sexta-feira, 29 de julho de 2011

A fotografia do colégio: Maria do Espírito Santo Montalvão Cunha


Já há uns tempos que pensava mostrar este retrato de grupo, das meninas de um colégio religioso no Norte de Portugal. A fotografia capturou um momento da vida de um conjunto de raparigas e meninas, no início da década de 20, que hoje estarão todas mortas, ou talvez duas ou três das mais pequenitas estejam ainda vivas e contem com noventa e tais anos.


A minha avó Mimi com cerca de 15 anos

Entre as que já morreram encontra-se minha avó Mimi (1907-2000), Maria do Espírito Santo Montalvão Cunha. Está na última fila, no grupo das mais velhas. Aparenta uns 15 anos e portanto a fotografia poderá terá sido tirada em 1923, o que coincide com a data de um quadro que ela pintou no colégio, datado daquele ano e que se encontra em minha casa.

A pintura assinada em 1923

Falava bastante desse tempo do colégio interno, que deve ter ser sido muito marcante. Contava-nos, que do colégio tinham um pequeno acesso para a praia e que iam muitas vezes para lá passear em grupo com as colegas. Também nos dizia que tinha autorização para de manhã, acordar mais tarde que as suas condiscípulas. Os pais teriam transmitido às suas mestras, que ela era uma criança enfermiça. A sua longa carreira de grande hipocondríaca deve ter começado logo nessa altura.
A Mimi era uma pintora com algum talento

Julgo que neste colégio deve ter tido uma boa educação para a época. Aprendeu a pintar muito bem. Desenvolveu o gosto pela cultura, que também já lhe vinha de família e ensinaram-lhes uma caligrafia impecável, cursiva e cheia de ângulos. Voltei mais tarde a encontrar esse tipo de letra em documentos manuscritos por pessoas da sua geração ou um pouco mais velhas e acredito agora que aquela caligrafia correspondesse a um modelo definido, ensinado em todas as boas escolas. Durante alguns anos imitei deliberadamente a letra da minha avó, desenhando hastes angulosas, mas hoje já só tenho uma letra meramente cursiva, até porque cada vez escrevo menos à mão.



Claro, a educação que lhe deram no colégio não era destinada a exercer uma profissão. Naquele tempo as meninas iam para estes colégios, aprender a ler e a escrever, falar um pouco de francês, pintar, desenhar, bordar e talvez a martelar umas peças musicais simples ao piano. O objectivo era prepara-las a serem umas senhoras decorativas, que os maridos gostassem de apresentar em jantares de negócios e bailes, mas que ao mesmo tempo fossem piedosas e capaz de ajudar os filhos nos deveres escolares.



Nesta fotografia, as raparigas usam quase todas o cabelo curto, à garçonne, uma moda de penteados, que cortou radicalmente as tranças, os longos cabelos e as crinas que as meninas e senhoras usavam até ao final da Primeira Grande Guerra. Esta moda, que correu a Europa e os Estados Unidos a um ritmo alucinante no início dos anos 20, começou meramente por acaso, quando um dia Coco Chanel queimou o cabelo ao fazer um permanente e resolveu cortar o cabelo à rapaz e sair para a rua fazendo furor.

Algumas das moças, apresentam fitas como medalha ao pescoço, Umas são escuras outras claras. Julgo que seriam uns prémios dados às alunas com bons rendimentos escolares. Portanto, é provável, que esta fotografia tenha sido tirada no final do ano lectivo, aliás, na época, a fotografia era cara e só se chamava o fotógrafo em ocasiões especiais, como o final do ano lectivo.

A minha avó é das que tem uma medalha ao pescoço. Julgo que terá sido uma boa aluna. No seu livro de contos, baseado na sua própria vida, conta, que em resultado dos seus bons resultados escolares, os seus pais lhe pagaram uma viagem à ilha Madeira, o que para a época era um prémio excelente. Foi de barco, acompanhada de uma tia ou madrinha, já não me recordo, pois nos anos vinte as meninas não viajavam sem chaperon e foi uma coisa absolutamente inesquecível, pois dois dos seus contos falam dessa viagem e num deles, a sua personagem, conhece nas ilhas encantadas o amor da sua vida, o futuro marido.

A Mimi com o marido, o meu avô Silvino

Claro, depois a coisa não aconteceu bem como nos seus contos e a Mimi viveu um longo casamento com uma relação extremamente crispada.

Em todo o caso, o colégio foi um período marcante. Quando já estava demasiado idosa para viver sozinha e a perder as faculdades mentais, fui viver connosco e muitas vezes julgava que a minha mãe era a Directora do Colégio.

As únicas informações que eu tenho acerca deste colégio era que pertencia às Doroteias e estava localizado em Vila do Conde. Durante muito tempo pensei que fosse no Mosteiro de Santa Clara, aquela massa edificada que se vê, na margem do rio, mas fiz algumas pesquisas na net e não encontrei referência a nenhum colégio de Doroteias naquela terra nortenha. Parece ter havido naquelas datas, um colégio das Doroteias na Póvoa de Varzim, ali ao lado, dirigido pela célebre Madre Sá, uma educadora conceituada, que esteve refugiada na Suiça, no período mais anticlerical da República.

A escritora Agustina Bessa Luís, que frequentou este colégio escreveu alguns parágrafos sobre essa Madre Sá, elogiando o seu espírito de justiça. Talvez a Madre Sá seja a directora de que a minha avó falava, nos seus delírios de senilidade, quando regressava à infância,

8 comentários:

  1. UUUauh ! Que post Luis! Este agradou-me em especial!

    Tambem estava a pensar em colocar uma foto de grupo que tenho, mas sendo assim e se me permite, gostaria de participar com apena foto, que é de senhoras mais velhas. Fotografia das filhas de Maria 14 de Novembro de 1936 pelo Sr Padre Ilario Santos.

    A sua avo tinha um jeito muito interessante! Parece o desenho de um penico que vou postar hj =D
    É em tecido ou tela? Parece mt tecido. Que sorte ter essa preciosidade!


    Sabe porque as meninas, umas têm rendas, outras fitas a atravessar o colo e outras ficas de diversas cores ao pescoço? Seria pelas idades?

    Não desfazendo mas a sua avó era a mais bonita... E parecia a mais simpatica.. Estão lá umas de nariz empinado =D deviam ser cá umas biscas... ahahah =)

    Parabens pelo post.

    Flávio

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  2. Olá Luís!
    Traçou de forma perfeita uma geração.
    Faltou, se me permite, a referência ao chapéu( visível na foto da sua avó com o seu avô)que declinou depois da Segunda Guerra.

    Um abraço
    Jmalvar

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  3. Olá Luís,
    A sua avó Mimi aos 15 anos era sem dúvida uma menina muito bonita e com um ar muito sereno e doce.
    A fotografia de grupo faz-me lembrar uma cena do filme "Clube dos Poetas Mortos" em que o professor mostra aos alunos uma série de fotografias de antigas turmas do colégio, jovens fotografados cheios de força juvenil e de esperança no futuro que entretanto já teriam deixado o mundo dos vivos... Assim chamou a atenção dos alunos para a transitoriedade da vida e para que procurassem fazer das suas vidas algo de extraordinário, enquanto tinham tempo...
    Realmente, estas meninas do colégio da sua avó tinham ainda um longo futuro pela frente e agora já nem presente têm, são só passado...
    É triste, mas é assim a vida...
    Qualquer dia são os nossos netos a recordar-nos :)
    O que também acho muito bonito e muito bem feito é o trabalho de pintura da sua avó que o Luís certamente guarda com orgulho e carinho.
    A composição vertical é muito harmoniosa e os tons pastel que me parecem ser entre o rosa suave e o pêssego, à mistura com um verde claro bonito, formam um padrão de um tipo de que eu gosto muito em tecidos, por exemplo chintz para estofos ou cortinados...
    Um abraço

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  4. Caro Flávio

    A pintura foi feita sobre papel, embora a Mimi gostasse também de pintar em tecido.

    Umas meninas trazem medalhas au pescoço e outras não, porque julgo que esta fotografia mostra o último dia da escola e umas receberam prémios por bom desempenho escolar e outras não.

    Mas isto presumo eu, nunca conversei com a minha avó sobre esta fotografia.

    Abraços

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  5. Obrigado caro Joaquim


    De facto tenho prazer em a partir de uma fotografia ou de um objecto traçar um pouco a história de um período, de uma moda ou do aspecto da personalidade de alguém. Também é a minha forma de prestar uma espécie de culto aos mortos, aliás a História é sempre um culto aos mortos, aspesar de pretender ser uma disciplina científica.

    Abraços

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  6. Maria Andrade

    Estas fotografias de um grupo escolar são sempre uma tentação para reflectirmos sobre o tempo. De um lado há imagens de jovens transbordantes de vida, do outro lado, há noventa e tal anos, que já passaram desde que aquela foto foi tirada. Desse contraste entre juventude e morte, tiramos sempre as mesmas conclusões, mas é impossível não regressar ao tema sempre que vemos estas fotografias.

    A Mimi tinha de facto algum talento. Um amigo meu achou esta pintura com um certo ar japonês. No entanto, abandonou cedo estas actividades artísticas e dedicou-se à escrita em jornais, conferências e ainda deixou um livro de contos.

    Abraços

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  7. Ola Luis

    É possível que seja de notas, mas eu arriscaria até a dizer que se tratavam de medalhas de boa conduta e comportamento... Claro que as notas deveriam estar implícitas.

    O desenho é em aguarela? As folhas parecem...

    Flávio Teixeira

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  8. Para lá do facto de considerar o post nostálgico e muito bonito, dou por mim a observar com mais atenção a fotografia de conjunto e a concluir que a esmagadora maioria das meninas têm um ar carrancudo senão mesmo extremamente infeliz.
    Raparigas desta idade deveriam ser felizes, despreocupadas, como seriam as feições que constassem duma qualquer foto de turma de uma escola secundária de hoje; ao invés, estas possuem um ar acabrunhado, pesado, de quem não é realmente feliz, nem sabe quando o será!
    Eu que frequentei um estabelecimento de ensino religioso, e disso guardo memórias até simpáticas e agradáveis, lembro o ar despreocupado, irreligioso e quase feliz dos meus companheiros, onde o recreio era motivo para folguedos e jogos. Não guardo fotos de conjunto deste tempo, mas recordo o irrequieto que todos éramos, das cumplicidades, das traquinices de que fomos capazes, nada que se compare com este ar pesado onde só descortino uma única face com um ligeiro esgar de sorriso, ainda que parecendo pertencer a uma koré grega.
    Quando as jovens não aprendem a ser felizes na altura certa, posteriormente dificilmente terão ocasião disso ...
    Trabalhei posteriormente, e mais de uma dezenas de anos, num estabelecimento de ensino pertencente às Doroteias, mas os alunos tinham um ar perfeitamente despreocupado, e muitos até ostentavam uma pontinha de orgulho porque já eram a terceira ou 4ª geração que ali recebia educação.
    Quanto à pintura, volto a dizer-to que ela possui uma certa essência oriental na simplicidade algo espartana do perceber a forma
    Manel

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