceu-me muito adequada ao momento presente e ao tema da figurinha em biscuit. Com efeito, a Marlene não cantava propriamente, era uma "diseuse" e de facto empresta a esta música todo o seu talento e experiência de vida. Ela que foi uma boneca de porcelana na meninice, uma mulher considerada bela na idade adulta, está aqui, já no inverno da sua vida, toda repuxada com alfinetes que lhe esticavam a pele e com uma pesada maquilhagem. Viveu também duas guerras mundiais e viu a Alemanha completamente destruída.

      No fundo este post é sobre a meninice, a nostalgia e tristeza de quem já está também no Outono da sua vida e se pergunta também para onde foram todas flores.

      Um abraço

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