domingo, 23 de março de 2014

Uma terrina provavelmente da Fábrica da Bandeira

 
Na faiança portuguesa, que raramente está marcada, é sempre fácil dizermos disparates quando tentamos fazer atribuições. Andámos sempre às apalpadelas e a possibilidade de nos enganarmos é muito grande. Talvez por isso é sempre sensato seguir o trabalho que outros fizeram antes de nós, de gente que trabalha há muitos anos com faiança e cujo estudo faz parte do seu trabalho diário.
A terrina do Manuel não está marcada como é habitual na Faiança portuguesa, o que provoca sempre grandes confusões nas atribuições
Foi precisamente este método que segui para tentar atribuir uma terrina pintada com cores garridas, que o Manel comprou há pouco tempo. Imaginava que fosse do Norte, mas claro, tanto eu como o Manel hesitámos entre Bandeira e Fervença. Até porque eu também tenho uma terrina com um formato muito idêntico a esta, e sobre a qual não consigo ter uma opinião definida sobre o seu fabricante, embora ache que seja uma produção da área Porto/ Gaia.
Excerto dos Meninos Gordos. Porto: Civilização, 2005
Desta vez, tive mais sorte, pois Isabel Maria Fernandes, no livro Meninos gordos. Porto: Civilização, 2005 fez o trabalho por mim, quando sistematizou todos os motivos decorativos, que aparecem nos pratos dos meninos gordos. Nas últimas páginas do livro, há um glossário de motivos decorativos, que cobre desde as flores, às árvores, passando pelos os motivos vegetalistas como os penachos e os palmitos, até aos zoomórficos. É um trabalho extremamente bem feito, e só tive que procurar pelas folhas semelhantes a este prato e de facto encontrei-as imediatamente, sendo que as peças decoradas com este tipo de folhas são atribuídas à Fábrica da Bandeira (fundada cerca de 1828 e encerrada pouco depois de 1913).
Prato número 2 do catálogo Meninos gordos. Porto: Civilização, 2005. Atribuído à Fábrica da Bandeira

Prato número 1 do catálogo Meninos gordos. Porto: Civilização, 2005. Atribuído à Fábrica da Bandeira
Se nos abstrairmos dos meninos gordos dos pratos atribuídos a Bandeira e olharmos só para a cercadura, percebemos que há um ar de família entre eles e a terrina do Manel.
A pega da tampa da terrina foi mal restaurada

18 comentários:

  1. Olá Luís,
    Mais uma vez não tenho nada a acrescentar à sua pesquisa, pois entendo ZERO do assunto, mas não poderia deixar de agradecer por um post com imagens tão belas, que tornam meu dia mais alegre, e também parabenizar ao Manel pela compra estupenda!
    Só chamo a atenção para uma coisa: em seu post sobre a sua terrina, você publicou uma foto de uma outra terrina do acervo do Museu Nacional Soares dos Reis, identificada como da Fábrica da Bandeira, que é quase irmã da terrina do Manel. Acho que caberia a foto daquela terrina do museu de novo, para comparação.
    abraços!
    Fábio

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    1. Caro Fábio

      Obrigado pelo teu comentário.

      Com efeito, a terrina que já aqui mostrei atribuída a Bandeira é quase gémea desta e faria sentido aqui publica-la. Mas, quis neste post fazer uma atribuição de uma peça de faiança, seguindo o caminho deixado em aberto pelo levantamento sistemático de motivos decorativos, feito por Isabel Maria Fernandes, no livro "Meninos gordos. Porto: Civilização, 2005".

      E depois o texto que escrevi era muito pequeno e não cabiam mais imagens. Tento sempre evitar um certo ruído visual colocando muitas imagens. No fundo, o que aqui quis apresentar foi um método para fazer atribuições.

      Um abraço

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  2. Luís
    Bandeira? Fervença? Qual das duas? Como resolver o enigma?
    Aproximam-se pelas cores e pelas composições decorativas, embora me pareça (?) que, de um modo geral, a Fábrica da Bandeira costuma apresentar uma aba mais cheia e colorida, principalmente no tratamento das folhas.
    É o caso da decoração da terrina do Manel, que exibe folhas nuns belos tons de azul e laranja. E tem uma particularidade curiosa - não tem flores intercaladas entre elas. Por ter uma forma redonda, a coroa de folhas adapta-se originalmente, muito bem enquadrada pelos filamentos em verde e manganés. O pintor usou a técnica da estampilha, muito bem coadjuvada com elementos desenhados à mão livre, o que lhe confere uma riqueza compositiva excelente.
    Novamente se coloca a questão. Bandeira? Fervença?
    O que interessa é que a terrina do Manel é lindíssima e, posta num centro de mesa, alegra os olhos e a alma!

    Um abraço
    if

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    1. Cara IF

      Reparou muito bem, que a esta terrina só lhe faltam as flores para ser uma peça típica de Bandeira.

      Como escrevi ao Fábio, tentei seguir o levantamento efectuado nos Meninos Gordos para fazer a atribuição da peça. Mas, claro, não tenho a certeza. Fica sempre um grande ponto de interrogação.

      Um abraço

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  3. Luís,
    As cores usadas nesta terrina são alegres e bem ao sabor popular.
    Obrigada por mais este ensinamento que vou levando daqui.
    Ontem vi uma terrina parecida num antiquário e o preço era bem alto.
    Todavia, para os amantes destas peças o que importa é a mesma e não o seu valor.

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    1. Cara Ana

      Muito obrigado pelo comentário.

      No geral, nem eu nem o Manel compramos coisas muito caras. Estamos sempre à espreita das oportunidades e julgo que o Manel apanhou a bom preço esta terrina, muito típica das produções de Porto / Gaia. Há umas quantas fábricas nesta época, e nesta zona, que fazem peças de faiança extremamente coloridas e alegres e às quais é difícil resistir.

      Um abraço

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  5. Prezado Luis,

    Paz.

    Não repare Vc e nem o Fábio Carvalho, O Grande, pelo meu plágio de comentário.

    Mas eu também entendo quase zero de louça portuguesa (quem sabe até abaixo do Fábio) mas meu amor por elas está me fazendo inteirar.

    E este tipo da terrina do Manel é o que me vem à mente quando digo Louça Portuguesa.

    Gosto também da VA da Sacavem e de tantas outras com marca conhecida. Mas estas faianças anônimas (ou bem marcadas pelo típico de sua decoração) é o que considero bem de alma portuguesa.

    Não que Portugal não tenha História, competência e Arte para ter uma porcelana bem ao lado de todas as europeias (e tem) e que não possa despertar tb tanto interesse.
    Mas esta produção bem manual, e até sem muita pretensão, resulta em peças cheias de beleza e que nos seus matizes, vão despertando junto ao vislumbrar dos olhos, uma curiosidade de origem, época e tanto mais que só terá quem realmente por elas se apaixonar.

    Quando amadurecer minha paixão terei algo melhor para dizer..

    Uma abração.

    Amarildo

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    1. Amarildo.

      Gostei imenso do seu comentário. Julgo que acertou na "Mouche", como dizem os franceses. Esta terrina sintetiza todo o encanto da faiança portuguesa. É alegre, ingénua e os seus pintores usaram descomplexadamente uma paleta de cores vivas. Está nos antípodas das elegância contida da Porcelana do Vieux Paris, mas tem uma vivacidade e uma espontaneidade, que nos toca de imediato.

      Obrigado e um abraço

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  6. Esta terrina, quando a vi, torci o nariz ao facto do mau arremedo de lhe fizeram na pega da tampa.
    Mas também serviu para a poder adquirir por um preço mais comportável para a minha bolsa. Assim, graças a este mau arranjo, acabei por poder comprá-la, doutra forma, ser-me-ia impossível, pois estas peças, como a Ana bem menciona, acabam por atingir preços que voam em alturas onde não chego.
    Esta pega da tampa estava toda pintada de um azul horrível, que fui descascando para poder ver, pelo menos, a cor original da porção que ficou.
    Agradeço os comentários, e claro, tal como a if, tenho sempre grandes dúvidas, no entanto, e comparando com a terrina do Luís, acho que a minha não é nem tão cuidada em termos de pintura, nem o esmalte é de tão boa qualidade. Já ando de olhos em bico de tanto comparar as duas terrinas.
    Ora, como no livro dos Meninos Gordos, Isabel Maria Fernandes fala de uma pintura mais cuidada no caso da faiança de Fervença, ao qual se junta um esmalte mais uniforme e de melhor qualidade, pensei logo que a minha não deveria ser desta fábrica.
    E, para complicar a situação, como a if igualmente refere, faltam as flores que, por norma, se intercalam com as folhagens, para ter uma aproximação ainda mais próxima a Bandeira.
    Apesar disto tudo, propus uma identificação com Bandeira, ao que o Luís julgou que haveria mais hipóteses, com base nas fotografias e na boa sistematização feita no livro já mencionado, mas também não tenho/temos a certeza; talvez possa ser outra fábrica do Norte, pois agora sei que todas elas se copiaram umas às outras.
    Vi recentemente uma peça, que julgava sem sombra de dúvida que poderia ser Fervença ou Bandeira, e ... revelou-se Sto. António de Vale da Piedade. Fico cada vez mais baralhado, mas como sempre andei, a situação já é recorrente, e não estranho.

    Só acho curioso reparar como há gente que afirma ser esta ou aquela fábrica, perentoriamente, sem sombra de dúvidas (só me faz lembrar o outro, a múmia paralítica, que "nunca se enganava e raramente tinha dúvidas" ... olhem onde chegou a criatura e a gente de quem se rodeou - tudo fina flor da roubalheira impune, o pior tipo que existe)!
    A isto sim, considero algo irresponsável, pois qualquer outra pessoa menos esclarecida, no entanto interessada e curiosa, poderá ser levada ao engano por estes "vates ceramólogos" ...

    Assim, só posso falar em hipóteses mais credíveis de ser isto ou aquilo.
    Quanto à terrina que o Fábio menciona, do Soares dos Reis, é verdade que tem algo de parentesco com esta minha, mas passo a vida a nadar em conjeturas.
    Manel

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    1. Manel

      Com efeito, fazer atribuições nestas peças não marcadas é sempre um tiro no escuro, apesar de neste caso o ter feito apoiado num bom livro de faiança, que faz uma sistematização exemplar dos motivos decorativos.

      Recordei-me de uma imagem de umas escavações arqueológicas feitas no Porto e que foi publicada no roteiro de faiança do Porto e Gaia. Nessa escavação vieram à luz do dia toda uma série de peças de faiança, muito coloridas e nenhuma delas estava marcada. Em Gaia e no Porto nesta segunda metade do século XIX estava na moda esta faiança de cores vivas e populares e é natural que outras fábricas para além de Fervença e Gaia as tivessem fabricado. Santo António do Vale da Piedade também fabricou louça muito colorida.

      Um abraço

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  7. Caro Luís,

    Mais um belo exemplar para a colecção do Manel!
    Independentemente da origem da peça, o que interessa é que é linda, e fica bem em qualquer cantinho.
    O azul e o amarelo fazem sempre uma bela combinação pictórica.
    Apesar de ser uma fã incondicional das porcelanas, também admiro estas peças mais populares e toscas, que têm todo um encanto que lhes é dado pela sua rusticidade.
    Em suma, acho que as feiras de velharias da zona do Manel são mesmo um maná!!

    Um abraço aos dois

    Alexandra Roldão

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    1. Cara Alexandra.

      Creio que é natural gostar tanto de porcelanas requintadas, como de faianças populares. Da mesma forma que gostamos de um patê francês, também apreciamos sardinhas grelhadas numa tasca à beira-mar. O gosto é uma coisa muito ampla e de facto estas faianças tem uma garridice popular que nos atraí irresistivelmente.

      Um abraço

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    2. Obrigado pela amabilidade do seu comentário.
      No entanto gostaria de afirmar que as peças que tenho não constituem qualquer coleção.
      Para serem coleção procuraria que as minhas aquisições fossem sistematizadas, que obedecessem a determinados requisitos como, por exemplo, que abarcassem ou um período, ou uma fábrica, ou um motivo ou, sei lá, qualquer outra temática.
      Deveria procurar ter exemplares que explorassem toda a gama dentro dessa temática, independentemente de gostar ou não desses exemplares.
      Deveria ter peças dignas de museu como outras, ora eu não tenho nenhuma dessas preocupações.
      Assim, o termo coleção não se aplica de forma alguma ao que vou tendo, antes diria ser um ajuntamento afetivo de peças, pois para que as compre é necessário que goste delas e que estejam dentro dos meus parâmetros económicos.
      Mas quero agradecer-lhe muito a sua simpatia
      Manel

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    3. Caro Manel,

      Adorei essa sua definição de ajuntanento afectivo de peças. Não há dúvidas de que esta sua expressão explica tudo aquilo que sentimos pelo que vamos adquirindo. Concordo plenamente consigo,pois comigo sucede exactamente o mesmo, ou seja, há peças que parece que falam comigo e assim acabam vindo para minha casa. Apesar das limitações de plafond,lá vamos conseguindo rodear-nos do que para nós é belo!

      Um abraço

      Alexandra Roldão

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  8. O Luis e o Manel vão descobrindo belíssimas peças que nos alegram os olhos e a alma!
    É mais uma vez o caso desta terrina, da nossa mais garrida faiança popular.
    Realmente, sendo Fervença e Bandeira as fábricas de Gaia mais identificadas com este tipo de produção/decoração, também eu me inclinaria em primeiro lugar para Bandeira e acho que a atribuição está aqui muito bem fundamentada, tanto pelo Luís como pelo Manel. Mas todos sabemos como foram abundantes as oficinas e fábricas de faiança daquela área, só que, à exceção de Sto António de Vale da Piedade e do Cavaquinho, de duração mais curta e talvez por isso menos conhecidas. Seja como for, acho que o local de produção, a zona de Gaia, pode-se determinar com bastante segurança.
    E há aqui afirmações com que, tal como a Alexandra, me identifico plenamente.
    Parabéns ao Manel e obrigada aos dois por mais esta partilha.
    Beijos

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    1. Maria Andrade

      Estas atribuições são sempre um risco, enquanto não forem publicados mais trabalhos sobre estas fábricas do Norte. A esse propósito, parece que o Soares dos Reis do Porto tem como projecto fazer uma exposição sobre Santo António de Vale da Piedade, que irá certamente trazer mais luz a estas trapalhadas das atribuições da loiça de Gaia/ Porto. Esperemos que consigam arranjar financiamento.

      Um abraço

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    2. Concordo plenamente com o que referiu Maria Andrade, e quero agradecer-lhe muito o seu comentário.
      É sempre um prazer redobrado vê-la por aqui.
      Manel

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