domingo, 11 de outubro de 2020

No tempo das cerejas: uma imitação de Meissen


O meu amigo Manel comprou recentemente este conjunto em porcelana, representando uma cena campestre em que três galantes jovens apanham cerejas, enquanto dois querubins assistem. É uma cena muito ao gosto do século XVIII, no tempo em que a rainha Maria Antonieta de França e os seus amigos mais próximos, brincavam aos camponeses na pequena aldeia, que aquela soberana mandara construir nos parques de Versalhes, o hameau de la Reine. Até as roupas destas pequenas figuras em porcelana sugerem esse período. 


Por exemplo, umas das jovens, enverga um chapéu de palha, adereço que a pintora Élisabeth Vigée Le Brun usou num auto-retrato e que depois Maria Antonieta tornou moda entre todas as elegantes da Europa.

Retrato da Condessa de Verdun por Élisabeth Vigée Le Brun. Museu Nacional de Arte Antiga

Esta cena provavelmente inspirou-se num das obras de François Boucher 1703-1770 La cueillette des cerises, ou numa tapeçaria de de Jean Baptiste Huet, executada a partir de uma obra de Boucher.

François Boucher 1703-1770 La cueillette des cerises

Na parte de trás da peça, apresenta uma marca com as espadas cruzadas de Meissen, essa prestigiosa fábrica de porcelana alemã, que celebrizou e popularizou as figurinhas de porcelana toda a Europa.



As marcas da peça

Mas o Manel e eu sabíamos de antemão, que esta figura de porcelana não era do século XVIII, nem tão pouco de Meissen. Porcelanas do século XVIII e sobretudo Meissen não se apanham em mercados de velharias. São peças raras e que atingem preços muito elevados nos bons antiquários. Presumimos desde logo, que fosse uma peça dos finais do XIX ou inícios do XX, produzida na Alemanha, na região do Saxe ou da Turíngia, imitando as figurinhas de Meissen, destinada à boa burguesia, que queria também ter no seu lar essas figuras de porcelana, à semelhança das residências aristocráticas, onde existia normalmente um salão só para exibir essas colecções, as chamadas salas do Saxe.


Pessoalmente achei de imediato que esta peça seria da Volkstedt, que nos finais do XIX e inícios do XX produzia muitas figurinhas destas, imitando o período de ouro de Meissen, usando algumas marcas inspiradas nas célebre espadas cruzadas daquela prestigiosa fábrica. 

Procurei na internet saber quais as marcas usadas pela Volkstedt, mas não havia nenhuma igual a esta e pesquisei no google por cherry pickers em combinação com german pocelain figurines mas não me apareceu nada igual. Só uma figurinha genuína de Meissen, do século XVIII, representado uns jovens galantes, apanhando cerejas, mas não tinha nada a ver com esta peça do Manel. Apenas confirmei que a peça do meu amigo Manel era uma imitação de Meissen.


Uma genuína peça de Meissen

Decidi então consultar alguma bibliografia, pois nem tudo se encontra na internet e abri a obra German porcelain / by W. B Honey. - London : Faber and Faber, 1947, suspeitando que houvesse um capítulo dedicado às imitações e de facto na página 46 há uma entrada sobre marcas semelhantes às espadas cruzadas de Meissen, onde consta uma marca igual à peça do Manel, atribuída ao fabricante francês Samson, de Paris. 

German porcelain / by W. B Honey. - London : Faber and Faber, 1947

Refiz então a minha pesquisa na internet por Samson, Cherry pickers e com efeito encontrei uma peça igual à esta num antiquário francês o Biscardieux Bordeuax, marcada com umas espadas de Meissen e identificadas com sendo da Samson, dos finais do século XIX. Fiz mais umas pesquisas aqui e acolá em sites de vendas de antiguidades e confirmei, que todas as figurinhas de porcelana marcadas com as espadas cruzadas, mas com um tracinho ao meio eram da Samson, Edmé et Cie, fábrica fundada em 1845 em Paris e que se dedicou a imitar as cerâmicas mais prestigiadas e mais procuradas do mercado de então, fossem elas porcelanas chinesas da família rosa ou verde, japonesas ou europeias como Worcester, Chelsea, Sèvres e Meissen ou ainda a majólica italiana. Há até uma certa discussão entre os peritos se esta firma Samson, Edmé et Cie fabricava cópias ou verdadeiras falsificações. Em todo o caso, muitas dessas peças foram vendidas como originais ao consumidor menos atento.


Peça à venda em http://www.briscadieu-bordeaux.com/

Peça à venda em http://www.briscadieu-bordeaux.com/

Relativamente à figura de porcelana do Manel ela é afinal francesa, fabricada pela Samson, Edmé et Cie provavelmente dos finais do XIX ou inícios do XX. Imita sem dúvida a porcelana de Meissen e evoca esse século XVIII francês, libertino e galante.


Alguma bibliografia e links consultados:

German porcelain / by W. B Honey. - London : Faber and Faber, 1947

https://en.wikipedia.org/wiki/Edm%C3%A9_Samson

http://www.briscadieu-bordeaux.com/html/fiche.jsp?id=8479872&np=2&lng=fr&npp=100&ordre=2&aff=1&r=

https://www.catawiki.com/l/19759181-samson-meissen-porcelain-group-paris-late-19th-century



8 comentários:

  1. Boa noite,Luis
    Linda esta peça,melhor dizendo...encantadora
    Tenho uma cesta Meissen em porcelana,mas falta a parte onde se agarra,mas penso que aí seria de prata,pois tem em ambos os lados uma pecinha que seria onde se encaixava a asa
    abraço

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    1. Cara Grace

      Obrigado pelo seu comentário. Com efeito, algumas destas peças de porcelana eram combinadas com petais, bronze, latão ou prata. É aquilo que os franceses designam por "montures".

      Um abraço

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  2. Caro Luis

    Excelente !!!!!!!!!!!!!!!!!

    abraço
    Vitor Pire

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    1. Caro Vítor

      Agradeço muito o seu simpático comentário e ainda bem que gostou. Um grande abraço

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  3. Que interessante! Gosto muito do século XVIII. Bom dia!

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    1. Margarida
      ´
      O século XVIII francês libertino e galante é um período que tem vindo a fascinar as pessoas geração, após geração. Esta peça em porcelana feita nos finais do XIX traduz essa paixão por esse período em França e hoje, nós continuamos a ter o mesmo fascínio pelas pinturas galantes, pelas damas vestidas de pastora e por uma rainha frívola, que acabou os seus dias no cadafalso.

      Um abraço

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  4. A peça não foi barata, ao contrário das minhas compras usuais, que usam ser bastante em conta, mas confesso que a tinha namorado durante mais de um ano.
    Ela foi descendo do preço pedido inicialmente, e acabei por a adquirir, no entanto, considero que aquele ainda foi demasiado elevado.
    Por vezes cometem-se loucuras, e esta foi uma delas.
    Se me reportasse a este momento, creio que talvez não a tivesse adquirido, no entanto tratou-se de um impulso não dominado. Depois de feito não há volta atrás possível, sob pena de se perder a palavra dada e a própria credibilidade.
    Quando a vi inicialmente ela estava montada numa base em madeira pintada de negro, e tinha uma montagem em candeeiro, ainda que sem o abat-jour.
    Achei que ela perdia com este tipo de montagem e sugeri ao vendedor que retirasse a base e a respetiva traquitana que constava de tubos com uma base de lâmpada no topo.
    Lá andou a peça quase um ano até que .... veio debaixo do braço um belo dia em que perdi a tramontana.
    É bonita, concordo, mas, mesmo assim, demasiado cara.
    Percebi que se tratava de uma peça francesa em minha casa, quando consultava um catálogo de marcas de porcelana que adquiri recentemente, e praticamente ao mesmo tempo que tu, quando consultavas, quase em simultâneo, o livro da biblioteca.
    Manel

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    1. Manel

      A peça não foi barata, mas é de tão boa manufactura e tão perfeita que vale bem o dinheiro que pagaste por ela. E depois está cheia de pormenores deliciosos.

      Descobrir que esta peça é francesa foi uma surpresa. Normalmente estas figurinhas são quase sempre alemãs. Isto prova que não se pode avaliar uma peça só pelo instinto ou experiência. Temos que sempre pesquisar na internet, consultar livros para fazer uma identificação correcta.

      O final do século XIX é já uma época de em que as modas, as ideias e as técnicas circulam rapidamente por todo lado e o que nos parece alemão, pode-se ser checo, francês, belga ou italiano.

      Um abraço

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