Marca pintada a dourado, talvez a letra o ou o número zero |
As opalinas mais antigas muito raramente eram marcadas, mas esta apresenta um pequena marca pintada a dourado, talvez a letra o ou o número zero. Achei que com esta marca poderia identificar o fabricante e lancei-me numa pesquisa no google em francês e inglês acerca de marcas de opalina, mas foi em vão. Consultei também a obra L'opaline française au XIXe siècle / Yolande Amic. - Paris : Librairie Gründ, 1952 e e confirmei, que as opalinas raríssimas vezes eram marcadas e que este o ou zero não corresponde a nenhum fabricante. Será provavelmente a marca com que um pintor de uma fábrica ou oficina de decoração usou para marcar o seu trabalho.
Nestas minhas buscas encontrei muitas peças em opalina azul, com decorações esmaltadas a ouro com algumas semelhanças com a minha tacinha, que me levou a confirmar a minha intuição inicial, de que se trata de uma produção francesa da segunda metade do século XX, talvez já das últimas duas décadas.
Porém, à medida que andava enredado nestas pesquisas por sites de venda on line e de antiquários franceses e americanos, foi-se levantando cada vez mais a mesma dúvida, qual foi a utilidade inicial desta peça. É demasiado pequena para jarra de flores, não é decididamente um frasco, um jarro ou uma garrafa e falta-lhe qualquer coisa de supérfluo ou arrebicado para ser um mero bibelot. Decidi concentrar mais as minhas investigações na função utilitária desta tacinha e acabei por perceber, que em tempos fez parte de um conjunto ou serviço.
Muitos de nós ainda de nos recordamos de ver nos quartos de dormir das casas antigas, uma garrafinha e um copo por cima, por vezes com um pequeno prato, conjunto, que se colocava em cima da mesinha de cabeceira. As casas era muito grandes e e se alguém sentia sede durante a noite escusava de percorrer um grande corredor para chegar à até cozinha e beber um copo de água. Juntamente com o bacio, o jarro e taça para lavar o rosto e as mãos eram acessórios típicos de qualquer quarto de uma casa grande do passado. Esses conjuntos de garrafa, copo e pratinho ainda aparecem à venda nas feiras de velharias, mas são normalmente em vidro simples.
Como os franceses sempre foram uma gente requintada, na segunda metade do século XIX produziam estes conjuntos, mas mais completos, que aqueles que estamos habituados a ver nas feiras de velharias. Eram compostos por um tabuleiro, dois copos, duas garrafas, uma para água simples e outra para água aromatizada a flor de laranjeira e ainda um açucareiro. Encontrei na internet vários desses conjuntos em opalina, a que os franceses chamam service de nuit e percebi, que a esta minha tacinha foi em tempos um açucareiro, de um desses serviços. Originalmente teria uma tampa, que com o tempo se perdeu.
Conjunto em opalina. Jarro e bacia de lavatório e ainda o service de nuit |
Em suma, esta pequena taça, é um açucareiro, que fez parte de um antigo service de nuit em opalina, produzido em França provavelmente nos fins do século XIX. Falta-lhe a tampa e é uma peca desirmanada, mas ainda assim cheia de charme.
Um açucareiro em opalina |
ResponderEliminarSeñor Montalvao, como profano en el mundo de las antigüedades, creo que una de las cosas que me fascina de su blog, al margen de la belleza de las piezas que usted describe, es la paciencia y meticulosidad con que investiga acerca del origen de aquellas. En muchas ocasiones hace usted gala de una sagacidad que a mis ojos se muestra como propia de un nuevo Sherlock Holmes del mundo de las "velharias". Ello dicho con humor, ya que realmente lo que me maravilla es su cualidad para inferir como es todo un conjunto a partir de los detalles, incluso por lo que falta, lo cual le acercaría a usted como observador más al mundo del médico e incluso del psicoanalista que al del detective.
En el caso de hoy al leer el párrafo "(...) foi-se levantando cada vez mais a mesma dúvida, qual foi a utilidade inicial desta peça. É demasiado pequena para jarra de flores, não é decididamente um frasco, um jarro ou uma garrafa e falta-lhe qualquer coisa de supérfluo ou arrebicado para ser um mero bibelot. (...)" llegué a creer que estaríamos en presencia de un orinal propio del Liliput imaginado por Gulliver. Me alegró descubrir que no era esa la función del hermoso objeto que nos muestra sino una muy distinta y dulce, vinculada además a una fascinante sofisticación: el conjunto de objetos disponibles para el servicio nocturno en un dormitorio francés elegante del siglo XIX.
Sr. Montalvao, gracias por su brillante manera de mostrarnos retazos de Historia a partir de lo cotidiano.Cordialmente y con admiración, su asiduo lector y amigo Daniel le envía un abrazo desde Madrid.
Daniel
EliminarComo sou documentalista, uso as técnicas de pesquisas bibliográficas ou arquivísticas para procurar na internet e vasculhar os portais de antiquários ou vendas on-line. É tudo uma questão de seleccionar as palavras chaves correctas e usa-las em francês ou inglês. Como domino bem o vocabulário de termos de arte, pesquiso também em espanhol, italiano ou alemão, embora esta última língua seja mais complicada.
Também é verdade, que como já estou muito familiarizado com antiguidades, loiça em porcelana ou faiança em particular, suspeitei que esta tacinha estivesse incompleta e que poderia ter feito parte de um conjunto maior. Com efeito, falta-lha a tampa e fez parte de um serviço de noite.
A tacinha é pequena e nunca poderia ter sido um penico ou bacio. Além de que não tem asa. Mas seria possível, que deste conjunto destinado a um quarto houvesse também um penico com a mesma decoração dentro da mesinha de cabeceira.
Um grande abraço de Lisboa
Muito bonita e com uma decoração bem simples e requintada, de facto. Gosto muito destas histórias que se podem contar a partir de objectos aparentemente sem história. Bom dia!
ResponderEliminarMargarida
EliminarOs franceses produziam sempre estas peças com um gosto requintado e muita qualidade. Por alguma razão, dominavam o mercado de produtos de luxo e as suas peças eram copiadas por toda a Europa.
Dá-me muito gozo contar a história destes objectos sem história. No fundo através deles reconstituímos aspetos da história, como um tempo em que as casas eram grandes, a higiene fazia-se nos quartos e os fabricantes produziam uma panóplia de peças de louça para esta divisão, que hoje nos são estranhas. Neste tempo presente se queremos um copo de água a meio da noite, vamos até a cozinha e também não fazemos a higiene no quarto.
um abraço
Muito charmosa, não há dúvidas, independente de não ter mais tampa.
ResponderEliminarFábio
EliminarAs opalinas francesas do XIX são sempre peças requintadas e com muito bom gosto e apesar de lhe faltar a tampa, este açucareiro continua a ser uma peça muito bonita.
Um abraço para essa antiga capital
histórias da história gerações a devem ter visto sem ver
ResponderEliminarAntónio.
EliminarÉ verdade. Esta peça deve ter servido umas três ou quatro gerações, até que o serviço se foi partindo, perdeu utilidade e e acabou por ser vendida solta e sem significado numa feira de velharias.
Um grande abraço
Quando a vi à venda não imaginei o seu uso efetivamente. Ainda pensei num qualquer objeto para colocar alguma coisa no boudoir duma senhora, dado o primor da decoração. Nunca me lembraria deste tipo de acessório, até que os que encontramos em Portugal são meras garrafinhas em vido com uns copinhos que se colocavam sobre essas garrafas, nada tão requintado como esta peça.
ResponderEliminarMas lembro-me de ver estas garrafinhas com os respetivos copinhos sobre as mesinhas de noite nos quartos das pensões e pequenos hotéis da minha meninice.
Enfim, pelos vistos, cada país tem o que merece.
Mas fizeste uma belíssima investigação, para a qual não costuma ser nada fácil obter resultados. Os parabéns
Manel
Manel
EliminarA produção de opalinas em França foi muito grande no século XIX e seria uma sorte encontrar alguma peça à venda exctamente com a mesma decoração, embora esta taça parece ser tipicamente francesa. Também me lembrei que ela poderia ter sido um boião para conter um creme de beleza ou uma bomboneira. Em todo o caso, faltava-lhe sempre a tampa. Mas depois de tanto ver encontrei três destes serviços de noite, em que o formato do açucareiro era igualzinho e consegui perceber a função desta tacinha.
Um abraço
Porque é que algumas peças tem um fundo cortante e outras lisas e outras com um círculo côncavo?
ResponderEliminarConfesso que não sei a resposta para a suas pergunta. Teria que estudar a fundo a forma ou os moldes das opalinas francesas e esse assunto é um mundo, pois a produção no século XIX é vasta e prolonga-se ainda pelo século XX. em todo o caso, para se quiser saber mais há alguma bibliografia sobre o assunto.
EliminarLe XIXe siècle français / dir. Stéphane Faniel. - Paris : Librairie Hachette, 1957. - 231 p. : il. ; 32 cm. - (Connaissance des arts ; 2)
L'opaline française au XIXe siècle / Yolande Amic. - Paris : Librairie Gründ, 1952.
um abraço