segunda-feira, 30 de março de 2020

Vista Alegre: o significado dos números no verso das loiças no século XIX



As marcas da Vista Alegre são bem conhecidas de todos. Qualquer publicação sobre a produção daquela fábrica reproduz uma lista com as diversas marcas, que aquela casa foi usando ao longo da sua existência e na net encontra-se facilmente esse documento. Contudo, no tardoz das peças aparecem outras marcas, umas incisas e outras pintadas e é sobre estas últimas, que irei escrever hoje.

Uma vez, um seguidor deste blog perguntou-me qual era o significado desses sinais e números e respondi-lhe que não conhecia nenhum estudo sobre o assunto, e que a resposta só a encontraria nos arquivos da Fábrica da Vista Alegre, ou através de um levantamento sistemático dessas marcas, tentando encontrar denominadores comuns.

As velharias do Luís em limpeza

Entretanto, esqueci o assunto e aproveitei a maldita pandemia, que me enclausurou, para fazer uma limpeza profunda na minha casa. Comecei por tirar tudo do sítio, lavei, esfreguei, limpei o pó e encerei e puxei brilho aos móveis. Como a minha casa é muito pequena, foi um verdadeiro caos e espalhei tudo por todo o lado, garantindo apenas um corredor vital que me assegurasse a passagem entre a cama e a cozinha, bem como entre o roupeiro e casa-de-banho. A própria porta da rua ficou tapada com cadeiras empilhadas e sabe Deus o que mais.

Ao limpar as peças do louceiro, lembrei-me da pergunta do meu seguidor e comecei a observar atentamente os númerozinhos pintados no verso das peças da Vista Alegre datadas do século XIX. Em primeiro lugar a maioria desses números aparece nas chávenas e nos respectivos pires e raramente em bules ou leiteiras. Tentei encontrar um padrão, que me indicasse, que determinada decoração ou forma seria marcada com um número específico, mas como eu tenho muitas peças desirmanadas de diferentes serviços, os resultados foram inconlusivos. Contudo, encontrei três chávenas que herdei da minha avó, todas elas do século XIX, do mesmo serviço e com a mesma decoração e portanto a partir dali, achei que talvez pudesse concluir qualquer coisa. As três chávenas apresentam três números diferente, 9, 99 e 46. Em suma, os númerozinhos pintados no tardoz das peças da Vista Alegre parecem não se reportar a uma decoração ou tão pouco a um formato. Presumo que serão marcas de controlo interno, talvez relacionados com as remessas destinadas ao forno, enfim, quem sabe.



Bem sei que não estou dar nenhuma informação relevante, mas nestes dias em que os noticiários nos bombardeiam com coisas horríveis, sabe bem distraír a cabeça com estes pormenores das peças da mais importante fábrica de porcelana portuguesa, a Vista Alegre

11 comentários:

  1. Admiro muito as peças da Vista Alegre e me distraí com a sua publicação neste tempo surreal...Abraços.

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    1. Cara Louca por Porcelana

      Temos que distrair a mente com coisas engraçadas e antigas. As velharias e antiguidades servem para isso mesmo, um remédio contra um quotidiano agressivo.

      Um abraço

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  2. Aqui em Lisboa tenho dezenas e dezenas de chávenas, mas poucas são da Vista Alegre, e as produzidas nesta mítica fábrica que por aqui andam, são recentes, pelo que não têm quaisquer números a identificá-las na parte de trás.
    No Alentejo tenho vários especímens do século XIX, e aí poderei procurar por estes números que aqui referes. Quiçá estejam lá, mas nunca me preocupei com eles.
    Dou conta da existência de outros algarismos que aparecem incisos na pasta, e que para mim teriam a ver com a dimensão das peças, mas não sei se o serão.
    Muitas outras chávenas, não marcadas, mas que me parecem ser do XIX, e talvez porcelana de Paris, possuem umas "sinalefas" incisas na pasta, que não são algarismos, parecem-me letras. E estas "sinalefas" julguei até hoje que serviriam para identificar a pessoa que as tinha fabricado em bruto, e, posteriormente, os que a teriam decorado, aporiam outro sinal qualquer, só que desta vez, pintado. Tem sido o meu raciocínio lógico, sem qualquer prova escrita que o permitisse comprovar.

    Este post permitiu desanuviar, ainda que de forma pontual, os dias que vamos vivendo. Ainda bem, pois esta distração permite-nos pensar que continua a existir um mundo paralelo a que estávamos habituados, pese o facto que ele me parece longínquo.
    Também me tenho dedicado a limpezas, para as quais, em tempos normais, não tenho nem tempo, nem vontade tão pouco, pois todas as tarefas que fazem o meu dia-a-dia tornam-me exausto. Tenho tempo para dormir e ... não é muito.
    Mas a limpeza começa a perceber-se.
    Os móveis brilham com a cera bem escovada, os pavimentos até possuem algum brilho acetinado, as pratas voltaram a cintilar, até tenho tempo para colocar aqui e ali alguma flor.
    A limpeza estendeu-se aos inúmeros vidros, que antes (percebo agora), estavam manchados e algo baços. Fico admirado com a quantidade de luz que agora entra em casa! Tudo parece mais brilhante.
    A cozinha e a casa de banho brilham de asseio, quando antes me pareciam ... passáveis.
    Ainda não me entreguei à limpeza dos pratos pelas paredes, mas esses ... são mais de uma centena, e não sei se tenho coragem para tanto.
    Alguma coisa boa que toda esta situação toda nos traga.
    Continuação de boa saúde para ti e para todos quantos te leiam
    Manel

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  3. Procurando melhor dei conta que tenho um conjunto de chá/café da Vista Alegre, com o motivo dos "Lacinhos", com uma marca de 1967-68, e cada chávena tem um número diferente. Há também duas chávenas com carimbo a azul, do período 1870-80, e cada uma delas apresenta igualmente números diferentes, que me parecem aleatórios. Aliás todos os números parecem-me aleatórios, a não ser que, em conjunto com outras peças, houvesse uma razão lógica para eles. Agora, assim isoladas, não fazem muito sentido
    Manel

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    1. Manel

      Este enclausuramento em casa tem os seus aspectos positivos e um deles o teremos tempo para fazer estas grandes limpezas e também de nos darmos ao trabalho de olharmos para estes pormenores destas marcas secundárias das louças com uma atenção mais sistemática.

      Os números pintados no tardoz das chávenas e pires da Vista Alegre não se reportam a uma decoração ou a uma forma. Serão marcas relacionadas com a organização do trabalho fabril, que na época eram perfeitamente claras para os operários e artistas da fábrica e que hoje nos parecem incompreensíveis. Talvez ainda haja algum empregado da Vista Alegre, já reformado e muito velhinho, que saiba o significado nestes numerozinhos.

      Um abraço

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  4. Olá Luís,
    não é frequente vir aqui comentar, mas sou leitor assíduo do que brilhantemente escreve sobre as mais diferentes assuntos,temas.

    Acontece que hoje...

    Pois... por pior do que diz é ter a casa em obras.

    Ou seja ser apanhado no meio delas com a pandemia e virar pandemónio.

    Bom... a decisão foi aguentar... e continuar.
    Já falta pouco... talvez um mês.
    Para finalmente ficar feliz com a pandemia, ou seja só com a pandemia.

    Há pouco li um texto muito útil. O tema andou fora de moda direi que até perseguido, Disciplina.
    Que útil que foi...
    Que utilidade lhe irei dar... pelo menos par os próximos meses.

    Abraço
    Abraço também para o também brilhante comentador residente.

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    1. Caro Joaquim

      Que feliz que fiquei de o reencontrar e de saber que está tudo bem consigo. Este período permite-nos tempo para fazer aquilo que sempre adiamos, como a leitura de bons livros, limpezas profundas ou escrever.

      Estou muito curioso acerca desse tema, que andou fora de moda. O Joaquim tem sempre interesses que me agradam particularmente.

      Um Beijo para a Ângela e um grande abraço para si

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  5. Obrigado Joaquim.
    Quero agradecer-lhe sempre a gentileza, e confessar que tenho saudade de vós, de si e da Ângela, e das boas conversas que sempre animaram os nossos encontros, pois os temas são sempre apaixonantes.
    Não quero deixar de vos desejar, a si e à Ângela, um período pascal tranquilo, ainda que não estejamos na melhor das alturas.
    Espero que estejam bem e que se mantenham saudáveis, pois todos precisamos de pessoas que façam a diferença na nossa sociedade
    Muitas saudações
    Manel

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  6. Interessante. Deve haver alguma lógica, com certeza. Bom Domingo!

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    1. Margarida.

      Penso que sim, na época, esta numeração devia corresponder a uma organização do trabalho perfeitamente clara para os artistas e operários da Vista Alegre e que hoje nos escapa. Um bom início de semana!!

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