Depois de alguns meses de namoro, a semana passada resolvi oferecer a mim próprio, este bonito coador de chá em prata. Não foi exactamente uma pechincha, mas mereci este mimo.
Por intuição, achei logo que fosse uma coisa do início do século XX ou dos finais do XIX, num estilo revivalista ao gosto de Luís XVI (1774-1791).
Procurei então saber mais, mas quando se tenta identificar talheres de prata ou afins, esbarra-se sempre com os mesmos problemas. As marcas de garantia e dos ourives são minúsculas, invisíveis a olho nu. Como não tenho lupas de boa qualidade, uso um zoom do telemóvel no máximo e fotografo as ditas marcas e mesmo assim, é preciso tirar uma dúzia de fotografias até conseguir imagens percetíveis.
Primeiro consegui reconhecer o punção de garantia oficial da França, a cabeça de Minerva, usada entre 1838 e 1973. Portanto, o coador é francês e é de prata boa qualidade, de primeiro título, pois a cabeça de Minerva está inscrita num octógono.
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Punção de garantia oficial da França, a cabeça de Minerva, usada entre 1838 e 1973. |
Quando à marca de ourives, é uma coisinha mínima, que nem um milímetro deve ter. É em losango, formato normalmente reservado à prata, já que as marcas de metal prateado são em quadrado ou retângulo. Depois de muitas fotografias ampliadíssimas, pareceu-me que apresentava umas letras e uns símbolos. Vasculhei todo o site https://www.silvercollection.it, à procura de uma marca igual, mas nada. Os ourives franceses do século XIX e XX contam-se às centenas e a minha imagem era de má qualidade e nem percebia se devia tentar ler o losango na diagonal, se na vertical ou se estava de cabeça para o ar.
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A marca do ourives |
Resolvi alterar a estratégia de pesquisa e carreguei então a imagem no Google, associando palavras-chaves em inglês Tea Strainer silver e encontrei um coador de chá de prata com semelhanças com este, à venda no 43 Chesapeake Court Antiques. A marca estava identificada com sendo a do ourives parisiense Gabert & Conreau, usada entre 1901-1906 e era parecida com a da minha peça, mas fiquei sem a certeza.
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Coador à venda em https://43chesapeakecourt.com/en-eu/products/antique-french-sterling-silver-tea-strainer-over-the-cup-style-louis-xv-style |
Fiz mais umas buscas no Google pelo nome deste ourives e noutra página o artnet, que reproduzia uma obra deste Gabert & Conreau com a respectiva marca, percebi que estes, tal como eu tinham fotografado a marca ao contrário, inverti então duas imagens e tive a certeza que se tratava das iniciais G&C e um gabião.
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Uma imagem melhor da minha marca: Um G&C e um gabião |
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A marca do site https://www.artnet.com/artists/gabert-conreau-co/lot-of-4-match-safes-w-embossed-figures-Hs4gMKCHz3K7l9h9EM5Swg2 |
Enfim, uma verdadeira trapalhice, que resulta das dimensões miniaturais destes sinais. Mas o que interessa é que este coador de chá foi realizado pela Gabert & Conreau, uma marca registada, em 1901, e usada até 1906, cuja produção se caracterizou pela delicadeza do desenho e uma grande fineza na execução. Produziram obras em estilo Art Nouveau, com arrojadas linhas inovadoras, mas, claro o grosso da produção eram peças inspiradas nos estilos dos séculos passados, para satisfazer o gosto da boa burguesia da época.
As pratas são objectos que nos fascinam pelo seu luxo e beleza, mas cujo estudo por mais simples que seja, implica descodificar sinalefas minúsculas e misteriosas, mas essa tarefa acaba por ser um desafio muito interessante, para quem como eu está habituado às minudências da biblioteconomia.
Algumas ligações consultadas:
Creio que terás mesmo de adquirir uma lupa de relojoeiro, pois se, sem ela consegues descobrir tanta coisa, então com uma que seja boa, nada te irá escapar.
ResponderEliminarE é sempre bom saber a proveniência e as características de fabrico destas peças, não porque lhe aumente o valor (na maior parte das vezes tal não acontece), mas porque dá prazer traçar a história de fabrico de uma peça. Porque traçar a história de posse de uma peça de prata é completamente impossível, a não ser que sejam peças históricas, provenientes de grandes coleções reais ou pertencentes à alta aristocracia, mas estas peças não costumam aparecer no mercado a preço que as nossas bolsas as consigam adquirir.
E, a partir de uma coisa tão simples, uma peça sai do anonimato, ocupando a sua posição no mundo das pratas identificadas, que afinal nem é tão grande assim.
Manel
Manel
EliminarÉ verdade, tenho mesmo que comprar uma lupa como deve ser ou um aparelho que se acopla ao telemóvel e permite fazer fotografias boas de detalhes. Porque o grande problema dos objectos mais pequenos de prata, como peças de faqueiro é o tamanho extremamente reduzido das marcas.
Agora que começo a perceber a lógica destas sinalefas, as pratas tornam-se mais fascinantes.
Um abraço
Um mimo muito bonito! Gosto deste objecto e da história que ele criou.
ResponderEliminarBoa tarde!
Ana
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário. A prataria francesa é de facto muito requintada e decifrar estas sinalefas é um desafio, que dá muito gozo. Bjos