sexta-feira, 8 de maio de 2015

S. Juliana de Nicomédia ou os prazeres do "bondage"


Quando no blog me faltam os temas, recorro sempre às estampas religiosas, objectos que estou sempre a comprar, sem saber exactamente o que me motiva, pois não sou crente. Com o passar dos anos desenvolvi um gosto quase eclesiástico e encanto-me em encher a casa com estes objectos piedosos e que, muitas vezes para o olhar de um ateu empedernido, acabam por ter uma certa conotação erótica, que as torna deliciosas.


Foi talvez por essa razão que comprei esta gravura representando uma S. Juliana de Nicomédia num turbilhão rococó absolutamente divertido, gravada em Augsburgo por Johann Baptist Klauber (1712-1787?) e Joseph Sebastian Klauber (1700?-1768), acerca dos quais já aqui escrevi e sobre a influência das suas produções na arte portuguesa. 

A história do martírio de S. Juliana é exactamente igual à de Santa Catarina de Alexandria ou Santa Bárbara ou à de muitas outras mártires do tempo das grandes perseguições aos Cristãos ordenadas pelo Imperador Diocleciano (284-305). Juliana era uma jovem que praticava o Cristianismo em segredo, quiseram-na casar com pagão, recusou-se e foi presa e objecto das mais horríveis torturas, como por exemplo, mergulhada num caldeirão com chumbo em estado de fusão. Enquanto sofria estes horríveis suplícios, Juliana era tentada pelo diabo, mas manteve-se firme e açoitou-o com as grilhetas da prisão e um chicote. A pobre Juliana acabou por ser decapitada em 304, em Nicomédia, a sua cidade Natal, que se situava na província da Bítinia, actual Turquia.

Esta minha estampa representa precisamente S. Juliana acoitando dois animais raivosos, com um chicote e uma grilheta. Contudo, ela não é apresentada em sofrimento, pelo contrário. É uma figura triunfante, que pisa e chicoteia Satanás, como se estivesse divertida e a tirar prazer desse acto, quase como se fosse uma adepta daquela prática sexual, que os ingleses designam por bondage.
 

Alguma Bibliografia:

Iconographie de l’art chrétien / Louis Réau. Paris: Puf, 1998

19 comentários:

  1. Queridos amigos e amigas.
    Ando cuidando da saúde e de tentos afazeres que não nos deixam, mesmo quando precisamos tanto sossegar. Mas é a nossa vida.
    Por isso sem o devido tempo para as postagens dos amigos e sem ânimo e motivação para as próprias.
    Mas estou recomeçando com uma postagem de Cerâmica Portuguesa. Talvez Bordalo.
    Então voltarei aqui, se a Providência o permitir, para uma visita agradável e com o devido olhar e atenção que cada postagem de vocês merece.
    Até.
    Um abraço.
    ab

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    1. LuisY9 de maio de 2015 às 23:10

      Amarildo.

      Confesso que já tinha pensado em si e na sua ausência, que sei que tem sido motivada por motivos de saúde.

      Espero que recupere a sua saúde ou pelo menos o ânimo. Escrever no blog para mim é sempre terapêutico, pois é sempre uma forma de comunicar com pessoas que estão longe e com as quais acabamos por estabelecer pequenos elos.

      Estarei atento ao seu blog para ver as suas peças de Bordalo.

      Um abraço

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Luis,

      Obrigado.

      Eu que sou crente mas não piegas, eu acho, tenho ainda mais motivos para apreciar estas gravuras sacras. Sobretudo com temas da Natividade e afins como já falamos. Mas estas de Mártires sempre são interessantes.

      Esta Santa não conhecia (que rogue por nós mesmo assim).

      Se não tivesse a legenda a tomaria por S. Marta (não sei qual delas) ou umas outras que têm este mesmo tipo iconográfico: dominando feras e demônios...

      A sensualidade parece ser inerente ao modelado das damas do XVIII, independente se cavalgam animais, etc. ou se recolhem-se em preces ou modéstia ante galanteios...
      Também andei pegando umas gravuras, temas variados. Vou fazer um post mix (que você não gosta muito) só para agilizar e registrar as aquisições (nada de importante mas faz parte de nossa vida). Por estes dias, por falta de recursos perdi ou de ousadia perdi maravilhoas peças de estatuária (Devezas, SAP). Uma pena, Porque estas peças estão quase empatando com as sacras no meu gosto pela Arte.

      Um abração.

      ab

      Depois apaga o borrado.

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    4. Amarildo

      Como sou um homem que gosta de navegar contra a corrente e como este é um blogue de memórias, simpatizo sempre com estes santos e mártires da Igreja de que já ninguém se lembra e que passado foram objecto de ardentes devoções. É um pouco como evocar as ninfas, ou as divindades do antigo mundo romano. Há qualquer coisa de profundamente poético em relembrar o que está profundamente esquecido de todos. Aliás, a história como ciência surgiu durante o romantismo no século XIX.

      Um abraço

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  2. Dominatrix. Chicotes! kkkk Adorei. Santa Juliana é dona da situação. Poderosa.
    Como são boas e esclarecedoras as estampas piedosas. As heroínas são triunfantes. E dominadoras.
    Continue postando as estampas, mesmo que seja quando não há "coisas melhores". Elas preenchem bem os intervalos. São uma respiração.
    Abraço.

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    1. Caro Jorge

      Tenho presente que os meus post sobre estampas religiosas são menos populares que os de cerâmica, no entanto tem um público fiel, entre os quais se conta o Jorge.

      Sei que neste texto exagerei um bocadinho na análise que fiz da estampa. A pobre S. Juliana que teve um martírio horrível, talvez não devesse ter sido comparada a uma "dominatrix", mas não consegui deixar de o fazer. Há qualquer coisa de muito sexual neste turbilhão barroco em que Santa pisa, chicoteia e prende o diabo. Se estivesse vestida de latex preto, o quadro erótico estaria completo.

      Um abraço

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  3. Olá,Luis
    Passei para lhe desejar um bom fim de semana
    A si e ao Manel
    Um abraço a ambos

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    1. Grace

      Muito obrigado e um bom fim-de-semana para si.

      Um abraço

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  4. Adoro os seus santos e santas.O Luís consegue dar-lhes uma leitura nada convencional o que torna estes seus posts interessantíssimos.Como sempre, desperta-nos para a leitura de assuntos que abordados de outra forma, seriam lidos muito rapidamente e em diagonal. Continuo a achar que devia pensar seriamente em escrever um livro a partir deste blogue, mas sem grandes alterações. Fosse eu editora e apostaria fortemente no formato que o Luís aqui tão bem desenvolve.
    Um abraço

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    1. Maria Paula

      Obrigado pelo seu comentário tão simpático. As editoras normalmente interessam-se por textos escritos por gente conhecida, autores consagrados ou gente do meio jornalístico. Como não sou uma coisa nem outra...

      No fundo escrevo aquilo que muita gente pensa quando está num museu a ver pinturas de arte sacra. Somos incapazes de experimentar um sentimento de devoção, mas admiramos a riqueza dos trajes, as paisagens lá ao fundo ou estamos mais atentos a conotação erótica de uma obra, que talvez uma pessoa que vivesse no século XVIII se recusaria a admitir perante si própria, quanto mais em público.

      Bjos

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  5. O que escreveste está no limite da imaginação, pelo menos para um pecador como eu.
    Mas a associação está bem estabelecida, eu é que não me lembraria de a fazer.
    Agora que vais ser excomungado, bem ... se o papa sabe não sei bem o que acontecerá.
    No entanto, se fosse o Alexandre VI, creio até que ele te ensinaria umas quantas coisas, que extravasariam mesmo as imaginações mais poderosas.
    Há casos que a realidade ultrapassa toda a imaginação!
    Manel

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  6. Manel

    Concordo, para o Papa Alexandre VI esta associação entre S. Juliana e o bondage pareceria pueril. Muito embora este Papa da família Bórgia fosse um devasso era um mecenas das artes e creio que terá sido o primeiro a tentar estabelecer em Roma um regime de protecção dos monumentos da antiguidade .

    Em todo o caso esta estampa de S. Juliana acaba por ser uma obra divertida, quer pela composição movimentada, quer pelo significado algo dúbio do tema.

    Um abraço

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  7. Lá fiquei a conhecer mais uma santa martirizada que aqui afinal se apresenta como mulher poderosa, dominadora!!! (essa do bondage foi muito à frente... :))
    A estampa é irresistível, com todos aqueles elementos rococó e o movimento que foi dado à figura com o chicote no ar e as vestes a esvoaçar...
    Eu, que não tenho a imaginação do Luís, ter-me-ia ocupado a traduzir as inscrições e pouco mais. Mas consigo podemos contar com postes destes, cheios de imaginação e de humor, para além das histórias geralmente trágicas associadas às figuras.
    Continuo fã! :)
    Beijos

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    1. Maria Andrade

      Os momentos em que me sinto mais acabrunhado ou sem assunto, correspondem às alturas em que aguço mais o meu sentido de humor e que experimento mais uma certa tendência para o "nonsense". Creio que é uma forma de reagir à tristeza pela qual somos muitas vezes tomados.

      No caso, desta estampa, se nos abstrairmos do significado religioso, que também está lá temos uma imagem cheia de movimento barroco, muito divertida, que um fotografo contemporâneo não hesitaria em fazer igual, usando como modelo uma jovem vestida com roupas de latex do Jean-Paul Gaultier, em atitudes de dominadora. A própria Madona, se tivesse tido conhecimento desta gravura não desdenharia usa-la como fonte de inspiração para um dos vídeo clips do álbum Erótica.

      Bjos

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  8. Só oLuís para me fazer sorrir e ler duma ponta à outra algo cujo tema em princípio me levaria a passar à frente ou quanto muito a ler na diagonal como faço tantas vezes...Parabéns!
    Ana Silva

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    1. Ana Silva

      Desculpe só agora lhe responder.

      Estes registos de santos podem ter também uma leitura muitíssimo divertida. Por detrás do significado religioso, há sentidos duplos, que tornam a arte sacra fascinante mesmo para o mais empedernidos dos ateus.

      Um abraço

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  9. Luís,
    Esta estampa também é bonita.
    Parabéns por a ter adquirido.
    A sua narração é brilhante: foca o esplendor de S. Juliana de Nicomédia.

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    1. Ana

      Obrigado pelo seu comentário sobre esta s. Juliana de Nicodémia, que aqui tentei trazer do esquecimento.

      bjos

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