Há cerca de uns doze anos comprei este grande recipiente de barro preto, em Vinhais, num senhor que vendia velharias. Foi uma peça bem regateada, pois o vendedor, presumindo que eu era um finaço qualquer de Lisboa, queria-me fazer um preço alto. Comprei-o a pensar coloca-lo logo à entrada de casa, para pôr os guarda-chuvas. O que ainda hoje estou para perceber, foi como consegui encaixa-lo no carro que tinha na altura, um Fiat Cinquento, juntamente com dois filhos, um bonsai, fraldas, brinquedos e a bagagem para 15 dias de férias e ainda fazer 550 km de regresso até Lisboa com aquela tralha toda.
Na altura que o comprei achava que era barro preto de Bisalhães, uma localidade próxima de Vila Real, em Trás-os-Montes. Aliás, todos nós associamos sempre esta louça preta a Bisalhães. Contudo, num passado ainda não muito longínquo, esta louça de barro preto era feita em quase todo País, a Norte do rio Tejo. A Sul deste rio, só há registo de duas localidades que faziam louça preta, Flor da Rosa e Pinhal Novo.
Mesmo em Trás-os-Montes, houve outros centros oleiros, além de Bisalhães a fazer peças deste barro escurecido pelo fumo, em particular Vilar de Nantes, ao pé da cidade de Chaves e umas quantas aldeias vizinhas, nomeadamente Samoiões, Agostém e Selhariz. Em Bragança, na aldeia Cavelhe, também se fez barro preto, mas ao que parece por um oleiro vindo de Vilar de Nantes.
Na altura que o comprei achava que era barro preto de Bisalhães, uma localidade próxima de Vila Real, em Trás-os-Montes. Aliás, todos nós associamos sempre esta louça preta a Bisalhães. Contudo, num passado ainda não muito longínquo, esta louça de barro preto era feita em quase todo País, a Norte do rio Tejo. A Sul deste rio, só há registo de duas localidades que faziam louça preta, Flor da Rosa e Pinhal Novo.
Mesmo em Trás-os-Montes, houve outros centros oleiros, além de Bisalhães a fazer peças deste barro escurecido pelo fumo, em particular Vilar de Nantes, ao pé da cidade de Chaves e umas quantas aldeias vizinhas, nomeadamente Samoiões, Agostém e Selhariz. Em Bragança, na aldeia Cavelhe, também se fez barro preto, mas ao que parece por um oleiro vindo de Vilar de Nantes.
A este propósito, li dois textos muito interessantes de Isabel Maria Fernandes, publicados respectivamente no catálogo A louça preta em Portugal, olhares cruzados. - Porto: Centro Regional de Artes Tradicionais, 1997 e no nº 1 da revista Olaria. - Barcelos: Câmara Municipal de Barcelos, 1996, p 11-36, em que a autora além de fazer um levantamento de todos os centros produtores de barro preto, sistematiza as áreas geográficas, em que cada um deles conseguia comercializar os seus produtos, que naturalmente não era grande. As panelas, os cântaros e os púcaros eram transportados, às costas pelos homens, à cabeça pelas mulheres ou no dorso de animais de carga. Relativamente a Vinhais, as feiras desta vila eram frequentados pelos oleiros de Vilar de Nantes. Em suma, é mais provável que esta peça que eu comprei tenha sido executada por um pucareiro de Vilar de Nantes ou de uma das aldeias vizinhas.
Relativamente à função original que ele teve, eu que já fui criado na era do Tupperware tenho alguma dificuldade em identifica-la. Consultando os catálogos dos Museu de Etnologia, Arqueologia e Arte Popular acessíveis no Matriz.net, encontrei peças com formas idênticas, que são designadas por asados. Porém, também encontrei peças com este formato, com duas asas, mas designadas por panelas, embora apresentem menores dimensões, que este meu asado, com cerca de 37 cm de altura e 27 cm de diâmetro de área máxima no bojo. Presumo que fosse um utensílio para conter líquidos, já que tem um orifício a meio do corpo, tapado por uma rolhinha, que eu conservei. Aliás, tenho a ideia que as designações das peças de olaria variaram ao longo do tempo e também no espaço. Por exemplo, em Trás-os-Montes usava-se um termo com um nítido sabor galaico-português, o pichorro, para designar uma chocolateira. A própria palavra oleiro tem um uso relativamente novo. No passado, usava-se o termo pucareiro ou paneleiro para designar um oleiro. Só nos dicionários do século XX, o termo paneleiro parece com a conotação de pederasta sexualmente passivo, provavelmente por analogia entre as formas docemente arredondadas das panelas bojudas e as nádegas. As próprias panelas poderiam ter uma acepção mais vasta do que meros instrumentos para ir ao lume.
Em conclusão este asado, destinado a conter líquidos terá sido feito provavelmente em Vilar de Nantes, ou numa das aldeias vizinhas, num forno que era abafado, para o barro ganhar esta bela cor preta.
Bom dia Luís,
ResponderEliminarO objecto que publicas hoje, fez-me lembrar as "talhas" de barro preto que existiam.
Não me recordo se tinham esse orifício lateral ou se tinham asas, mas serviam para, por exemplo, curtir os pimentos no vinagre ou para conservar o fumeiro no "pingo", gordura resultante da feitura dos rojões.
Um abraço,
Berto
Humberto
EliminarObrigado pelo teu comentário.
Como escrevi no blog, eu vivi a minha infância num mundo onde estes objectos já não eram usados. Nessa infância, quando ia ao Norte, se por acaso me deparava com estes utensílios em barro não reparava neles.
Que ele me parece um objecto para conter, não me parece que haja dúvidas. No Alentejo, nas feiras de velharias, encontram-se muitas talhas antigas à venda e normalmente são de maiores dimensões e não apresentam asas. Mas, como nos sabemos, os nomes que davam aos objectos variavam muito de província para província. Recordo-me de muitas vezes os meus pais terem discussões acesas sobre as designações diferentes que se davam aos mesmos utensílios em Vinhais e em Outeiro Seco e as duas terras distam uma da outra cerca de 70 km, mas com montanhas que nunca mais acabam pelo meio.
Talvez se perguntares às pessoas mais velhas de Outeiro Seco, elas ainda saibam como se designava no passado este asado e para o que servia exactamente.
Um grande abraço
Sou nado e criado em Abrantes onde em miúdo privei com um oleiro e um louceiro, o oleiro fazia todo o tipo de recipientes em barro talhas potes vasos cântaros bilhas tijoleiras tijolo burro enfim uma enorme variedade de peças . O louceiro apenas fazia louça de cozinha, que vendia aos sábados de manhã no largo da feira e às segundas no mercado semanal fazia toda a louça de usada na cozinha , pratos alguidares escudelas asados púcaros toda a variedade de utensílios respeitantes aos alimentos . Este era altamente considerado ou outro era apenas o oleiro, ambos tinha oficina no lugar da Chainça na mesma rua .
EliminarAs técnica de cozedura era igual nos dois em forno a fogo directo durante 24h a lenha ,contudo o louceiro por vezes usava a da soenga que origina o barro preto, era apenas uma cova no chão cheia de louça e lenha que era coberta por caruma e terra e aquilo ardia uns dias até se apagar e a louça saía preta lembro me que era louça não vidrada acho que ainda existem duas peças pretas em casa de meus pais uma cafeteira e um bule.
Quanto ao buraquinho do asado falei com um amigo meu já com 90 e poucos e disse-me que deve ser o meio de aferir determinada quantidade de liquido um almude provavelmente .
Um abraço
Jose Bioucas
Caro José Bioucas
ResponderEliminarEm primeiro lugar, agradeço-lhe o cuidado de transcrever aqui os comentários que postou no facebook. Julgo, que introduzem dados novos interessantes ao tema deste post.
Pelo que li, a cor preta do barro poderia ser feita através de dois tipos de fornos:
- a soenga, que José Bioucas muito bem descreveu e que é o método mais primitivo, com origem no Neolítico;
- O forno circular de duas câmaras, cuja descrição transcrevo da obras "A louça preta em Portugal, olhares cruzados. - Porto: Centro Regional de Artes Tradicionais, 1997". "As peças eram cozidas num forno circular de duas câmaras, separadas por uma grelha. A lenha, essencialmente de giesta, era introduzida por uma abertura na câmara inferior (de combustão) e a louça era colocada na câmara superior (de cozedura) que não possuía cobertura. Uma vez colocada a louça, o topo do forno era tapado com latões, cacos e ramos. Na parte final da cozedura o forno era abafado, por forma a manter o fumo no seu interior, o que conferia a cor preta à louça assim produzida".
Estes dois tipos de fornos coexistiram pelo País fora, mas em Vilar de Nantes, de onde é provável que tenha vindo este asado, usava-se o forno circular de duas câmaras.
A sua explicação acerca do orifício faz sentido. Aliás é curioso que ele está colocado estrategicamente a meio do bojo.
Um abraço e obrigado pelo contributo
Gosto desta peça, pois é tão singela que atrai só por isso mesmo.
ResponderEliminarE a falta de vidrado ainda a faz mais bonita.
A forma de lhe dar a cor negra, segundo li há muito tempo atrás, e que até já escrevi no teu blog, aquando se tratou da louça de "Black Basalt", parece ser através de caruma de pinheiro (alguns autores consideram que esta caruma deveria ser verde) colocada em determinado momento da cozedura a céu aberto, após o que se cobre todo o conjunto com terra para deixar ir cozendo a louça em atmosfera redutora, ficando esta com cor negra. Aliás, este método parece ser corroborado pelo teu comentador José Bioucas.
Antes pensava que esta produção era típica de uma região, mas descobri mais tarde que era produzida também em Coimbra e, na continuação, pelo país todo, o que faz sentido quando afinal se sabe que na sua produção se utilizam técnicas tão primitivas.
Gosto do uso que deste a esta peça.
Manel
Manel
ResponderEliminarEste asado tem uma beleza intemporal, que é característica de muita da produção da olaria utilitária. São peças que repetem técnicas e formas centenárias ou até mesmo milenares. A cor negra acrescenta-lhe ainda mais beleza.
Os dois tipos de fornos aqui descritos são ambos muito primitivos e o efeito é o mesmo, uma atmosfera redutora, que torna a loiça preta.
Quanto ao material de combustão deve ter variado de zona para zona, consoante o que a natureza oferecia com mais quantidade. Recordo-me da minha mãe me contar que em Vinhais, no Distrito de Bragança, as giestas eram apanhadas pelas pessoas mais pobres, para fazer carvão, que depois era vendido de casa em casa.
Como referi no post, em todas as regiões a Norte do Tejo, esta produção de barro preto era muito abundante. Claro, hoje em dia, serão já poucas as olarias a produzir esta louça o e quando o fazem é para vender como recordação, como objecto de artesanato aos turistas. Já ninguém conserva alimentos nenhum nestes potes de barro preto.
um abraço
ola eu sou o Humberto seixas (JOCA)artesão descendente de vilar de nantes....
ResponderEliminaresta peça é um talhote de almude, ou de dez reis, depende da capacidade, do mesmo...
quanto ao orificio, se este é regular, e apurado circularmente, era para levar uma torneira de madeira o que duvido por estar muito a cima doque era habitual (no fundo), se este orificio é irregular então a rolha foi uma boa forma de remediar um acidente que ocorre desta forma quando o talhote esta cheio e bate em qualquer objeto,,,
quanto a cor negra, é obvio que esta peça foi cozida em forno circular de dupla camara, mas não foi o fumo que lhe deu a cor como consta nos livros de outrora, é o processo de redução, falta de oxigenio na curva maxima de cozedura 1000º mais ou menos e isto deve-se a inversão da silica.
como exemplo temos o mprocesso de fazer o carvão dos carvoeiros vegetais.
para terminar... é melhor que os registos e os dizeres dos nossos mestre avos e familiares continuem, a vigorar (a giesta verde faz mais fumo e dalhe nais cor)...obrigado por falarem em vilar de nantes.
Caro Humberto Seixas
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário. Os seus conhecimentos especializados trouxeram um contributo muito interessante a este post e achei as suas explicações técnicas muito interessantes. Fiquei a saber o nome deste instrumento de conter, um talhote.
A minha família paterna é do Concelho de Chaves e Vilar de Nantes não é um sítio que me seja indiferente. Uma tia bisavó minha, Maria da Conceição Alves (10.8-1876 a 12-07-1956)fundou e dirigiu o patronato de S. José em Vilar de Nantes, que acolhia raparigas pobres, instituição que creio que ainda hoje existe e cujo funcionamento é assegurado pelas Servas Franciscanas Reparadoras. Contei a sua história aqui, em http://velhariasdoluis.blogspot.pt/2010/02/ay-marieke-marieke-je-taimais-tant.html.
Um grande abraço
Pode ser de Selhariz. Se for talvez tenha assinatura Silvino Silva
ResponderEliminarcaro Anónimo
EliminarDesculpe só agora lhe responder, mas tenho estado de férias. Infelizmente esta peça não está assinada e eu sei pouco de olaria regional. Presumo que seja da zona de Vilar de Nantes, cujas peças chegavam à feira de Vinhais, mas é uma mera hipótese. Um grande abraço
Meu avô era pucareiro em Vilar de Nantes, ele percorria as feiras em lugarejos próximos com um burro carregado com as peças que fazia. Minha avó o acompanhava e os dois faziam escambo. Parabéns pelo post.
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário. Quem sabe se esta talha não foi comprada ao seu avô na feira de Vinhais.
EliminarUm abraço