sábado, 7 de fevereiro de 2015

Uma caneca de faiança do Norte

Esta caneca de faiança foi comprada pelo meu amigo Manel a um dos descendentes de António Capucho, que para quem não saiba, foi um dos mais importantes coleccionadores de cerâmica em Portugal. Por essa razão, esta peça tem desde logo uma marca de qualidade e de certa forma um peso histórico. Manusear ou admirar esta caneca colorida é experimentar estar dentro da casa de António Capucho, rodeado das melhores faianças portuguesas.

O Manel e eu temos dificuldade em atribuir esta caneca um fabrico em particular, pois não está marcada. Conhecemos a fonte de inspiração da sua decoração, que é motivo decorativo país produzido pela fábrica de Miragaia, entre 1822-1850, que por sua vez uma é adaptação livre do padrão View in the Fort Madura, da Herculaneum Pottery, de Liverpool.
Covilhete de Miragaia. Foi o motivo decorativo desta peça que serviu de inspiração à Caneca do Manel

 Através do catálogo Fábrica de Louça de Miragaia. - Porto : Museu Nacional de Soares dos Reis, 2008, sabemos que as Fábrica de Santo António de Vale da Piedade em Gaia e Viana, no Minho copiaram este motivo, mas aqui, neste círculo de blogues já se apresentaram mais peças, que são uma variante deste motivo país e para os quais ninguém conseguiu fazer uma atribuição fundamentada. 

Presumimos que será do Norte, até porque o motivo País começou em Miragaia, no Porto. Mas, em meados do século XIX e até já antes de 1848, conforme mostrou Laura Cristina Peixoto de Sousa na sua tese A Fábrica de Louça de Santo António de Vale de Piedade, em Gaia: arquitetura, espaços e produção semi-industrial oitocentista, as fábricas do Porto e Gaia tinham tornado moda a louça com coloridos fortes. Fervença, Bandeira e Santo António de Vale da Piedade produziram esta loiça muito colorida. As escavações arqueológicas feitas diante da Cadeia da Relação, (1899-90) na cidade do Porto, trouxeram à luz do dia muita desta louça de cores vivas, datadas entre 1850-1870. 
As escavações feitas diante da Cadeia da Relação, (1899-90) na cidade do Porto, trouxeram à luz do dia muita desta louça colorida, datadas entre 1850-1870. Repare-se nas canecas no canto superior direito. Itinerário da faiança do Porto e Gaia. Lisboa: IMC, 2001
Aliás na referida tese Laura Cristina Peixoto de Sousa, encontrei uns quantos fragmentos de canecas coloridas fabricadas por Santo António de Vale da Piedade antes de 1848.
Foto de Laura Cristina Peixoto de Sousa  A Fábrica de Louça de Santo António de Vale de Piedade, em Gaia: arquitetura, espaços e produção semi-industrial oitocentista

Contudo, entre 1840-70, existiam tantas fábricas no Porto em Gaia, das quais conhecemos tão pouco,  como as Fábrica do Alto da Fontinha, das Palhacinhas, do Carvalhinho, da Afurada ou do Senhor do Além, entre outras, que talvez também tenham produzido louça com um colorido vivo, que afirmar que esta caneca é Santo António Vale da Piedade, Miragaia ou Afurada, significa correr um grande risco e escrever um disparate.

Em suma, este não é um post conclusivo, é antes uma exposição de várias hipóteses plausíveis sobre o fabrico desta caneca de grandes dimensões.

Em todo o caso, seja ela, o que for apresenta todas as qualidades que tornam a faiança portuguesa do século XIX tão atractiva, a ingenuidade e um traço rápido de pintura.

14 comentários:

  1. Caro Luis,

    A caneca é maravilhosa, tem uma decoração espectacular!

    O Manel está de parabéns por ser o seu dono, e a caneta tem uma história interessante.

    O Luis também está de parabéns, a sua postagem está impecável, como sempre. É um superior prazer ler as suas portagens.

    O cuidado que coloca nas mesmas, acerca da eventual identificação das origens das peças é muito elevado e só demonstra superiores conhecimentos, para não haver a leviandade de atribuição da origem, do fabrico, ou da época, como todos os dias vemos....

    Parabéns! É uma grata satisfação despender tempo de ócio em leituras tão avalizadas.

    Um abraço.

    Jorge Gomes.

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    1. Jorge

      Que palavras tão simpáticas. Agradeço muito.

      Julgo que quando apresentamos uma peça de faiança num blogue não é necessário concluir sempre com uma atribuição a uma fábrica em particular ou até a uma cidade. No fundo, estes posts servem para arrumar ideias, sistematizar as leituras que se fizeram e enumerar as dúvidas que as peças nos despertam.

      Muitas vezes a solução para a identificação de uma faiança vem mais tarde, quando descobrimos uma peça marcada igual, num livro, numa publicação ou num post noutro blogue. As soluções para estes mistérios da faiança sem marcas chegam aos poucos, passado um, dois ou três anos, através da comparação.

      Até lá, vamo-nos também divertido a fotografar estas pequenas maravilhas, a admira-las e a tentar fazer comparações, que um dia nos possam fazer chegar a uma conclusão sobre os seus fabricantes.

      um abraço

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  2. Que bonita é esta peça! Nunca me canso de a admirar.
    Tem sido uma fonte de inspiração para algumas das peças que entretanto fui adquirindo, pois a combinação cromática é fantástica.
    Da faiança internacional que conheço, a portuguesa tem talvez uma das mais belas combinações de cromatismo e linha livremente desenhada que se aliam de forma absolutamente fantástica.
    Não quero parecer chauvinista, pois tenho sempre receio de padecer desta forma pouco moderada e parcial de ser, mas quanto mais a conheço, à faiança portuguesa, mais me apaixono por ela.

    Não tenho certezas quanto à proveniência desta peça, apenas tenho a intuição que seja do Norte, da região de Gaia, mas seja de onde for, é uma peça muito bonita.
    Agradeço-te o texto, que ficou muito bom, e que demonstra toda a nossa incerteza sobre a sua origem
    Manel

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    1. Manel

      Apreciei a tua definição das características da faiança portuguesa "combinações de cromatismo e linha livremente desenhada que se aliam de forma absolutamente fantástica."

      Um abraço

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  3. Bem ,tenho deixado de comentar ,para não me repetir,pois tenho receio de ser chata.
    Mas os posts do Luís são sempre tão bem feitos,tão interessantes( que é um superior prazer ler suas posta-
    gens)como diz Jorge Gomes.Aliás ,eu já o tinha dito há
    tempos.Parabéns ao Manel por mais esta compra,pois já
    nos habituou a escolhas magníficas.Só as cores da caneca já nos enchem os olhos,mesmo sem se saber a
    sua verdadeira origem,nortenha é sem dúvida .A primeira
    foto, na sua simplicidade está um mimo,as cores dos
    citrinos casam muito bem com as da caneca.
    Parabéns, também para o Luís,pois tenho quase a certeza que vai deslindar este enigma,como fez com a
    chávena que postou anteriormente que aliás é uma beleza,as cores parecem as mesmas,será S .A.V.P? Graciete

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    1. Quero agradecer-lhe o comentário Graciete, e a mim nunca me aborrece lê-los, pelo contrário, mostra como é uma pessoa cheia de sensibilidade.
      Quanto ao "habituá-la a estas escolhas magníficas", não acredite muito nisto.
      O que acontece é que o Luís só escolhe as melhores peças que vou adquirindo, pois há muitas outras que entretanto compro, mas que não são tão bonitas como esta, no entanto, quando as adquiri, agradaram-me por quaquer outro motivo.
      Quem me dera que todas a peças que compro tivessem esta qualidade!
      Manel

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    2. Graciete.

      Não é nada chata,pelo contrário. Os comentários são sempre bem vindos e muito estimulantes.

      A hipótese de a caneca ser Santo António Vale da Piedade é muito tentadora. Eu também achei isso, mas há nenhuma prova concreta, nenhum dado que nos permita concluir que é Santo António Vale da Piedade.

      A primeira foto é uma brincadeira à volta das naturezas mortas, género que aprecio particularmente na pintura. Os limões e tangerina do quintal do Manel jogaram lindamente com as cores vibrantes desta caneca.

      Um abraço

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  4. É muito linda é, Manel, com uma decoração vibrante e um esmalte de qualidade! Dada a proveniência, não é de admirar que assim seja...
    Luís, adorei a primeira fotografia com as frutas nas cores da caneca. Que classe!
    Quanto ao fabrico, a mim parece-me gritar Gaia :) e pus-me logo a fazer comparações com os fragmentos de canecas da FSAVP que o Luís aqui mostra e com a chávena do poste anterior, mas seja lá de onde for, como aqui ambos dizem, é um belíssimo exemplar da nossa faiança popular!
    São imagens destas que nos alegram os dias!
    Obrigada pela partilha e parabéns ao Manel pelo achado.

    Beijos

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    1. Pedindo desculpa ao Luís por ir respondendo igualmente aqui e ali, quero agradecer-lhe o comentário Maria Andrade.
      Foi um golpe de sorte. Não posso queixar-me, pois de vez em quando lá vou tendo esta ou aquela oportunidade, à mistura com dissabores, mas afinal é assim mesmo a vida da pessoa que vai comprando nas feiras.
      Mas a peça é um encanto, lá isso é verdade.
      Mas a Maria Andrade também vai encontrando igualmente belíssimas peças, sobre as quais faz pesquisas detetivescas fantásticas, como o nosso amigo Luís, e ainda bem que assim é.
      Um abraço
      Manel

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    2. Maria Andrade

      A fotografia das faiança ou porcelana presta-se muito a estas brincadeiras com pintura, nomeadamente a natureza morta.

      Na casa do Alentejo do Manel tenho todos os elementos para fazer estas brincadeiras. Tenho a luz, a tijoleira do bancos quintal e frutos e flores o ano inteiro.

      Em minha casa, pelo contrários, os cenários para as peças tem que ser os azulejos, os tecidos ou os dourados das molduras.

      Não é muito científico fotografar peças com estes cenários todos. Mas nós não estamos a trabalhar para editar um catálogo de arte e procuramos também um certo divertimento no meio disto tudo.

      Também me parece certo que esta Caneca será de Gaia.

      Bjos

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  5. Uma só Palavra da Minha Parte: MARAVILHOSA. tudo o resto ja foi dito pelos intervenientes anteriores, pelo que assino sem dúvida alguma. Parabens pela partilha. Leonel Ferreira.

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    1. Caro Leonel Ferreira

      Muito obrigado pelo comentário e um grande abraço para si

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  6. Luis

    A caneca que nos apresenta e uma peça especial e muito bonita: pelo formato, pelas cores, pelo desenho, pelo esmalte. Mas, a primeira razão, como muito bem refere, e o facto de ter integrado a colecção de Antônio Capucho o que lhe da um estatuto especial.
    Tive o privilégio de o conhecer pessoalmente. Era um Senhor. Recebeu-nos com uma cordialidade e simpatia, dignas do seu grande conhecimento, que não se importava de partilhar. Ainda pude ver a sua magnífica colecção, no local por ele idealizado e concretizado.

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    1. Cara Ivete

      Também gostaria de ter conhecido pessoalmente António Capucho e tentar aprender tudo aquilo que a sua experiência de colecionador lhe proporcionou e que não deixou escrito. A casa dele conheci-a só através de fotografias e fiquei fascinado a pensar, "um dia quando tiver uma casa grande, quero que seja qualquer coisa parecida com isto".

      Um abraço

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