quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O labirinto do mundo: faiança portuguesa


No meu anterior post, apresentei um prato de faiança portuguesa, representando uma árvore, que se desenvolvia do centro para os bordos, que eu interpretei como sendo uma representação da árvore da vida, embora sem certezas ou fundamentos.

Mencionei também que o meu amigo Manel possui duas peças de faiança com este tema das ramagens, que me levam a supor a existência de uma manufactura de cerâmica, algures no Norte do País, que se tenha dedicado a estes temas das árvores e ramagens, que crescem de uma forma intrincada, com se pretendessem figurar o labirinto da vida .Claro, não tenho fundamentos nenhuns para esta suposição, a não ser os de uma certa semelhança estilística. Nenhuma das três peças está marcada e arrisco-me a estar aqui a escrever um grande disparate.

O tardoz da travessa está também decorado
Mas, voltando aos pratos do Manel, numa travessa, o tema dos ramos que se cruzam e descruzam foi levado tão longe, que artista, virou a peça ao contrário e continuou a pintar o tardoz com o mesmo tema. Em outro pratinho, o pintor fez uma orla de ramagens intrincadas umas nas outras.

Tenho uma certa intuição de quem pintou o meu prato fez também a travessa e o pratinho de sobremesa que pertencem ao Manel. Seria certamente algum artista fascinado com os efeitos estéticos produzidos pelos ramos e os troncos de uma árvore ou arbusto, que tentou recriar em peças de loiça. É muito provável que este artista tivesse uma instrução rudimentar. Mas não lhe faltou capacidade de despertar sentimentos complexos ao observador passados cento e vinte ou 150 anos. Se no meu prato, pintou aquilo, que parece uma de árvore da vida, na travessa, que também terá executado, sentimo-nos diante de uma representação do labirinto do mundo, em que genealogias de seres humanos confundem-se, misturam-se e partem em direcção a lado nenhum. Sei que não estou a ser objectivo, mas há modestas obras de arte como esta, que me provocam sentimentos fortes.

O verso da travessa também está pintado com o mesmo tema do labirinto de ramos que se cruzam e entrecruzam.


10 comentários:

  1. Olá Luís,

    Não há dúvida de que, esta travessa do seu amigo Manel tem um padrão em tudo idêntico ao da manteigueira a que fiz referência no seu post anterior. Foi um flashback imediato. Recordo que era redonda, e a tampa tinha uma pega bastante rústica também ela redonda. Para minha grande pena, nem sequer sei o que é feito da peça. Por determinação da minha avó paterna ficou para uma prima direita, mas como esta não apreciava o estilo do - segundo ela -"trambolho", o dito acabou por ir parar às mãos de uns tios com quem não mantenho grandes contactos.
    Enfim, uma manteigueira azul, belíssima, com tantas histórias para contar, deve estar enfiada na escuridão de algum armário e completamente votada ao desprezo.

    Beijinhos


    Alexandra Roldão

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    1. Alexandra.

      Que pena que essa manteigueira não ter ficado para si. Deveria ser uma peça bastante invulgar e certamente a Alexandra saberia aprecia-la e dar-lhe o destaque que merecia.

      A vantagem destes blogues é permitir-nos fazer associações. Aconteceu-me o mesmo com o bordado que a Maria Andrade apresentou. Imediatamente me lembrei do trabalho feito pela minha bisavó em casa do meu pai e aproveitei a deixa para investigar um pouco mais sobre os mostruários de pontos.

      Bjos

      Bjos

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  2. Peça maravilhosa pelo horror ao vazio que o artista exprimiu.
    É lindíssimo, parabéns ao Manuel por ter uma peça tão curiosa.
    É engraçado que este prato fez-me entrar em contradição comigo mesma pois aprecio o quase vazio, o minimalismo, em alguns apontamentos estéticos. Não foi decerto o que se passou com o artesão.
    Labiríntico é a palavra ideal para narrar esta peça.
    Luís, parabéns pelas suas descobertas e ligações (conectividades).
    só uma mente que relaciona pode chegar mais longe. Esteja ou não certo, as hipóteses que aventa são o caminho para a luz.
    Abraço.:)

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    1. Cara Ana

      Quando olhamos para este prato, temos quase uma tendência instintiva a seguir alguns dos caminhos do Labirinto. Depois perdemo-nos, tal como na vida.

      Um abraço e obrigado pelo seu comentário

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  3. Como "pai baboso" das peças, não quero deixar de agradecer o que referiram as anteriores comentadoras.
    Vi esta peça durante meses a fio, sempre na mesma banca, mas, de forma errónea, julguei que seria muito cara e nem sequer me aproximava para saber o preço.
    Não que a julgasse absolutamente fantástica, que não achava, e ainda não acho, mas considerava-a tão curiosa pelo facto de ter ambas as faces decoradas, que esse facto servia de íman para os meus olhos.
    Até que um dia, seguramente com base nos meus olhares insistentes, o próprio vendedor me propôs a compra e mencionou um preço muito bom; tomou a minha surpresa como se eu estivesse a considerar o preço muito elevado, e voltou a baixar ainda mais o preço (devia estar farto do "trambolho", como diria a familiar da Alexandra Roldão), pelo que não hesitei!
    Veio mesmo comigo.
    Claro que marca ... nem sombra.
    Que me parece ser uma peça do norte, sim, parece-me, mas é intuição, se calhar completamente errónea.
    Não obstante o engano e o erro serem reprováveis e não constituírem objeto de orgulho, fazem parte da minha condição de ser humano, sobretudo quando me encontro no meio de uma grande confusão de peças sem que se lhe adivinhe mesmo o rasto do local de origem, quanto mais a fábrica!
    Manel

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    1. Estas tuas peças são muito curiosas e invulgares. Tem um encanto um pouco semelhantes aos Ratinhos. São modernas e antigas ao mesmo tempo.

      Um abraço

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  4. Gosto da sua interpretação. Estas peças são uma maravilha.

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    1. Cara Margarida

      Muito obrigado.

      Arrisquei um bocadinho na interpretação, mas a decoração dos pratos é tão curiosa, que não resisti a um certo impulso poético.

      Um abraço

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  5. Que peça interessante e rara é esta travessa! Não sei como o Manel lhe conseguiu resistir nos primeiros encontros... meses a fio?!
    Assim com o tardoz todo decorado não conheço muitas, só me vêm à memória os pratos e travessas Brioso com o tardoz todo decorado a esponjados.
    Mas aqui a decoração é a mesma na frente e no verso, o que leva a pensar que o artista se deixou levar pelo próprio motivo, gostou de o pintar e continuou, enquanto teve espaço... assim como o Luís se deixou levar pela sua imaginação poética na interpretação do motivo como labirinto do mundo...
    Também gostei muito do prato, com aquela fita azul mais forte a sobrepor-se aos quatro grupos de ramagens.
    As nossa faianças não param de nos surpreender e estes postes do Luís bem lhes fazem jus!
    Abraços

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    1. Maria Andrade

      De facto, a faiança portuguesa apresenta uma variedade de motivos surpreendente.

      Adoro estes pratos com as ramagens. Tem um encanto semelhante aos ratinhos.

      Fiz uma interpretação um bocadinho poética destes pratos, tomando como mote o título das memórias da Yourcenar, o Labirinto do Mundo. Mas como não fazê-lo, se estes motivos são tão fascinantes?

      Bjos

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