terça-feira, 14 de junho de 2022

Um prato de Talavera-Puente


O Manel comprou há já alguns anos este prato de faiança. É uma peça obviamente antiga, que já se partiu várias vezes e foi restaurada. O formato e decoração são estranhos à faiança portuguesa. Normalmente, na nossa faiança a aba e o covo são muito bem definidos e a decoração, também não tem nada a ver com o cá se produziu. Por essas razões, o Manel e eu achámos que deveria ser uma peça espanhola, até porque foi comprada em Estremoz, onde é relativamente vulgar encontrar louça de Talavera e outros fabricos da sempre presente vizinha Espanha.




Sempre estive mais ou menos convencido de que seria uma peça dos finais do século XIX ou inícios do XX, até que decidi fazer uma pesquisa mais aprofunda e bati os catálogos sobre faiança espanhola na biblioteca de onde trabalho e encontrei uns quantos pratos da mesma família, reproduzidos nas seguintes obras e datados do século XVII.


Talaveras en la coleccion Carranza / [Estudo introd. e catálogo] Alfonso Pleguezuelo. - Talavera de la Reina : Ayuntamiento, 1994.

Lozas y azulejos de la colección Carranza / Alfonso Pleguezuelo. - [Toledo] : Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, 2002

Imagem reproduzida de Talaveras en la coleccion Carranza


Este prato parece ser saído das oficinas de Talavera ou Puente del Arzobispo. Para grande parte da produção entre os séculos XVI e XVIII, o autor dos textos sobre estes centros cerâmicos, Alfonso Pleguezuelo não distingue ente o que é manufacturado em Talavera e Puente del Arzobispo, usando a designação mais abrangente Talavera-Puente. As terras são próximas umas das outras e os materiais e os estilos eram muito próximos. Por outro lado, em Talavera ou Puente del Arzobispo houve muitas oficinas a fabricar louça fina, isto é faiança, bem como olaria e ainda azulejos. E portanto, quando hoje se refere que uma travessa ou um canudo é de Talavera-Puente, estamos a falar de um centro de produção regional e não de uma fábrica ou oficina em particular.

Segundo as obras atrás referidas, o prato do meu amigo Manel será da segunda metade do século XVII e pertence à série tricolor, da subsérie Palmetas ou encomienda ou estrellas de plumas. Com efeito, do motivo central do prato, partem palmetas e plumas e este padrão inspirou-se num tecido em voga na época. O motivo que rodeia a extremidade do prato é a chamada cenefa oriental, composto com ss, estilizados inspirados na porcelana chinesa. A faiança de Talavera-Puente da segunda metade do século XVII apresenta uma pasta amarelada, pois neste tempo Portugal tinha restaurado a sua independência e estava em guerra com Espanha e os artífices espanhóis viram-se privados do chumbo e do estanho, vindos do nosso País e essenciais no fabrico de uma faiança mais branca e fina.



Apesar destas minhas leituras me indicarem que o prato do Manel foi produzido em Talavera-Puente no século XVII, não fiquei muito convencido. Louça do século XVII não aparece nas feiras de velharias. Eu pelo menos nunca vi um prato seiscentista de aranhões português no chão de uma feira e bem que gostava de ter um. Confesso que receava que este prato fosse uma coisa dos finais do século XIX ou inícios do XX, pois nesse período houve um renascimento da cerâmica de Talavera, inspirado nos motivos do passado, tal como aconteceu aqui em Portugal, em que várias fábricas começaram a produzir louça historicista, ao gosto do século XVII ou do XVIII.



Mas não encontrei referência a que o motivo estrellas de plumas tenha sido retomado nos finais do XIX ou inícios do XX. Contudo, no texto de uma revista, Boletin de la sociedad española Cerámica y Vidrio (1) e numa tese de doutoramento Técnica y estética de la cerámica de Talavera de la Reina: Recursos iconográfico de María del Carmen López Fernández (2), percebi que o uso da decoração estrellas de plumas se manteve pelo século XVIII fora.

Em suma, este prato de poderá ter sido fabricado em Talavera ou Puente del Arzobispo entre os séculos XVII e XVIII, embora quase por uma questão de bom senso, inclino-me mais para último século, pois como referi anteriormente, peças seiscentistas não aparecem nos mercados de velharias.





(1)“Los fondos del museo de cerámica Ruiz de Luna: una aportación a la historia de las lozas de Talavera y Puente /R. García Serrano, D. Portela Hernando e J. l. Reneo Guerrers no Boletin de la sociedad española Cerámica y Vidrio, Vol. 38 Núm. 4 Julio-Agosto 1999, onde consta um prato desta família, mas já datado do século XVIII.

(2)“Técnica y estética de la cerámica de Talavera de la Reina: Recursos iconográfico” de María del Carmen López Fernández. Madrid, 2015

2 comentários:

  1. Este prato sempre me deixou sem saber o que pensar.
    Primeiro, e tal como tu, inclinei-me por uma datação recente. Não me parecia muito antigo.
    E o padrão não se parecia com nada do que conhecia da louça portuguesa, inclinámo-nos para algo proveniente de Espanha, mas eu também não sou nada que se pareça com um perito, por isso, coloquei hipóteses várias, e ficou tudo em aberto.
    Depois, anos após tê-lo comprado, calhou ter visitado a casa-museu Almeida Moreira em Viseu, e, ali, exposto, estava um prato quase igual ao meu, datado do século XVII. Achei que o meu não deveria pertencer a esta série, antes uma reprodução mais recente, pois a lógica das peças encontradas no chão das feiras de velharias não conduz a datações tão vetustas.
    E assim, ele continuou na parede, exibindo o seu aspeto enigmático, algo estrangeirado.
    Lá continuará, mas a hipótese de que poderá ser do século XVIII é algo que me surpreende. Que fosse espanhol, já tínhamos pensado sobre isso antes, mas do século XVIII, bem ... isso é uma novidade.
    Obrigado pela tua pesquisa, fiquei mais informado sobre este prato que nos mira sempre lá do alto da parece da cozinha onde está pendurado
    Manel

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Manel

      Ao fim de uns quantos anos de pratica de coleccionadores, de leitores de livros sobre faiança, temos o olho treinado para a faiança portuguesa e sabemos dizer quase por intuição de um prato é do século XX, XIX ou XVIII.

      Contudo, com a faiança espanhola, falta-nos algum conhecimento e prática e temos sempre receio que a peça em causa, como este prato, seja um revivalismo qualquer dos finais do XIX ou início do XX. Mas, pelo que li, parece autêntica e terá sido manufacturada entre os séculos XVII e XVIII. Mas fica sempre uma dúvida.

      Um abraço

      Eliminar