sábado, 13 de setembro de 2014

Uma ferragem de ouro falso ou um sonho de valsa, uma jóia falsa ou um corte de cetim

Sou irresistivelmente atraído por ferragachos velhos, de preferência dourados e dos quais muitas vezes não conheço sequer a função original. Por vezes, julgo que sou como aqueles índios do novo mundo que trocavam com os colonizadores espanhóis, ouro e pedras preciosas, por contas coloridas e brilhantes, ou como aquelas mulheres fáceis, que só dizem sim, a troco de um sonho de valsa, uma jóia falsa ou um corte de cetim, como cantava a Gal Costa.

Mas esta ferragem falsa a imitar ouro estava a cinco euros no chão de uma feira e lá a trouxe comigo, onde se encaixou mais ou menos bem no gosto quase eclesiástico com que está decorada a minha casa.
Não sei de que material é feita, mas é muito pesada. Talvez seja uma liga qualquer de bronze e parece-me ser uma coisa do século XIX ou inícios do XX, correspondendo aquele gosto vitoriano, em que todos os estilos são válidos, desde o gótico ao barroco, passando pelo Luís XVI, mas não tenho a certeza. Poderia ser um ornato de um desses móveis de gosto pesado do século XIX ou de uma qualquer peça de mobiliário litúrgico. No centro, apresenta uma espécie de globo, ladeado por uma tira onde talvez pudesse ter existido uma etiqueta a identificar o produto guardado num qualquer armário, mas é arriscado emitir um palpite. Há uns tempos comprei um destes ferragachos pensando que seria a boca de uma fonte e afinal era a pega de uma banheira antiga.

Em todo o caso não falta um certo charme a este objecto, a que um amigo meu, o Luís Miranda, chamaria um apanha-pó, porque é mais um coisa em casa a limpar o pó. Contudo, há qualquer coisa de irresistível nestes objectos cuja utilidade já se perdeu há muito.

15 comentários:

  1. A peça é bonita.
    Achei imensa graça ao "apanha-pó"! É mesmo uma definição perfeita! Também tenho muitos apanha-pó inúteis, que comprei só porque acho peças bonitas. Mas dão uma trabalheira a limpar o pó. Detesto limpar pó.

    Venho aqui sempre ver as suas peças novas:)

    Boa noite:)

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    1. Isabel.

      Obrigado pelo seu comentário. Também me deliciei com a expressão apanha-pó, que define na perfeição o lado pouco prático do coleccionismo de velharias e objectos sentimentais.

      Também não gosto de limpar o pó e confesso que a minha casa anda um bocadinho desleixada.

      O sentimento de coleccionar objectos é mais forte que o nosso lado prático.

      um abraço

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  2. É muito bonito este "ferragacho".
    Parece pronto a suportar uma vela mas não sei se a imagem me induz em erro.
    A fotografia está perfeita. Belo cenário.
    Boa tarde, Luís!:))

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  3. Ampliei a fotografia e observei que não podia ser para uma vela. Deve ter ornado uma porta deslumbrante.
    Um abraço!:))

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    1. Ana

      Também me parece que seria a ferragem de algum armário num estilo pesado de uma casa vitoriana ou de uma igreja, mas não tenho mesmo a certeza.

      Normalmente tiro em média umas vinte fotografias aos objectos de modo a apanhar-lhe o ângulo mais favorável e a esconder os pormenores piores, como a vista da cozinha, que anda sempre um bocado abagunçada. Neste caso, consegui apanhar um bocado do cortinado de damasco com passamanaria dourada e um registo antigo, que forneceram o cenário ideal à peça.

      Um abraço

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  4. Eu não gosto de dourados e nem de cetins, enfim de brilhos, mas a peça é bonita e ficou bem na parede. preferiria no ferro ou na liga puros.
    adorei o sonho de valsa, a joia falsa, aliás o texto tá ótimo! vc escreve super bem! abraços.

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    1. Jorge

      Obrigado pelas palavras simpáticas.

      Quando apresento uma peça tento sempre dizer qualquer coisa sobre ela, para além de uma descrição física. Muitas vezes estes simples objectos levam-nos a reflectir sobre o hábito do coleccionismo e as razões que nos levam a comprar peças antigas e inúteis e em consequência, os textos então tornam-se um bocadinho mais literários.

      Um abraço

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  5. Boa-tarde Luís,

    Quando olhei pela primeira vez para esta peça, pareceu-me um suporte para uma vela...só depois percebi que a zona que se me afigurava ser o local de encaixe da dita, era na verdade uma tira que abarca o tal "globo"...
    No entanto, podemos tirar uma conclusão:
    - Essa peça tinha uma posição certa para ser colocada, pois é assimétrica, o que a tornaria deselegante se por exemplo a pusesse na horizontal.
    Tenho para mim que deveria ter tido como finalidade ornamentar alguma peça de mobiliário, como por exemplo aquelas cómodas enormes em pau santo, ou pau - rosa, e repletas de ferragens.
    Adorei o "apanha - pó", e como diria uma amiga minha, essa é de "gritos e apitos" ;)

    Beijinho

    Alexandra Roldão

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    1. Alexandra

      Concordo com a sua afirmação. Esta peça tinha uma posição certa para ser colocada, na vertical. No entanto, ela não tem uns furos para passar parafusos, nem um gancho ou qualquer outra coisa que servisse para a fixar num móvel ou numa porta. Também estou à espera da opinião do Manel, que nestas coisas técnicas é sempre bom.

      Adorei os gritos e apitos. Lol

      Bjos

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  6. Luis,

    Tenho andado cheio de não sei o quê e muita coisa vai sendo deixada para depois... Ainda vou olhar o anjo do post anterior.

    Vc já disse várias vezes que tem esta atração por objetos vistosos e curiosos. Ainda bem que encontra paredes, ou cantos para que não se tornem uma pilha de mistura de tudo quanto é coisa... O meu caso um pouco, agravado pelas enchentes.

    Também ampliei a foto para ver se aquele aparente anel do centro era vazado para suportar um braço de luz, gancho de cortina, etc. Agora me veio a ideia que talvez seja uma peça sem "utilidade" a não ser a de fazer par com uma outra realmente vazada... Talvez.

    Um abração.

    ab

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    1. Amarildo

      A minha coisa é uma verdadeira loucura e só lá podem entrar objectos que não ultrapassem os 20 cm.

      Talvez um dia, por acaso descubra um objecto igual a este, num antiquário, numa loja de ferragens ou quem sabe alguém me escreve, informando-me que tem um objecto igual em casa que faz parte de um armário.

      Um abraço

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  7. É interessante que tens sempre esta inclinação para estes "ferragachos", como lhes chamas. Uns instantes antes de teres visto esta peça, já eu tinha visto a banca do vendedor e, claro ... não tinha reparado em nada, pois o meu olhar, como creio que o da maior parte das pessoas, é seletivo.
    Quando não encontro utilidade prática para as coisas não as vejo.
    Isto é, se ela não serve para os meus restauros que tenho em mente ou entre mãos, se não tem uma utilidade prática no quotidiano, então passo sem ver, e foi o que aconteceu com esta peça.
    Depois de a ver separada do resto do ferro velho onde a encontraste, ela até fica bonita, e com uma poética muito própria.
    O dourado é rico, e parece-me antigo, o trabalhado da peça também é muito bonito, no seu gosto rocaille, mas estou tão às cegas como tu, quanto à sua utilidade.
    Tal como várias pessoas referiram, poderá ter sido uma ferragem de um grande armário cheio de embutidos em materiais nobres e preciosos (já estou a delirar, pois já vejo um grande armário de uma biblioteca, cheio de embutidos em tartaruga, ébano e palissandro, à mistura com bronzes dourados) - mas não te poderei ajudar nem agora, nem quando a vi a primeira vez, no momento que a adquiriste.
    Como somos peritos em colecionar "apanha-pós", é mais um!
    Eu já nem ligo ... arranjo-lhe um sítio e ... esqueço-me que vai ficar cheio de pó, como as centenas de pratos e demais quinquilharia que pulula pelas minhas paredes!
    Manel

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    1. Manel

      Já coloquei não sei quantas hipóteses para a função original desta peça. Já me lembrei dos antigos móveis de farmácia. Muitos destes estabelecimentos comerciais desfizeram-se de móveis fantásticos dos fins do XIX, inícios do XX para comprar umas porcarias assépticas de plástico. Recentemente, em Vinhais, estive numa farmácia onde tinham uns móveis de nogueira assombrosos. Quando lá voltei passado um ano, já os tinham empadeirado e colocado uns móveis novos, brancos e desinfectados.

      Um abraço

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  8. O Luis tem um gosto muito peculiar e consegue descobrir coisas nas feiras de velharias que eu dificilmente detetaria. Mesmo que as visse não saberia que uso lhes dar e deixá-las-ia sossegadinhas no mesmo sítio.
    A verdade é que às vezes vale a pena olharmos para coisas diferentes e descobrir-lhes o encanto. Assim exposta e bem fotografada a peça ganhou nova vida, beleza e realce.
    Há aqui uma certa magia... nas imagens e no texto.
    Bjos

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    1. Maria Andrade

      Como na minha casa não cabe mais nada, parece que ando sempre a procura de coisas pequenas que se encaixem aqui e acolá. E depois tenho mesmo uma certa atracção por estes objectos inúteis. Há pouco assisti a uma conferência a propósito do livro do Gastão Brito e Silva do Ruin'arte, em que o Prof, Vítor Serrão fala de um conceito novo, que é o direito à inutilidade do monumento.

      Relativamente a esta peça de que não sei nada, o texto tornou-se um pouco mais literário, uma reflexão sobre o que nos leva a comprar estas inutilidades.

      bjos

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