quarta-feira, 10 de abril de 2024

Uma elegante junto a pratos ratinho em 1913



Há uns tempos, tentando encontrar notícias sobre os tribunais de guerra criados para o julgamento de conspiradores monárquicos, após as duas primeiras incursões de Paiva Couceiro, resolvi bater todo o ano de 1913 da Ilustração Portuguesa, revista de actualidades, disponível on-line na Hemeroteca Digital. Mesmo quando se têm um objectivo preciso, folhear revistas antigas é uma perdição e rapidamente nos distraímos a ver os anúncios antigos, os figurinos das últimas modas, as crónicas mundanas ou ler notícias de conflitos, que na altura eram muito actuais, como a segunda guerra balcânica e que hoje foram remetidos para notas de rodapé dos manuais de oficiais de história.

Entre todas essas actualidades do passado, encontrei a notícia de um serão literário no Mosteiro de Alcobaça, com fotografias dos vários participantes e chamou-me logo a atenção, o retrato do poeta Afonso Lopes Vieira (1878—1946) e da sua mulher à saída do Mosteiro. Durante o período em que fui bibliotecário na Universidade Católica coordenei o tratamento do espólio de António Sardinha (1887-1925) e existiam muitas cartas de Afonso Lopes Vieira, que se distinguiam de imediato das outras, porque aquele poeta tinha uma caligrafia linda, muito pessoal, mas legível e usava ainda um papel timbrado com o motivo de uma vieira. Desde logo, percebia-se que era um esteta. Também me recordo muito bem de ver a sua casa de S. Pedro de Muel, que era e é um encanto. Apesar de ligado ao Integralismo Lusitano, a seguir ao 28 de Maio de 1926, demarcou-se do Salazarismo. Sempre simpatizei com esta figura, embora tenha aprofundado pouco ou nada sobre a sua obra.

O poeta Afonso Lopes Vieira


Este serão literário ou festa de arte foi organizado por Manuel Vieira Natividade (1860-1918) , ouviu-se muita poesia e naturalmente os convidados eram mulheres e homens de cultura. À saída ou à entrada do evento, os convidados percorreram o mercado semanal de Alcobaça e um casal elegante parece ter-se encantado com as cerâmicas. A jovem muito elegante com uma saia muito cingida e um lenço artisticamente enrolado parece estar a passar dinheiro ao senhor. Não sei o que compraram, se a cerâmica vidrada, se a panela de barro ou os pratos ratinhos no canto esquerdo. Nesta época, em 1913, neste meio de pessoas como o poeta Afonso Lopes Vieira ou o Manuel Vieira Natividade, que valorizavam a tradição, a história e a etnologia era provável que se apreciassem os ratinhos, estes pratos de faiança com uma decoração inconfundível.

Os ratinhos estão no canto inferior esquerdo

Achei muita graça a esta imagem, pois quanto vejas fotografias antigas de mercados e feiras, tento sempre identificar, que tipo de cerâmicas, se encontravam à venda, mas a definição é sempre má e nunca consigo descortinar nada. Mas desta vez, tive sorte e encontrei pelo menos três ratinhos, acabadinhos de sair da oficina em 1913.


Fonte consultada: Ilustração portuguesa, nº 394 (8 Setembro de 1913)

4 comentários:

  1. Que interessante que conseguiste decifrar os ratinhos nestas fotos.
    E lá estão eles, todos "lampeiros", no estendal da vendedora.
    Olhando para eles dou conta como a sua decoração é intemporal.
    De cada vez que os vejo à venda nas feiras, sobretudo no Alentejo, onde me parecem aparecer em maior número, as decorações não diferem destas. Claro que nas feiras, os vendedores, na sua maioria pouco esclarecidos, dizem logo que são do tempo do marquês de Pombal.
    Por vezes ainda tenho paciência para lhes dizer que não é bem assim ... debalde, ficam a olhar para nós com raiva por não concordarmos com eles ou por lhes estarmos a "descobrir a careca", pois não acredito que alguns deles não saibam mais do que aquilo que me dizem.
    Não é que eu saiba muito mais, mas pelo menos tenho o cuidado de colocar em dúvida e, muitas vezes, acabo também por me enganar, claro, pois não sou perito no assunto.
    Eu até comprei uma vez um ratinho de figura que me pareceu genuíno, quando descobri posteriormente que era uma falsificação, e, por sinal, bastante má, pois vim a conhecer o verdadeiro, na posse de um casal colecionador desta loiça, e não havia nada de semelhante, um, o meu, era completamente boçal e horrível comparado com o verdadeiro, com um desenho solto e fluído e cores absolutamente fantásticas.
    Por isso não me admira que se cometam erros na identificação e datação deste tipo de louça.
    Manel

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    1. Manel

      Sempre que me passam estas revistas antigas pela mão, dou sempre uma vista de olhos às imagens de feiras, mas até agora nunca tinha conseguido identificar nada, de modo que achei imensa graça encontrar os inconfundíveis ratinhos no chão deste mercado em Alcobaça. Também no chão há uma panela de barro parecida com a tua, mas as formas dos barros são imemoriais.

      Com efeito, há uns vendedores menos informados, que vendem os ratinhos como se fossem todos do tempo do Marquês de Pombal.

      Mas estudos sérios como os da Ivette Ferreira "Cerâmica na Colecção da Fundação Manuel Gargaleiro", já tinham apontado alguns deles como sendo produzidos já no início do século XX.

      Um abraço

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  2. sempre gostei de cerâmica e agora mais do que nunca. adoro como vais descobrir estas 'pérolas' na espuma do tempo de há tantíssimos dias!... com tudo é assim, mas com a cerâmica, talvez por ser um material tão orgânico, é mais do que com tudo o rsto: uma peça sózinha - por mais bela que seja - sentimo-la orfã de um qualquer contexto quotidiano: o momento da sua produção, da sua venda, da sua integração numa função relevante pela importância que alguém atribuiu à necessidade de a possuir e - assim - valorizar. Só assim está completa a compreensão do significado da sua existência... mesmo se, como dizia o Poeta, esse significado seja o de não ter significado nenhum! :-) obrigada pela viagem!

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    1. Maria

      Há especialistas de cerâmica, como a Isabel Fernandes, que além de estudarem as oficinas e fábricas, tentam também reconstituir os mercados, a forma e a a área como escoavam a produção. Esta fotografia é um documento iconográfico sobre esse momento, em que a louça, sai da oficina e é vendida ao público. Bjos e obrigado pelo teu comentário

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