quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Uma paisagem com casario ou a vontade partir


Já há uns tempos que tinha este azulejo guardado, à espera de melhores dias. É antigo claro, provavelmente do século XVIII e fez em tempos parte de um painel qualquer, representando uma cena complicada. Talvez fosse o fragmento de uma paisagem, que serviu de pano de fundo a um episódio da vida de Cristo ou ao martírio de um santo. Quem sabe?

Mesmo perdido irremediavelmente do conjunto de que fez parte, este azulejo não perdeu a sua beleza. Recorda-me as paisagens com casarios que muitas vezes decoram os pratos e as travessas de faiança, mas tem também qualquer coisa de apontamento impressionista. Quem o pintou pretendeu sugerir a quem o via, a impressão que provoca uma paisagem vista ao longe, como se estivéssemos num navio e víssemos a terra a afastar-se progressivamente.
 

Talvez por essa razão, Quando olho para ele recordo-me do desejo que temos muitas vezes de partir de viagem, um impulso que tem a mais a ver com o sentimento de querer partir e menos com o de chegar a um destino, onde nos reencontraremos novamente com os nossos problemas, as nossas limitações e o mesmo medo de sempre.

Nestas últimas obras que fiz em casa, aproveitei para colocar este azulejo na parede, junto a uma estante em acrílico, onde tenho uma série de faianças expostas e assim quando os olhos o descobrirem, no meio da tralha toda que tenho, poderei experimentar uma vez por outra o estranho sentimento de querer partir, sem querer chegar ao destino.
 
 

14 comentários:

  1. Lindo o azulejo, e para mim ele está completo em si, sozinho assim. Mas lindo mesmo foi este seu texto, este depoimento tão pessoal, deixado aqui para todos nós.
    abraços!

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    1. Fábio

      Obrigado.

      Há peças como este pequeno azulejo que já tem uma história em si. Parece que basta apenas passa-la a escrito no computador.

      Um abraço deste outro lado do Atlântico

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  2. Luís

    Vontade de partir ou ânsia de chegar. Perante a serenidade que a quietude das águas proporciona... não sei qual é a vontade maior.

    Bom fim de semana

    if

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    1. Ivete

      Por via de regra, não sou muito dado a posts alusivos à época do ano, a quadras festivas ou dias comemorativos. Mas este azulejo é tão inspirador, que o desejo de viajar e os sentimentos contraditórios que por vezes nos despertam nesta altura de férias, surgiram espontaneamente como temas deste pequeno texto. E depois, como respondi ao Fábio, parece que este azulejo já tinha uma história contida nele que era preciso contar.

      Um abraço

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  3. Luís,
    Mais um bonito azulejo aplicado nas suas paredes! E com um motivo completo em si, independentemente do conjunto a que pertenceu originalmente.
    Gostei muito da apresentação poética que aquela paisagem lhe sugeriu! A mim também me assalta por vezes a ânsia de partir, mas há amarras tão fortes que nos prendem ao mesmo lugar!!!
    Um grande abraço de amizade

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    1. Maria Andrade

      Poucos serão os afortunados que poderão partir sem um destino certo e viajar erraticamente, em que importa mais a viagem do que a cidade ou terra pretendida.

      A maioria de nós leva uma existência burguesa, com filhos, netos, empregos, casas por pagar e o partir só nas férias, com datas e alojamentos marcados e com muita antecedência. Digamos que o factor aventura nos está negado. Ainda para mais como somos acumuladores de loiças antigas e velharias, mais presos a um lugar estamos.

      O que escrevi acerca deste azulejo, que é sem si suficientemente inspirador, foi também resultado da leitura de duas biografias sobre Imperatriz Elisabeth, a célebre Sissi, escritas por Nicole Avril e Catherine Clément, que descrevem esta personagem errática, esta viajante incansável, que procura sobretudo o prazer da fuga e menos o usufruto do lugar de destino.

      Bjos

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  4. Eu vivo numa confusão permanente. Quando penso em férias quero ir, viajar, compro bilhetes, mas na véspera de partir raro não fico arrependido. Penso sempre "Mas para que é que fui eu compar viagens?" "Mas que chatice, deixar a minha casa, que tão bem me estava a saber agora!" ... um anacronismo!
    Claro que vou, é lógico, e acabo por gostar das viagens que faço, quase sempre planeadas ao pormenor, quando não conheço o destino, mas fico sempre a pensar que o melhor teria sido não partir.
    No entanto, se não viajo, fico sempre com vontade de ter ido!!!! Debato-me sempre neste dilema, que não sei resolver. É sempre uma equação irresolúvel, as quais tanto trabalho me davam quando estudei Matemática!

    Mas o azulejito até que nem ficou mal.
    No entanto, já sabemos que colocar um azulejo num local para o qual, aliás, foi feito, nunca se erra.
    Manel

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    1. Manel

      Eu ainda sou um viajante mais organizado e previsível que tu. Sou daqueles que trazem consigo o guia Michelin e seguem religiosamente as suas indicações. Há uns anos um amigo meu que foi comigo a Praga e Budapeste comentava que para mim, o que não constava no Guia Michelin não tinha pura e simplesmente existência material.

      Mas, por vezes gostaria de viajar como o fez a Imperatriz Elisabeth durante mais de metade da sua vida, e este azulejo, que parece representar uma terra que se afasta à medida que o navio avança despertou-me esse desejo, que obviamente me está negado porque sou um burguês previsível. No entanto, o desejo lá continua, assaltando-me de vez em quando, ainda que de uma forma mais literária que outra coisa.

      Como tu dizes, estes azulejos metidos na parede, parecem que foram feitos de propósito para aquele local.

      Um abraço

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  5. Que bonito!!! Ô rapaz de bom gosto!!!
    A postagem sobre a reforma na sala de banhos foi ótima. E que travessas gigantescas pelas paredes!!! Uai!!! Lindíssimas. Aqui no Brasil custam uma fortuna!!!!
    Parabéns, Luís.

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    1. Jorge

      Muito obrigado. Como a minha casa é uma mansarda e é toda ela muito irregular, permite fazer decorações menos convencionais, como colocar loiça inglesa na sala de banhos, misturadas com azulejos antigos e depois gosto sempre de meter uma nota de humor, aqui e acolá, que tem a ver com a minha própria personalidade.

      Um grande abraço daqui de Lisboa

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  6. Fantástico Luís, não sei o que dizer quando tudo já foi dito... identifico-me perfeitamente... Um grande abraço, jorge

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  7. Luís,
    Tão bonito esse azulejo com a paisagem inacabada. A singularidade torna-o mais belo, pelo menos para mim.
    Quanto a mim, foi só pena não deixar uma espécie de "moldura" em cima, ou seja deixar um espaço branco de todos os lados de forma igual.
    Desculpe a minha franqueza, defeito meu, não é por isso que ele deixa de ter beleza.
    Vontade de partir é sempre uma boa conjugação.:))
    Beijinho.

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    1. Ana

      Talvez este azulejo ainda arranje companheiros. O azulejo é um material versátil e eu continuo a catar todos os contentores de Lisboa. Deixei entre este azulejo e outro, que tenho solto, que representa um dragão, o espaço necessário a dois azulejos. A história vai continuar.

      Beijo

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