sábado, 27 de outubro de 2012

Bule em Cantão popular


Embora mostre pouco aqui no blog, continuo a comprar peças de faiança de cantão popular. Não as mostro aqui, pois poucas vezes tenho coisas novas para dizer sobre esta decoração, que nos mercados de velharias passa por Miragaia, embora já todos saibamos ou devíamos saber, que nunca apareceu nenhuma destas peças, que apresentasse as marcas da firma de Rocha Soares.



Mas continuo a encantar-me por esta decoração, sobretudo as peças do século XIX e volta meia volta lá compro mais qualquer coisinha, como este bule, muito bonito embora sem tampa.


Foi um sarilho descobrir-lhe um sítio cá em casa. Quando se é louco, como eu, todos os cantos da casa servem para arrumar faiança, as paredes das salas, da cozinha e até os tectos. Aliás, a minha primeira ideia foi pendurar o bule por um camarão, no tecto da cozinha, para fazer companhia a um jarrinho de vinho e a uma infusa, que por lá já andam. Ainda subi ao escadote com o bule, mas achei que lá no alto não tinha leitura nenhuma. 
Pensei colocar o bule junto à infusa e ao jarrinho de vinho
Percorri a casa e o sítio para o bule brilhar continuava sem aparecer, até que me surgiu uma ideia disparatada, coloca-lo por cima do capitel de talha dourada. Não ficou com a leitura ideal, mas o sítio é insólito, tal como toda a decoração da minha casa.
 
A localização final do bule
 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Os olhos da prima Maria Esteves ou tentando identificar velhas fotografias




Trouxe comigo as velhas fotografias da casa da família materna, com a ideia de as estudar e organizar um álbum. Confesso que quando iniciei o trabalho experimentei um não sei o quê de pânico, ao descobrir mais uma vintena de imagens de gente completamente desconhecida, fotografada mais ou menos entre 1890 e 1920. Como iria eu identificar esses homens de bigodes, as damas de engalanadas rendas e as criancinhas de traje de marujo, agora que a minha mãe e cinco dos seus irmãos já morreram?
Os trajes à maruja

Comecei a organizar então esse núcleo mais antigo formando conjuntos de semelhanças físicas. Se é certo que numa fotografia a criancinha não está identificada, noutra tirada uns anos depois, posa ao lado da sua mãe e no reverso há uma preciosa dedicatória manuscrita, assinada com o nome dos dois, e com os seguintes dizeres: “à dedicada prima oferece esta fotografia…”. Estas pequenas notas manuscritas são o suficiente para começar estabelecer laços, relações e grupos.

O verso da carte de visite era destinado a um texto, uma dedicatória da fotografia à madrinha amada, ao pai venerado e oferecida pelo sobrinho dedicado ou primo muito amigo


Comecei também a perceber que dessas fotografias mais antigas, há mais imagens de primos e amigos, do que propriamente dos meus avôs ou bisavôs. É um pouco como os arquivos. Temos as cartas recebidas dos nossos parentes, mas as que os nossos antepassados enviaram estão na casa dos outros.


Estas fotografias impressas em cartão duro, conhecidas por retratos carte de visite eram nos primeiros anos do século XX ainda muito caras. As pessoas vestiam as melhores roupas e tiravam um único retrato para enviar à madrinha, à irmã ou primo. Muitas vezes nem ficariam com uma cópia para si. Os retratos carte de visite são ainda um símbolo de estatuto social e permitem auferir o bem-estar económico de uma família. Quem é fotografado tem dinheiro, tem estatuto social.

Mas voltando, ao assunto, consegui a partir desse método de associar semelhanças, estabelecer quatro grupos familiares que enviaram fotografias aos meus avós ou bisavós:
Os Campilho: retrato de Pedro Campilho dedicado aos meus bisavós Maria da Graça e Clemente em 1909
Primeiro, os Campilhos, amigos dos meus biavós maternos, cujos quintais confinavam. Hoje os Campilhos ligaram-se aos Palmela, mas na altura, ainda teriam com os meus bisavôs, que eram uns meros lavradores abastados, umas animadas conversas sobre maças e peras, debruçados no muro que dividia as propriedades.


Os Sampaio. Foto do Emílio Biel do Porto

Depois aparecem muitas fotografias dos Sampaios, primos por parte do meu bisavô materno, mas cuja relação exacta de parentesco não consegui ainda apurar.


Os irmãos Fernandes. Ainda conheci duas destas meninas. A mais pequena era Madrinha da minha mãe


Em terceiro lugar, também primos por parte desse mesmo avô, surgem os Fernandes, cujas fotografias consegui reconhecer sem dificuldades, pois ainda me lembro de alguns deles vivos e mantenho algum contacto com os filhos e netos. 


E finalmente apareceram uma dúzia de fotografias de um grupo de gente com o apelido Esteves, de quem eu nunca ouvi falar e que eram sem dúvida parentes, pois dedicam sempre a carte de visite ao seu querido primo ou sobrinho.

Os olhos portugueses da Maria Esteves em 1918

Tocou-me particularmente o retrato da Maria Esteves, uma jovem com um pescoço elegante e uns grandes olhos escuros um pouco tristes, mas bonitos. Enfim, uns verdadeiros olhos portugueses. A fotografia está datada de 1918 e nela a Maria Esteves escreve a minha avó Adelaide, queixando-se que o primo não lhe escreve e que lhe manda aquele retrato pois ainda não tiveram oportunidade de se conhecerem.

No verso da carte de visite, a Maria Esteves queixa-se a minha avô Adelaide que o primo não respondeu à sua carta. Data, 1918

Fiquei curioso por saber quem era esta prima desconhecida, que apresentava uma certa elegância já muito urbana. Por contraste, os outros Esteves, tem um ar mais grosseiro, de quem saiu há pouco tempo dos campos, mas que já possui dinheiro para se fazer fotografar com fatos de senhora, brincos e cordões de ouro.


Apesar da seda, dos fios e brincos de ouro, a Cândida Paulina Esteves apresenta o ar que ainda há pouco amanhava a terra. Carte de Visite de 1915, dedicada ao sobrinho, o meu avõ paterno António da Purificação
Fiz uns quantos telefonemas a uns primos mais velhos e percebi que estes Esteves eram primos por parte do meu avô materno, o António da Purificação, que proveio de um meio mais humilde que a mulher, o que explica que aquelas senhoras suas familiares tenham ainda aquele ar campónio, apesar das sedas e dos ouros.


Liguei ainda ao meu pai, uma espécie de conservatória dos registos familiares e lá me confirmou o parentesco destes Esteves com o meu avô materno e deu-me um esboço de árvore genealógica, de um ramo da família, que já nos tínhamos esquecido um pouco. A bonita Maria Esteves tinha por nome completo Maria Joaquina Esteves, era prima direita do meu avô materno e terá talvez nascido em 1898 e certamente, que já morreu por estes dias. Não herdou o ar de camponesa da mãe, a Cândida Paulina Esteves. O avô da Maria Joaquina, cujo nome desconhecemos era o meu trisavô e não sei quem era. Não conheço todos os meus trisavôs.

Quando começamos a estudar os nossos antepassados, temos tendência a concentrarmo-nos mais num ramo, normalmente o masculino ou até pode ser um feminino, desde que seja mais aristocrático. Esquecemo-nos frequentemente nesses estudos de genealogia, que descendemos de 4 avôs, 8 bisavôs, 16 trisavôs e 32 quatrisavós e não-sei-quantas dezenas de tetravôs e que esse número se vai multiplicado à medida que recuamos no tempo. Como dizia a Yourcenar, começamos a fazer genealogia por vaidade e acabamos angustiados junto ao enorme abismo onde jazem os milhares de mortos que nos antecederam.


E tudo descobri pela curiosidade que me despertaram os bonitos olhos da Maria Esteves.

sábado, 20 de outubro de 2012

Azulejos: um toque de ambiente do séc. XVIII



O meu amigo Manel partilha comigo o mesmo gosto pela boa azulejaria portuguesa e foi comprando aos poucos, aqui e ali, restos de paneis, muitos azulejos de padrão e frisos. Um ou outro azulejo marmoreado dei-lhos eu próprio, fruto das minhas pesquisas nos contentores de entulho das obras, no centro de Lisboa. Como sabem, a maioria das pessoas quando remodelam os apartamentos ou prédios antigos, pedem aos mestres de obra para deitar fora os azulejos antigos. Julgo que pensarão que se mantiverem a azulejaria pombalina, os potenciais compradores ou locatários acharão que os prédios não estão suficientemente renovados e por conseguinte desistirão de comprar ou alugar aquela casa. Para muita gente o que é antigo cheira a mofo, ou melhor, a morte.


Mas não queria maçar ninguém com considerações morais, queria era mostrar-vos, o novo painel de azulejos que o Manel e eu colocámos na sua casa do Alentejo.

 


O Manel escolheu um painel de 8 azulejos, combinados com um friso marmoreado, disposto junto ao chão como era hábito do século XVIII. Decidimos colocar o painel ao nível do rodapé, como também era costume no passado e conferir mais veracidade ao cenário pretendido.


Com um escopro e um martelo, encarreguei-me de quebrar o estuque, dando largas à minha faceta de Rambo destruidor e pus os tijolos à vista. O chão foi protegido com um grande plástico preto.  

 

Depois veio o Manel, que fez a massa, molhou a parede e os azulejos e fixou-os à parede. Deixámos secar e no dia seguinte limpámos e o resultado foi fantástico. Uma dúzia de apenas de azulejos foram o suficiente para dar um toque de ambiente do século XVIII à sala.


domingo, 14 de outubro de 2012

Vinhais: uma Virgem em magestade românica



Era jovem, teria uns 23 anos, quando descobri a Igreja de S. Facundo em Vinhais. Era um sítio um bocadinho tenebroso, pois é a igreja do cemitério, mas fiquei logo fascinado com umas esculturas misteriosas, que a igreja apresentava na fachada, dispostas ali sem obedecer a qualquer regra lógica. Parecia que alguém as tinha encastrado ali às três pancadas, numa reconstrução qualquer apressada da igreja.





Comecei a ler tudo o que me aparecia sobre o assunto que era pouco. Basicamente, a obra do Abade de Baçal e as fontes que ele citava. O grupo escultórico principal era tomado como a Santíssima Trindade, o grupo das três cabeças representaria S. Facundo e S. Primitivo e Deus todo-poderoso. Enfim, a coisa não me convenceu de todo e quando comecei a comparar estas esculturas de S. Facundo com as imagens da Trindade e percebi que tinham muito pouco em comum.


A Santíssima Trindade é um dogma católico complicado, cuja compreensão escapa a maioria das pessoas. Os cristãos ortodoxos nunca o aceitaram e foi umas das razões principais porque se zangaram irremediavelmente com Roma. Os protestantes também nunca engoliram a ideia de três divindades que são uma só. Portanto, quer isto dizer, que em termos artísticos, havia o maior cuidado em representar a Santíssima Trindade, de forma, a que as 3 pessoas tivessem exactamente mesmo peso. Ora estas esculturas de S. Facundo não tinham a ver com a simetria das representações da Santíssima Trindade, também conhecidas por trono da Graça. Percebi que não eram a Trindade, mas o que seriam então?



Santíssima Trindade ou o Trono da Graça. Museu de Mação


Depois de revirar muitos manuais de História da arte, encontrei por acaso uma imagem muito semelhante ao grupo escultórico de S. Facundo, que representava uma Virgem em Majestade Românica do Séc. XII ou XIII, que estava no Museu Arqueológico de Madrid e por coincidência ou não tinha vindo de uma localidade espanhola, onde S. Facundo tinha sido martirizado, Sahagun (corruptela de S. Facundo). Percebi então que estava ali uma representação de Nossa Senhora do período românico, provavelmente do século XIII e bastante rara.



Virgem em Magestade. Museu Arqueológico de Madrid, proveniente de Sahagun

Mas esta descoberta ficou arquivada na gaveta. Durante a minha juventude andei demasiado ocupado em sobreviver a empregos pagos a recibo verde ou a contrato, a passagens meteóricas pelo ensino e a fusões de direcções-gerais para parar e escrever um texto sobre S. Facundo e publica-lo.


Depois casei, tive filhos e divorciei-me e só agora já perto dos cinquenta, encontrei outra vez disposição para me dedicar à história e aos meus projectos culturais. Quando comecei a escrever o blog, comecei logo a pensar alinhavar um texto sobre as esculturas de S. Facundo, mas o assunto era um bocadinho complexo para um blog, pois na Internet as pessoas não tem pachorra para ler grandes teses ou arrosados, como diria a outra…


Depois, há muito pouco tempo o Roberto Afonso da Câmara Municipal entrou em contacto comigo, pedindo autorização para usar numa exposição uma imagem publicada no meu blog, sobre o convento da Mofreita e eu com o maior desplante, ofereci-me para colaborar no boletim municipal, com um texto sobre S. Facundo. A sugestão foi muito bem aceite, o texto foi publicado no passado mês de Agosto e coloco aqui uma cópia do boletim Municipal de Vinhais (págs. 24 a 25), para quem desejar saber mais sobre esta raríssima imagem medieval da Virgem Maria e a chave para compreender o significado desta representação, que nos parece tão primitiva.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A conchinha caiu n'água ou porque me encantei por uma figurinha em biscuit


Sei que não devia ter comprado esta peça. É um bibelot kitch, do tempo em que as famílias burguesas enchiam as casas de naperons. Naperons nos canapés, nas poltronas, nas cómodas, nas mesinhas de apoio e nos pianos, enfim naperons por todo o lado, pois as senhoras virtuosas tinham que manter as mãos ocupadas e faziam então naperons às dezenas para desviarem o espírito de pensamentos impróprios. O gosto das casas deste início do século XX era carregado, as salas de jantar tinham móveis em estilo neo-renascença, os os salões de estar cadeiras e canapés estofadas com capitonneés e os bibelots competiam com os naperons por toda a parte.



Mas, apesar desta conotação com um certo gosto duvidoso burguês, eu gostei desta menina em biscuit, navegando numa gondola. Achei-a uma peça tão perfeita, tão delicada e o preço era quase dado. Apesar de não ter qualquer marca, será provavelmente alemã. Pelo menos os sites de venda on-line americanos, como por exemplo o http://www.rubylane.com, costumam atribuir a este tipo de figurinhas um fabrico alemão e uma data de produção algures no início do século XX.



Quando olho para esta menina navegando na sua Gondola fantasiosa, só me recordo de um show de travesti que vi há muito anos, em que um calmeirão vestido com um fato de banho de menina ao estilo dos anos 20 e enfiado numa bóia em forma de barco, cantava o velho êxito de Celly Campello, A lenda da conchinha. Talvez seja por causa desta recordação, que não resisti a comprar esta figurinha em biscuit. Por vezes, o nosso coleccionismo é guiado por estranhos impulsos.


A lenda da conchinha

Nas dobrinhas de uma concha
Nosso amor eu escondia
E a conchinha cor de rosa
Meu segredinho sabia
Nela eu guardava os beijos e
O calor do nosso amor
A conchinha caiu n'água
Mergulhei para buscar
Mas o amor que estava dentro
Escapuliu, ficou no mar


E dois peixinhos que passavam
Então levaram nosso amor
E agora o mar
Tem mais peixinhos a nadar.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Visita do arqueólogo José Leite de Vasconcelos a Outeiro Seco

 
A sala do "Museu", já em ruínas... (foto do Manel)
Era mais ou menos conhecido na minha família, que o meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio (1846-1935), tinha mantido relações epistolares e de amizade com nomes significativos da cultura e da vida portuguesa dos finais do séc. XIX e inícios do séc. XX e até havia alguma coisa escrita sobre o assunto. Por exemplo, em 23 de Fevereiro de 1961, saiu um artigo na Voz de Chaves, assinado por um tal LM, intitulado, Insignes varões flavienses: José Rodrigues Liberal Sampaio, onde se refere que na sua casa de Outeiro Seco, o meu trisavô recebeu personalidades como José Leite de Vasconcelos, Mendes Correia e ainda Suas Altezas Reais D. Luís e D. Manuel.


No entanto, sempre tive alguma desconfiança relativamente a estes artigos, publicados depois da morte das pessoas, em que normalmente se traçam os maiores encómios ao falecido e se exageram sempre as suas virtudes morais, físicas e intelectuais. Fiquei sempre à espera de ver com os meus próprios olhos a confirmação destas relações.


E realmente aconteceu.

 
José Leite de Vasconcelos. Foto copiada de http://www.mnarqueologia-ipmuseus.pt/

A semana passada, na Biblioteca onde trabalho, dei com um livrinho, de José Leite de Vasconcelos, intitulado Por Trás-os-Montes, publicado pela Imprensa Nacional em 1917. A obra é uma espécie de caderno ou um diário, onde aquele que foi o pai da arqueologia e etnografia portuguesa ia tomando nota das impressões da viagem, que empreendeu por aquela província em 1915. Foi em serviço do governo português para presidir a exames nos Liceus de Chaves e Bragança, mas também para recolher peças e achados para o seu museu de arqueologia e etnografia, criado em 1893.



Na época a arqueologia ainda não tinha ainda ganho um caracter inteiramente científico e José Leite Vasconcelos andava aqui e acolá, um pouco por todo o país a recolher uns bifaces da Idade da Pedra, umas moedas visigodas ou um fragmento de uma estátua romana. Não era como hoje, em que os arqueológos fazem escavações sistemáticas numa área específica, em que anotam exactamente em que parte da jazida, aquele crânio ou aquele colar de contas foram achados, conseguindo mediante esse registo rigoroso reconstituir todo um primitivo acampamento humano. 

Na verdade e apesar de hoje acharmos que estamos mal, o património arqueológico do país em 1915 estava verdadeiramente abandonado e foi graças a carolice de homens como José Leite de Vasconcelos que andaram a recolher antigualhas aqui e acolá, que existe hoje um Museu Nacional de Arqueologia.


Em todo o caso julgo, que José Leite de Vasconcelos, mantinha este Diário, para ter um registo da proveniência das peças que ia recolhendo para o seu recém-criado museu .


Bem, mas o que nos interessa é que José Leite de Vasconcelos está em Chaves em 1915 e vai registando as impressões da vila, do seu artesanato, dos seus costumes e da arquitectura. Encanta-se particularmente com as varandas de Chaves, que reproduz algumas fotografias.
Varandas de Chaves em 1915. Ainda existirão?

Faz também algumas excursões as aldeias vizinhas para visitar ruínas antigas ou recolher artefactos do passado. Assim, na tarde de 14 de Julho de 1915 foi a Outeiro Jusão, com Liberal Sampaio, que é muito sabedor das cousas históricas de Chaves, e possuidor de uma colecção de antiguidades, como logo direi. Nesta aldeia viram uma lápide com a palavra PRAEN inscrita.
O meu trisavô, que fez formou um gabinete de curiosidades ou museu no Solar de Outeiro Seco

 A 15 de Julho, José Leite de Vasconcelos e Liberal Sampaio fazem uma nova excursão arqueológica até ao Pontão, freguesia de Vale da Anta, onde visitam os restos de um muro romano com funções então desconhecidas.


O fundador do Museu Nacional de Arqueologia continua nestes dias por Chaves e arredores visitando inscrições rupestres, lápides romanas e recolhendo quer objectos arqueológicos, quer etnográficos.


Mas a 17 de Julho, José Leite de Vasconcelos reencontra Liberal Sampaio, que vive em Chaves, onde é advogado, mas tem casa em Outeiro Seco e aí uma colecção arqueológica, que fez o obsequio de me mostrar (pela Segunda Vez, pois eu já a havia visto em 1895)(….)

A Sala do Museu nos meados dos anos 60. Vê-se a vitrine onde se colocavam as preciosidades
 
A colecção do Dr. Liberal Sampaio consta de moedas e antigualhas. As moedas, que começou a reunir em 1876, são portuguesas, hespanholas, e romanas (tanto da republica como do imperio), estas últimas encontradas geralmente pelo Concelho de Chaves; também com as moedas há medalhas portuguesas: todo o monetário está ainda por classificar. Entre as antigualhas notei machados de pedra, instrumentos pré-históricos de bronze, fragmentos cerâmicos de várias épocas, uma enxada romana de ferro romana aparecida no Couto do Ervededo (Chaves) com moedas de Maxencio, dois outros ferros agrários achados em Fírvidas (Montalegre), com moedas de Constantino e sobretudo dois anéis, um de bronze, com enfeites na pala, encontrado perto de Carrazedo de Montenegro (Chaves) e outro de ouro romano
Outro aspecto da sala do Museu em meados de 60

Por esta ocasião, o meu trisavô ofereceu ao Museu de Nacional Arqueologia, na pessoa de José Leite de Vasconcelos dois machados de pedra polida, e um pedaço de outro, dos arredores de Outeiro Seco; uma seta de cobre, e um pedaço de vaso ornamentado, da quinta da Mina; uma rodela ou disco pequeno de barro, do tipo da loiça dos castros (arredores de Outeiro Seco); um pedaço de tegula com impressões de patas de animais; outras miudezas.

Na Quinta da Mina, que pertencia também ao solar, Liberal Sampaio mostrou-lhe os chamados lagares ou lagaretas, isto é, covas escavadas na pedra e usadas na Idade Média na transformação da uva.



Os lagares ou lagaretas da Quinta da Mina, usados na Idade Média para transformação do vinho. Fotografia do meu amigo Humberto

Os meus seguidores que me desculpem a enumeração enfadonha, mas é a primeira descrição mais pormenorizada, que se dispõe do chamado museu do solar de Outeiro Seco, ainda que só das peças arqueológicas, porque naturalmente a arte sacra, o mobiliário ou a faiança não interessariam a José Leite de Vasconcelos. Também temos agora a certeza que José Leite de Vasconcelos fazia parte do círculo de Liberal Sampaio e que visitou o solar dos Montalvões duas vezes, uma em 1895 e outra em 1915.
A Sala do Museu hoje (foto do Manel)

Por último, fica também uma pergunta no ar. Se José Leite de Vasconcelos conheceu o Solar em 1895, para visitar a colecção de Liberal Sampaio, ainda estando viva a minha trisavó, Maria do Espírito Santo, a verdadeira proprietária da casa, isso quererá talvez dizer que os dois viveram de facto maritalmente?


A resposta fica para outros posts


Uma janela exterior da Sala do Museu nos anos 60

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Verónica com Nossa Senhora das Dores



Mesmo os menos crentes saberão que Nossa Senhora das Dores representa a Virgem Maria trespassada pela dor no momento da morte do filho, Jesus Cristo. Por essa razão, a Virgem é normalmente representada com sete espadas no coração ou mais raramente com uma apenas, como no caso deste registo. Também é verdade, que em menos de dois centímetros de área com que conta esta estampa seria difícil representar sete espadas.


Nossa Senhoras das Dores representa um fenómeno do Cristianismo em que Maria une-se ao sofrimento do filho. Esta ideia é fácil de perceber se nos recordarmos de algum velório ou funeral onde as mães lamentam os filhos mortos. Ainda esta semana assisti a um, em que uma mãe destroçada chorava um filho, que suicidou aos 24 anos e quando olhei para ela, não pude deixar de me recordar desta devoção da mater dolorosa, tornada tão popular na Europa, logo partir do Século XIII.



Mas há outra coisa profundamente feminina nesta Nossa Senhora das Dores, que é o trabalho precioso do bordado, que rodeia o registo, feito a fio de ouro, prata e lantejoulas. O complexo lavor quase que se sobrepõe à estampa, remetendo-a para um segundo plano. Quase, se nós não soubéssemos que a intenção desta Senhora tão virtuosa de mãos, era lembrar um filho morto nos braços, talvez único, ou pedir a protecção para os outros filhos ainda vivos a uma qualquer entidade divina, através de um precioso lavor a prata ouro e missangas sobre seda.