segunda-feira, 7 de junho de 2010

O mirante à sombra do Plátano: Solar dos Montalvões

No muro do lado Sul da propriedade do Solar de Outeiro Seco, situava-se um mirante, uma estrutura em pedra, que aproveitava o próprio muro, com dois bancos de pedra de cada lado. Estava protegido pela sombra de um enorme plátano e era um sítio muito fresco nos verões tórridos de Outeiro Seco. Os meus irmãos e eu e por vezes também a minha prima Ana Paula, costumávamos brincar ali. Gostavámos daquele pequeno espaço feito à medida do nosso tamanho e dava-nos a ideia de estar numa espécie de casinha ou num pequeno castelo. Julgo que o meu irmão mais velho pendurava-se a partir dali nos galhos do plátano. Lembro-me bem de lá estarmos lá a brincar, entregues aos cuidados de uma moça de Outeiro Seco, a Maria Antónia. Penso que a função dela era tomar conta da minha bisavó Aninhas, que já estava muito velhinha, mas, naquele período ocupava-se da criançada e nós adorávamo-la. Era uma rapariga muito bonita, com umas roupas modernas do início dos anos 70, e tinha jeito e paciência para miúdos. Ainda hoje associo o nome Maria Antónia a pessoas giras e simpáticas. Penso que a Maria Antónia estudou, tornou-se professora e a jovenzinha de mini-saia deve ser muito provavelmente avô e talvez já se tenha conseguido reformar, se o Sócrates não lhe tramou a vida. O mirante visto por dentro (foto do início dos 90)

Mas a função principal deste Mirante, que dava para a praça onde se situava o cruzeiro em granito da povoação, era assistir às procissões com vista privilegiada.
(foto do Cruzeiro, cedida pelo Humberto)


Julgo que naquele ponto certo passariam todas as procissões e cortejos reais da aldeia e há pelo menos duas fotos de épocas distintas da família inteira no mirante, enfeitado com colchas ricas. A primeira foto será do final dos finais dos 40, princípios de 50 (antes de 1956, pois ainda aparece a Tia Marica) e a segunda, certamente foi tirada nos primeiros anos dos anos 60, pouco tempo antes da morte do meu bisavô. Consigo identificar os meus tios avós na primeira fotografia, mas nunca os conheci assim. As recordações que deles tenho são as das caras, que aparecem na segunda fotografia. É assim que eu me lembro deles, vivos, cheios de energia e com muita simpatia. No geral, os Montalvões eram uma gente muito sociável, adoravam conviver. Saí mais ao lado Cunha da família, mais bicho-do-mato.
Certamente a algumas destas procissões juntar-se-iam imagens da capela de Sta. Rita, nomeadamente a Nossa Senhora da Glória e o S. Salvador. Muitas das procissões são sobrevivências mais menos disfarçadas de antigos cultos pagãos e um dos rituais que se repete de procissão para procissão em Portugal é uma imagem principal, que vai buscar uma série de outras imagens a capelas vizinhas, para formarem um cortejo. Segundo o Moisés Espírito Santo são resquícios das velhas hierogamias, isto é, de casamentos sagrados entre deuses, aqui representados pelos Santos ou Santas, de cuja realização, estava dependente a chuva, o sol e a realização de boas colheitas.



Mas na época destas fotografias, os meus tios que assistiam divertidos à procissão não sabiam o que eram hierogamias, estavam contentes porque era Verão, dia de festa e acreditavam sinceramente na existência de Deus e na boa intercessão dos santos

5 comentários:

  1. És nada bicho-do-mato. És um comunicador nato, sempre com uma conversa pronta, curioso, com a explicação na ponta da língua quando te colocam qualquer questão dentro da tua área de interesses.
    Falas à vontade com uma grande variedade de pessoas, e sempre dei conta que possuis capacidade de comunicar com gente, ainda que abarquem um variado leque cultural e social.
    Não estou nada de acordo que sejas bicho-do-mato ou que mostres constrangimento na comunicação.
    E a Maria Antónia, espero, talvez tenha sido bafejada pela sorte, por não ter sido obrigada a suportar o desgoverno desta corja que lá se encontra, em S. Bento.
    Se teve sorte, e espero que a tenha tido, não a devem ter culpado pelo deficit de que a Função Pública é o bode expiatório para tapar os buracos orçamentais provocados por gestores ruinosos, "boys" corruptos e falências fraudulentas da banca, e, como se fosse pouco, descontrolos de Finanças Públicas em obras megalómanas, para esconder o sol com a peneira dos aeroportos e dos TGV's.
    Tivémos muitos maus gestores e piores chefes de governo, de que, aliás, este triste e actual presidente da república foi um magnífico exemplar, mas é difícil igualar este "fartar de vilanagem" de que este governo dá conta!!!!
    Eu, que por norma não sou truculento, como aquele magnífico espécime, sinónimo da má política que temos na Madeira, hoje dei para a acrimónia ... não deverias ter mencionado a criatura que está à frente do governo, porque dá sempre nisto, é um reflexo incontrolado!
    Manel

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  2. Olá Luís
    Tem mesmo piada essa sua designação bicho-do-mato que em Outeiro Seco se diz bicho-do-monte. Não nos conhecemos pessoalmente, mas tal designação parece-me totalmente inapropriada.
    Pois fiquei maravilhado com essas duas fotos do Mirante, lugar místico e de referência entre as pessoas desta terra. Tive o grato prazer de o recuperar, nas funções de autarca local, não sei se na sua forma original, devido a algum vandalismo e com as raízes da árvore. Belissimo esse espaço que terá sido desfrutado pelos seus habitantes, permanecerá na memória dos mais idosos e é uma referência de história viva deste terra de altarium.
    altinorio

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  3. Olá Luís

    A fazer jus ao ditado popular...
    "Não há duas sem três"
    Pois então, não se intitule "bicho do mato" ou do monte como diz o Altino
    Nesta minha idade, e tanto que fui conhecendo nesta vida, pela via do trabalho e não só, o Luís pertence ao núcleo restrito de homens com "H" Grande, seja pelo lado Cunha, seja pelo Ferreira, Montalvão!

    Já aqui fiz referência ao seu jeito peculiar, sensível, culto, humano, desprovido de vaidades, um homem incomum, pelo perfil de carácter tão intrínseco, afável,quicá frontal, em opinar naquela de fazer prevalecer o que realmente gosta e não gosta

    Tenho o privilégio de ser o 2º membro do seu blog e assídua comentadora, confesso que sinto que tem dias que o deixo embaraçado...é o meu jeito brejeiro...sei o quanto me tem desculpado, é um gentil men,special one!

    Homens da sua estirpe, só podem ter amizades saudáveis com outros de semelhante categoria, que falar do Manel , excelente comunicador e do Humberto, autêntico furão, e outros que quem sabe no tempo acabarei por descobrir,sem jamais esquecer a fascinante e sempre presente Yourcenar!

    Adorei o post...muito porque fala em pedras!
    Gostei dos bancos e do plátano
    Lembrei-me da minha infância, abaixo da minha casa o largo também ele florestado pelo meu bisavô com plátanos e da escadaria em pedra a caminho da capela do Santo António que eu usava para fazer de escorrega e nela rompia as calcinhas ...

    Doce, o seu reparo em falar da mini saia da Maria Antónia...nessa altura era moda, também eu usava a minha, pior era ir de bicicleta para o colégio, e com a brisa ela levantar... eu, naquela de olhar de soslaio para os rapazes, ao tirar a mão do guiador para a repor no lugar, o guiador guinava...tinha dias que caia...levantava-me antes de chegarem à minha beira...acho que fazia de propósito!

    O Luís tem a capacidade maior de em cada post fazer catapultar o leitor para vivências do passado, e isso é fascinante, eu que o diga, que só aprecio a leitura depois que o conheci aqui...com a sua escrita me encantou e enfeitiçou!

    Adorei recordar as procissões e o festim de engalanar as janelas, portadas e no caso o mirante de Outeiro Seco com ricas colchas
    Magnífica lembrança do passado que teima em voltar!
    Por último vou ausentar-me até final do mês, com grande pena minha...
    Votos de bom feriado para o Luís, Manel, Maria Gambina, Humberto e demais seguidores deste blog
    Daqui a dias voltarei...
    Beijos
    Isabel

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  4. O Luís bicho-do-mato?!
    Não acredito! Mesmo não o conhecendo pessoalmente,intui-se o bom conversador que é.
    Basta ver a maneira como sabe "ouvir" o que aqui se vai escrevendo.
    Um abraço
    Maria Gabela

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  5. Manel, Altino, Maria Gabela e Isabel

    Muito obrigado pelos vossos comentários sempre encorajadores. Puxam-me sempre para ir mais além

    Votos de boas férias para a Isabel

    Abraços

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