quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Ainda os azulejos "Bicha da praça" da Viúva Lamego: da Mouraria ao Rio de Janeiro


Na sequência do meu post de 22 de Dezembro, sobre o motivo, que ficou conhecido como bicha da praça, resolvi voltar a escrever sobre o assunto, pois o nosso amigo carioca, Fábio Carvalho enviou-me uma galeria fotográfica completíssima de azulejos portugueses no Rio de Janeiro e na qual se encontram inúmeros exemplos do motivo bicha da praça. No Brasil este padrão é conhecido por um nome também pitoresco, bicha e estrela ou estrela e bicha e antigamente abundava em muitos prédios do centro do Rio de Janeiro. A maioria dessas casas foram demolidas, mas o nosso Fábio, que deve ser um homem que conhece todos os recantos da parte velha da cidade maravilhosa e encontrou e fotografou na rua Visconde do Rio Branco um sobrado com os azulejos bicha da praça e ainda o mesmo motivo no Museu do Açude, que guarda uma colecção estupenda de faiança e azulejaria portuguesa.

Estes imagens que reproduzo aqui, são um bom exemplo de um momento da azulejaria portuguesa e também da história das artes decorativas brasileiras. Como é sabido a moda de revestir as fachadas das casas com azulejos começou no início do século XIX, no Nordeste Brasileiro, passou depois para Portugal e desde essa época, até aos primeiros anos do século XX, o Brasil foi um óptimo cliente das fábricas de cerâmica portuguesas. Já vimos aqui no blog vasos de Miragaia na cidade de Ubatuba, no Estado de S. Paulo e agora azulejos Viúva Lamego no Rio. De facto, a história portuguesa e brasileira entrelaça-se constantemente, mesmo que às vezes insistamos em virar as costas uns aos outros.
Convém explicar aos menos conhecedores de história da cerâmica e da cidade de Lisboa, que a Fábrica Viúva Lamego se encontra no Largo do Intendente em Lisboa e apesar de ser uma fundação relativamente recente (1849), se encontra num local onde existiam olarias a laborar desde a Idade Média. Como testemunho desses tempos, logo ali ao lado existe ainda uma rua das Olarias, um Largo das Olarias e umas escadinhas das Olarias. Em frente encontrava-se a Fábrica do Desterro, também especializada em faiança, que entretanto fechou. Não muito longe dali, está a rua Forno do Tijolo. A zona encosta pois ao velho bairro da Mouraria, numa área em que os artesão mouros ou descendentes dos mouros se dedicaram desde a Idade Média à moldagem de potes de barros, telhas e tijoleiras. A Viúva Lamego cuja imagem abaixo mostro mais não fez do que continuar uma tradição que vinha desde a Idade Média, provavelmente até do período islâmico.

Começámos no Rio de Janeiro e acabámos no Islão

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Pequeno registo com a Sagrada Família ou boas festas

O pequeno registo com a Sagrada Família que aqui apresento foi comprado em dois momentos diferentes.

Julgo que comprei primeiro a moldura na Feira-da-Ladra e destinava-se originalmente à casa de bonecas da minha filha. Contudo, o metal de que é feita tornava-a muito pesada para afixar na casinha da minha filha, de modo, que ficou armazenada numa gaveta à espera de melhores dias ou de uma utilização interessante.

Depois passado muito tempo, comprei numa casa de velharias, ali na Rua Forno do Tijolo, o registo com a Sagrada Família, que é certamente o resto de um escapulário. Julgo que em tempos terá tido um tecido, missangas e passamanes, mas só restou a gravurazinha num suporte doirado. É uma peça muito pequena, nem cinco cm de altura terá, mas é cheia de um encanto ingénuo e parece-me que será do Século XVIII, embora com estas obras de carácter popular se tenha que ter muita cautela na datação, pois parecem sempre ser mais velhas do que aquilo que realmente são. Depois, por um acaso qualquer, lembrei-me de colocar o registo na moldura e casaram tão bem, que parece que foram concebidos um para o outro.
Este registo e esta pequena história são o meu voto de boas festas a todos aqueles que tem tido paciência para me ler neste blog.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Azulejos Viúva Lamego: bicha da praça ou aventuras nos contentores das obras


Já vos contei muitas vezes sobre o meu hábito de espiolhar todos os contentores das obras da Baixa Lisboeta, que são muitas vezes ricos em azulejos pombalinos, pois as pessoas parecem acha-los muito feios e na primeira remodelação do apartamento ou prédio, aproveitam para mandar retira-los e pôr tudo no lixo.

No fim-de-semana passado, estava precisamente a esgravatar despudoradamente um contentor das obras na baixa, quando vislumbrei que tinha companhia no meu trabalho de prospecção. Era um homem dos seus trinta e tal anos, com ar de quem já conheceu melhores dias e que me abordou de imediato a perguntar o que procurava eu ali. Respondi-lhe que procurava azulejos antigos e então o senhor propôs-me ali sem rodeios, que lhe comprasse uma grande quantidade de azulejos antigos, que tinha em casa.

Em circunstâncias normais, recusaria imediatamente a proposta, pois quem vive no centro, em bairros populares, onde o clima de miséria do País já é muito evidente, torna-se duro e desconfiado, mas houve qualquer coisa naquele homem já quase sem dentes, que me inspirou confiança. Certamente foram os olhos. Os olhos determinam sempre as nossas escolhas.

Acompanhei-o então até á sua casa ali na Mouraria e fomos conversando pelo caminho. Percebi que estava doente, com uma hérnia, sobrevivia de uns biscates na construção civil e depois de se ter divorciado, vivia por caridade numa arrecadação da Câmara. Andava pelos contentores das obras à cata de ferro, azulejos, mobiliário e tudo o mais que pudesse vender.
Lá subimos e subimos calçadas e escadinhas da velha Mouraria e depois de entrarmos na arrecadação onde ele vivia, mostrou-me a um canto uns sessenta e tais azulejos Viúva Lamego (casa fundada em 1849 no Largo do Intendente Pina Manique) , do século XIX, de um padrão, que foi muito popular para revestir cozinhas, casas de banho, como também as próprias fachadas dos edifícios. Vendeu-mos por um preço estupendo, menos de um euro cada um e descemos os dois carregados de quilos de azulejos para o Martim Moniz, onde levantei dinheiro no Multibanco para lhe pagar. Despedimo-nos e trocámos telemóveis para futuros contactos. Gostei dele. Havia ali uma honestidade firme que a pobreza não tinha corrompido
Quanto à compra, segundo a obra Azulejos de fachada em Lisboa/ A. J. Barros Veloso, Isabel Almasque- Lisboa: CML, 1989, este padrão de azulejos era conhecido entre os operários da Viúva Lamego pelo curioso nome de, bicha da praça e foi fabricado em mais duas variantes, para além desta que já apresento. Também foi produzido em amarelo e só forma um padrão completo com 4 azulejos.
Segundo a mesma fonte, este padrão foi estudado por uma Senhora Brasileira, Dora Alcântara, que julgo que foi professora do nosso amigo Fábio. Esta estudiosa dos azulejos portugueses das casas de S. Luís do Maranhão concluiu que este motivo foi uma adaptação de um azulejo holandês, conhecido por Viersterren (quatro estrelas). Reproduzo aqui a página de um catálogo holandês do séc. XIX, de J. Van Hulst, de Harlingen, trazido à luz por Dora Alcântara e que o Fábio Carvalho teve a gentileza de me enviar por e-mail, onde aparece no canto superior esquerdo, a versão holandesa do padrão.
Ao que parece este fenómeno de cópias de padrões holandeses, franceses e ingleses foi relativamente vulgar na azulejaria portuguesa do século XIX.

Os azulejos destinam-se a uma casita rural que o Manel comprou no Alentejo

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Ménade


Os museus e palácios do Ministério da Cultura têm uma rede de lojas onde se vendem excelentes réplicas das suas colecções, sempre escolhidas por gente com um gosto irrepreensível.

Há uns tempos, entrei numa dessas lojas e descobri esta réplica de um fragmento de relevo, existente no Museu de Évora, que me apaixonou completamente e levei-a para casa.

A irregularidade dos planos e a falta de esquadria da água furtada antiga onde vivo parecem talhadas para receber fragmentos, ruínas e partes de objectos como esta Ménade. Parece que os séculos a partiram especialmente para caber entre o tecto e a televisão da minha casa.


Segundo o Museu de Évora As Ménades eram umas ninfas que alimentaram o Deus Baco e são conhecidas como as bacantes divinas. Inspiradas pela embriaguez cantam e dançam freneticamente até serem possuídas por um êxtase místico. Representam-se nuas ou vestidas com véus ligeiros que mal lhes dissimulam a nudez. Em grupo de nove, dançam coroadas de hera, e trazem na mão um tirso, por vezes um cântaro, ou então tocam um instrumento como uma flauta de dois tubos ou um tamborim.

As Ménades representam a irracionalidade e o abandono aos instintos e talvez por essa razão esta Ménade se tenha adaptado tão bem à minha casa tão irregular e assimétrica.
Esta peça é uma réplica de um original romano, da época do imperador Augusto (31 a. C a 14 d. C), achado no século XVIII nos alicerces da muralha romana de Beja. Depois, fez parte da colecção do célebre Arcebispo de Évora, frei Manuel do Cenáculo, que por sua vez esteve na origem do núcleo inicial do Museu de Évora

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Cornija e capitel em talha dourada: uma pequena loucura


Por vezes, enlouquecemos e queremos ter uma qualquer peça insensata em casa, para a qual não temos espaço, mas ainda assim vamos em frente e depois de uma negociata de ciganos, damos por nós a transportar uma cornija e capitel em talha dourada num saco do Pingo Doce, a subir com aqueles 9 ou 10 kilos, uma calçada lisboeta daquelas a pique e finalmente três andares sem elevador de um prédio desengonçado e antigo.

Depois, abrimos o saco e... como dizem os brasileiros, caímos na real e percebemos que não há 40 cm de parede livre em casa. Segue-se um momento de desespero, mas rapidamente a esperança regressa, quando nos lembramos da frase daquele coleccionador francês, que dizia, que quando encontramos uma boa antiguidade a preço de ocasião, devemos sempre compra-la, pois uma boa peça encontra sempre o seu lugar em casa.
Pede-se a opinião de amigos, desviam-se uns pratos para o lado, umas travessas passam para outra parede, tira-se o berbequim do armazém e lá se consegue encaixar a cornija num sítio adequado que respeite a sua concepção original, pois este elemento arquitectónico foi desenhado para correr entre a parede e o tecto.

Pronto, foi tudo isso que recordo desse período de insanidade mental.
Agora, que recuperei a minha lucidez, investiguei alguma coisa sobre talha dourada e apesar de ter apenas um fragmento de um todo decorativo, consegui apurar que pertence à primeira fase da talha dourada barroca portuguesa, designada pelos especialistas como 1ª fase: estilo nacional (entre 1675 e 1725) e cujas principais características são colunas torsas (ou retorcidas) profusamente ornamentadas com motivos fitomorfos (folhas de acanto, cachos de uva, por exemplo) e zoomorfos (aves, geralmente um pelicano); coroamento formado por arcos concêntricos; revestimento em talha dourada e policromia em azul e vermelho.
Vi uns quantos altares barrocos deste período do estilo nacional, dos quais destaco o da Igreja de Minde (em cima)ou o Altar de S. João Evangelista no Museu Regional de Beja (em baixo) e neles estão sempre presentes este tipo de cornijas com com uma cabeças de anjinhos nos capitéis

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Motivo Metz

Herdei este prato da minha avó Mimi. Talvez tenha vindo de Outeiro Seco. Não sei ao certo. O motivo também é relativamente vulgar. Mas tenho uma estima grande por ele. Julgo que deve ser porque a cor me recorda as fotografias antigas.

Está marcado como era hábito na Fábrica de Sacavém e segundo o Dicionário de marcas de faiança/ Filomena Simas, Sónia Isidro. – Lisboa: Estar Editora, 1996 deverá ser do ano de 1885.


Este motivo que se designa por Metz, a julgar pela informação contida no catálogo 150 anos, 150 peças: fábrica de Loiça de Sacavém. Câmara Municipal de Loures, 2006, terá sido fabricado entre 1885 até 1894.



Contudo, a Marília, muito gentilmente enviou-me uma azeitoneira Metz, com uma marca estampada datada entre 1863-1870, conforme se pode ler no índice de marcas, na página 281, do catálogo Porta aberta às memórias, editado pelo mesmo Museu. Portanto, a produção do motivo Metz começou algures entre os anos de 1863-1870
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Segundo o catálogo, Primeiras peças da produção da fábrica de Louça de Sacavém: o papel do coleccionador, Câmara Municipal de Loures, 2003, e a partir do qual foram feitas as reproduções abaixo colocadas, terá sido fabricado em 3 cores distintas:

1- Anil:

2- Verde:


3- Castanho. Como o meu prato e esta bela terrina com concha, que infelizmente não me pertence

Porquê Metz

Sempre me interroguei sobre a escolha do nome para este motivo decorativo. Metz é a capital da província francesa da Lorena, uma região muito rica, que se celebrizou na história por ter andado a saltar de mãos entre a França e a Alemanha. Tornou-se francesa no tempo de Luís XIV, depois do Tratado de Westfália em 1648. Entre 1870 e 1918 foi alemã e voltou à França no período de 1918-1940. Ocupada pela Alemanha entre 1940-1944, regressou à soberania francesa definitivamente em 1944.
No período em que o motivo em causa se começou a produzir, Metz era uma cidade que estava nos cabeçalhos dos jornais. Em 1861, tinha acolhido uma exposição universal e em 1870, o cerco da cidade foi um dos pontos altos da devastadora guerra franco-prussiana. Masw também nesta época, Metz já era célebre pelos bordados que se faziam na região, nomeadamente, o Point de Lunéville e a Broderie perlée. Talvez tenha sido essa arte, que inspirou os fabricantes de Sacavém a conceberem este motivo.

Outras fábricas que produziram METZ
Já depois de ter colocado este post, a Marília, que anda sempre bem informada, descobriu que Sacavém não foi a única casa a produzir este motivo. Com efeito, a Fábrica Constância em Lisboa (fundada em 1836 e ainda hoje existente) produziu também este motivo, o que só vem provar que a faiança portuguesa é uma eterna surpresa e que muito pouco está estudado. A Maria Andrade notou e muito bem uma pequena diferença entre o motivo desta fábrica e o de Sacavém. No prato da Fábrica Constância há uns rostos femininos na bordadura,em vez dos florões do motivo da Fábrica de Sacavém.

No Dicionário de Marcas de Faiança e porcelana portuguesas/ Flomena Simas e Sónia Isidro. Lisboa: Estar Editora, 1996 esta marca consta com o nº 395 e será do primeiro quartel do Século XIX, o que é uma gralha, conforme a própria autora deixou aqui expresso em comentário. Será antes do último quartel do Século XIX. Consultei a Cerâmica portuguesa do José Queiroz, ed. de 1987 e confirmei que a marca foi usada pela Fábrica Contância entre 1885 a 1896

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Chaves: a casa dos Alves


Nas minhas peregrinações por Chaves deste Verão, aproveitei para mostrar às minhas sobrinhas e aos meus filhos algumas casas relacionadas com a família. Só a minha sobrinha mais velha, a Isabel é que praticamente me escutou. Já tem maturidade suficiente para perceber a importância de guardar e conhecer a memória dos mais velhos. Os outros, talvez só daqui a uns anos se aperceberão da necessidade de registar os factos do passado, transmitidos oralmente, e que se não nos acautelarmos deixaremos partir os mais velhos e com eles toda uma memória familiar. O Léopold Senghor costumava dizer que Em África cada vez que morre um velho arde uma biblioteca. Enfim, na Europa temos uma cultura escrita, mas há uma história particular, das famílias, que muitas vezes só é possível fazer-se a partir das fontes orais.

Um sítios que lhes mostrei foi a casa da família da minha bisavô paterna, a Aninhas(foto superior), aquela senhora que tinha uma irmã, a Tia Marica, que viveu um amor camiliano com o Monsenhor Manuel Alves da Cunha, que eu tive ocasião de contar aqui no passado mês de Fevereiro.
Ao observar melhor a casa e quando estava prestes a imaginar a pobre tia Marica, martirizando-se pela sua falta de coragem, descobri no balcão de ferro forjado, um pormenor curioso, as iniciais FLA, pertencentes certamente a Francisco Luís Alves (morto 18-01-1915), pai da Aninhas e da Marica e meu trisavô.

Este senhor era muito rico, nos jornais da época falam dele como um capitalista e por causa dele, a pobre Marica teve medo de assumir o seu amor com um rapaz mais pobre.

Infusa em cantão popular


Já há muito tempo que adquiri este jarro na Feira-da-Ladra do chamado motivo cantão popular. Na altura encantei-me com ele e com os seus motivos populares pintados atabalhoadamente.



Depois o jarro ficou um longo tempo poisado num conjunto de prateleiras em acrílico, onde guardo terrinas, jarros, jarras, canudos e medidas. Olhava para ele, mas não acrescentava mais nada ao que já sabia dele.

Depois um dia, no blog da da minha seguidora Maria Isabel , descubro que esta nossa amiga comprou um jarro praticamente igual ao meu, mas com tampa. Achei o facto extremamente curioso, porque nunca me tinha passado pela cabeça que o meu jarro tivesse tido originalmente uma tampa, nem que o nome para estas peças fosse infusa. Fui consultar o Itinerário da Faiança do Porto e Gaia, do MNSR, que tem um bom glossário e confirmei que estes jarrinhos com tampa usados para o vinho e o leite se designam por infusas.


As nossas duas infusas não são exactamente iguais. Como estas peças se destinavam a gente pouco endinheirada, eram pintadas apressadamente por artificies pouco preparados de modo que cada obra é diferente da outra. É provável que tenham saído da mesma oficina, mas como todos se copiavam uns aos outros e a noção de patente era desconhecida nestes negócios familiares, que escoavam a sua produção nas feiras, nunca se pode ter a certeza sobre a sua origem.