sexta-feira, 27 de abril de 2012

Uma estampa romântica e a morte de uma sufragista


O Manuel continua a deixar-me explorar a sua pequena colecção de gravuras e desta vez decidi-me aqui trazer esta estampa, representando um parque frondoso, cheio de damas e cavalheiros britânicos, que com os seus cavalos e atrelagens estão prestes a participar em qualquer acontecimento mundano, por volta dos anos cinquenta do século XIX.

Procurei descobrir que sítio é este onde se desenrola esta cena e parti para o Google, usando os termos da legenda para a pesquisa. Constatei que a estampa foi retirada de um livro como é habitual, mais propriamente do quarto volume da A topographical history of Surrey, editada em Londres, pela G. Willis, em 1850.

Uma das ilustrações da A topographical history of Surrey

A obra é uma impressão cuidadosa e muito bem ilustrada, que descreve a história e os monumentos da região inglesa do Surrey e é tão bonita que é difícil escolher qual das suas estampas é mais minuciosa. Percorri toda a versão on-line e encontrei a página de onde foi cortada esta gravura. Está impressa a preto e branco e portanto esta versão do Manel terá sido colorida posteriormente.

A ilustração do topo mostra a Nonsuch Mansion, que ainda hoje existe, ao contrário do Palácio do qual pediu emprestado o nome

A cena desenrola-se à entrada da Nonsuch Mansion, um palácio construído no início do XVIII e remodelado em 1802-6, segundo o gosto de um gótico final. Estava situado no parque de um castelo ainda mais célebre, o Nonsuch Palace, uma loucura arquitectónica mandada erguer por Henrique VIII, o monarca das não sei-quantas-mulheres e que custou fortunas. De tal forma os custos e a arquitectura foram extravagantes, que o edifício tomou o nome de Nonsuch, que quer dizer mais ou menos sem paralelo ou incomparável. O castelo permaneceu nas mãos reais até ao reinado de Carlos II, o marido infiel da nossa Catarina de Bragança e que o deu à sua amante a condessa de Castlemaine, em 1670. Esta Senhora que devia ser muito virtuosa vendeu o castelo pedra a pedra para pagar dívidas de jogo e no momento em que na gravura do Manel aquele grupo galante é retratado, já nada restava da construção sumptuosa de Henrique VIII.


Na verdade, as senhoras e senhores elegantes da estampa do Manel dirigem-se para a corrida de cavalos de Epsom, ali nas redondezas, um acontecimento mundano a que assiste o crème de la crème da sociedade inglesa. São de tal maneiras elegantes, que uns 60 anos mais tarde, mais precisamente em 1913, o próprio Rei Jorge V nelas participa, ocasião que será aproveitada por uma certa sufragista Emily Davison, para se lançar aos pés do cavalo real e chamar a atenção sobre o direito de voto, que era negado às mulheres. Morreu espezinhada e ninguém sabe se pretendia matar-se ou só deter o cavalo do rei, o que certo é que conseguiu uma publicidade tremenda para o movimento sufragista e em 1921, a Inglaterra concedeu finalmente o voto às mulheres.
A morte de Emily Davison

4 comentários:

  1. Cá estou eu no meu elemento! :)
    Ainda bem que , para além das suas, ainda tem à disposição as gravuras do Manel...
    Uma bela gravura e ainda por cima ilustrando um local misturado com a história inglesa, ligado ao Henrique VIII e a Carlos II - e consequentemente à vida infeliz da nossa Catarina de Bragança.
    Adorei ver esse livro que encontrou como resultado da pesquisa que fez e as belas ilustrações, felizmente nesse caso ainda no lugar próprio. Achei magnífica a gravura daquele Great Hall com o belíssimo trabalho de madeiramentos no teto, muito típico dos grandes palácios ingleses da época Tudor.
    Essa Lady Castlemaine foi o maior espinho cravado no coração apaixonado da Catarina de Bragança mas veio ela própria a sofrer por ciúmes com a ascensão de uma nova beleza aos favores do ostensivamente adúltero Carlos II.
    É de crer que o modo como ela se desfez do Palácio Nonsuch, não por simples venda mas mandando-o desmantelar todo para depois vender os materiais “avulso”, terá sido por despeito e com a intenção de destruir o “presente” do rei-amante que já não a tinha como favorita.
    O palácio devia ser impressionante e talvez parecido com o Palácio de Hampton Court, também Palácio Real Tudor desde o tempo de Henrique VIII. Fica perto de Londres, à beira do Tamisa, enorme, com magníficos jardins e uma frontaria de tijolo onde se destacam torres e torreões e grandes chaminés no telhado.
    Estas coisas são sempre para mim referências culturais preciosas e podia ficar para aqui a desbobinar mais um bocado :) mas acho que já chega de arrazoado...
    Abraços para si e para o Manel e um bom fim de semana.

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  2. Maria Andrade

    Esta estapa representa um pouco tudo aquilo que sempre imaginámos ser a velha Inglaterra, com os parques de arvóres centenárias, onde se passeiam damas e cavalheiros galantes saídos de uma série de época da BBC ou de um romance das irmãs Brontë.

    Os ingleses adoram o gótico tornaram-no moda muitas vezes na sua história. Nós os portugueses, gostamos é do barroco e dos doirados

    Esta Lady Castlemaine era verdadeiramente aquilo que os nossos amigos brasileiros designam por uma pistoleira, uma mulher sem moral ou cultura, má e ambiciosa. Fez a vida negra à nossa pobre Catarina de Bragança.

    No entanto, no final da sua vida Carlos II aprendeu a respeitar a mulher, que passou a ter assento no conselho do Rei.

    Beijos e ainda bem que apreciou o post, que imaginei que gostasse, uma vez que versa livros e a história inglesa.

    Beijos

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  3. Bem, quanto à gravura, sabia sobre a sua origem e data, sobre o seu autor e o que representava, mas que estava ligada a esta "virtuosa" Lady Castlemaine e, mais tarde, à sufragista Emily Davidson, não fazia ideia.
    Conhecia-a por reputação, esta Lady Castlemain, mas não a ligava a esta gravura.
    Os retratos desta Castlemaine dão-na como uma morena de lábios carnudos e sensuais, representada numa posição algo "abandonada", segura de si e da sua beleza, o que, como ela não tinha nada de estúpida, seguramente sabia.
    Esta "senhora" soube arranjar muito bem o seu futuro, tanto mais que tinha vindo de uma antiga família arruinada, e acabou ficar rica por estar ligada, pela cama, a pessoas tão importantes como o rei de Inglaterra, que ela "pescou" antes deste ter subido ao trono, e ao duque de Marlborough, um seu primo, para não falar de muitos outros de menor importância, sendo que, um ou outro, estiveram à sua altura, pelo má formação e mau caráter que ostentavam.
    Do outro lado do canal, e contemporânea desta "senhora", outra existia, sua congénere, que não lhe ficava muito atrás: Madame de Montespain!
    Por curiosidade, Diana, a malograda princesa de Gales, foi uma descendente desta Lady Castlemaine!
    Mas fiquei encantado por saber que este local, o da minha gravura, esteve ligado à sufragista, não pela morte da senhora, que tal sorte não mereceu, mas pelo objetivo conseguido do voto feminino conquistado.
    Obrigado pela pesquisa que fizeste.
    Manel

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  4. Manel

    Talvez me tenha esquecido de aqui referir que estes dois palácios foram construídos numa zona muito aprazível, com águas térmicas.

    Abraços

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