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Pormenor da vida de S. João Baptista. Azulejos atribuídos a Policarpo de Oliveira Bernardes |
Recentemente voltei Beja com o Manel para mostrarmos a um amigo nosso brasileiro, o Fábio, aquilo que é uma espécie de capela Sistina do azulejo português, o Museu Regional de Beja, Rainha D. Leonor. É um daqueles monumentos únicos e nem sei como é que nenhuma autoridade local se lembrou ainda de candidatar aquele antigo convento a património mundial da UNESCO. Talvez as autoridades andem demasiado distraídas a procurar classificar chocalhos e bonecos de barro para se lembrarem do Museu Regional de Beja. Mas, enfim, não vou prosseguir com este assunto, pois não pretendo ensinar a ninguém as opções a tomar numa política de defesa do património.
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O claustro |
Na verdade, no meio de toda aquela azulejaria fantástica, de todas as épocas e estilos, que invade o interior do antigo Convento da Conceição, houve uma imagem de Deus Pai surgindo do alto das nuvens, que me chamou a atenção. A figura correspondia exactamente a ideia que eu tinha de Deus na minha infância, um senhor mais idoso, que via tudo e que saia lá do alto, para corrigir os erros dos homens, ou castigar meninos que mentissem. Cheguei a perguntar a minha tia Lalai se Deus conseguia realmente ver tudo lá do alto, mesmo as formiguinhas, e ela claro, respondeu-me sem quaisquer dúvidas que sim. Foi este Deus que acompanhou a minha infância, a quem pedia para fazer que eu não tivesse muitos erros no ditado, pois tinha medo das reguadas (os professores primários costumavam dar uma reguada por cada erro de ortografia). Foi também a este Deus que na minha adolescência eu pedia inutilmente que me fizesse igual a todos os outros. Claro, na altura não tinha estudado filosofia ou religião para saber que os negócios com o bom Deus não se fazem na base do toma lá, dá cá, isto é, uma troca de orações por favores, mas a ideia que existia alguém lá acima a quem se podiam fazer as mais íntimas confissões era reconfortante.
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Azulejos do interior claustro |
Depois no final da juventude, apercebi-me que só eu próprio poderia fazer alguma coisa por mim e que o Deus Católico não estava muito pelos ajustes com rapazes com os meus gostos sexuais. Deixei de contar com Deus na minha vida, não voltei a falar com ele e esqueci-o. O Senhor com barbas brancas lá no alto das nuvens passou a ser uma figura da história da arte, uma parte da composição de uma tela do século XVII, de um painel de azulejos ou uma figura de uma escultura da Santíssima Trindade.
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Pormenor da vida de S. João Baptista.Azulejos atribuídos a Policarpo de Oliveira Bernardes |
Luís
ResponderEliminarAs surpresas estão sempre a acontecer. Quantas vezes o edifício exterior não se coaduna com a riqueza do interior.
É um local a visitar e apreciar. Ultimamente estive no Porto para ir fotografar o Museu do Cristo e tive uma pena enorme de vir embora tão depressa. Os prédios estão a ser recuperados e são um património riquíssimo em azulejos de fachada. Merece uma visita mais demorada. Parabéns pelas imagens.
Um abraço
if
Ivete
EliminarEmpregando um palavrão da moda, temos que ser todos mais proactivos e visitar os museus portugueses. O Museu Regional de Beja está mais ou menos às moscas e no entanto talvez seja mais rico em azulejaria que o próprio Museu do Azulejo, que os visitantes estrangeiros adoram, quando vem a Portugal. Enfim, apetece-me fazer um repto à moda do Estado Novo, "Portugueses visitai o Museu Regional de Beja!"
Um abraço
Belissimas fotos! Acho que este tipo de imagem de Deus a ver-no nos é inculcado desde cedo! Havia umas desenhadas no mesmo género de ideia nos meus livros da catequese!
ResponderEliminarTenho pena que fique fora de mão para visita (para mim, sem viatura)! Mas deve valer mesmo a pena!
Paula Lima
EliminarSim, estas imagens foram-nos inculcadas durante gerações e gerações nos livros, nas escolas, na catequese e em casa. De tal forma, que mesmo depois de perdida a crença, sentimos por vezes falta da confiança, que nos dava esta imagem do Deus todo poderoso saindo das nuvens.
Também pode ir à Beja e de camioneta e ficar lá a dormir uma noite. Apesar de não ser uma cidade trepidante, Beja tem muito que se ver, sobretudo este Museu.
Um abraço
Verdade, quer quanto às imagens, quer quanto à viagem!
EliminarBoa semana!
Uma boa semana também para si, Paula
EliminarCandidatar esta pequena obra-prima do azulejo a património seria merecido, e preferível a andar a tentar elevar a bonecada de Estremoz, que, por mais bonita que seja, não passa de mais uma manifestação do artesanato popular, o qual abunda por esse mundo fora. A manifestação de todos os povos da terra têm sempre este cunho artesanal e único. Se se vai elevar a património da humanidade todo o artesanato mundial, então esta classificação deixa de ter o valor que ainda lhe atribuímos.
ResponderEliminarO mesmo se diria dos chocalhos, o que não deixa de ter o seu quê de ridículo. Sei que o "Dótor dos Chocalhos" ficará muito ofendido, mas ... paciência, é a minha opinião.
Mas só tenho medo que este claustro fabuloso se desmorone um dia, se ninguém lhe acudir. As rachas nas paredes são mais que muitas, alguns panos de azulejo já caíram e deixaram buracos vazios nas paramentos, não sei o que falta mais acontecer para que acudam a este monumento fantástico.
Disseram-nos que o telhado foi arranjado, menos mal, mas não basta. Há tanta coisa neste museu que necessita de ser beneficiado. As telas que, para lá de sujas, com séculos de fumos e gorduras, continuam a apresentar buracos, e uma ou outra situada em local onde alguém sem cuidado lhes pode dar um piparote (lembremo-nos da azêmola que deitou abaixo o S. Miguel Arcanjo no Museu da Arte Antiga!).
Enfim, o "Bom Deus" acuda a esta obra prima da zulejaria nacional, que, não obstante, não possui só azulejos
Manel
Manel
EliminarNão tenho nada contra o artesanato e penso que o património etnológico deve protegido pelas autarquias. Em todo o caso, parece haver aqui uma disfunção qualquer. O museu Regional de Beja está instalado num edifício com azulejaria de qualidade absolutamente exepcional e mesmo o seu recheio conta com obras de ourivesaria e pintura muito boas e ninguém lhe liga nada. Os jornais e a TV ignoram-no. Por outro lado há um estardalhaço doido há volta do cante alentejano, os chocalhos e os bonecos de Estremoz. Estes últimos são manufacturados por gente de classe média de Estremoz e já pouco ou nada tem a ver com o património. Digamos que os bonecos de Estemoz são uma forma de artesanato urbano, como aquela senhoras que fazem brincos na Rua Augusta.
Parece que os poderes locais são pouco sensíveis a uma expressão de cultura erudita como é o Museu Regional de Beja e preferem gastar cartuchos no folclore.
Enfim, o que parece certo, é que não existe um investimento a sério naquele Museu que poderia ter filas de turistas à porta.
Um abraço