domingo, 10 de março de 2013

Ao desconhecido


Continuo às voltas com as fotografias antigas da família materna. Vou fazendo alguns progressos na identificação das imagens, recorrendo quer ao auxílio de primos mais velhos, que ainda conheceram nos anos cinquenta algumas das pessoas destes retratos datados entre os últimos anos do século XIX e os primeiros do século XIX, quer a uma genealogia familiar feita pelo meu pai. Leio e releio também as dedicatórias escritas nos versos das fotografias. Do cruzamento desses dados começo a formar uma ideia da rede de parentesco e amizades dos meus avós e bisavós maternos. Curiosamente algumas dessas relações perduram até aos dias de hoje, apesar de já terem passados cem anos e os laços familiares se terem transformado num já vago parentesco.


Outras fotografias não apresentam qualquer dedicatória e como quem as podia identificar já morreu, permanecem silenciosas. Por mais que me esforce não consigo dar-lhes um nome, encontrar uma filiação, ou um parentesco. É o caso do retrato deste senhor tão janota, que se fez fotografar à volta de 1860-1870, a julgar pelos ombros do casaco, grande laço e colarinhos levantados.
James Tissot (1836-1902). Le Cercle de la rue Royale (détail)1868. Paris, musée d'Orsay. O quadro de Tissot mostra bem a moda masculina no final do II Império.  Julgo que o jovem do albúm da minha família materna traja segundo a moda desta época.
É um jovem de feições bem desenhadas, bonitos lábios e vestido com elegância. Vê-se que é homem bem-nascido. Não é um lavrador abastado que no dia de feira veste as suas melhores farpelas para se fazer retratar por um fotógrafo ambulante. Tento encontrar nele feições de família, mas é difícil. Tem uma pele branca como todos os Morais, mas nas terras frias de Vinhais isso não significa forçosamente parentesco pois os olhos azuis, cabelos loiros ou castanhos-claros e a tez clara são muito comuns na região. Por outro lado, comparando-o com outros retratos da família materna, onde transparece ainda uma certa ruralidade, este jovem parece-me demasiado aristocrático.

Na maioria dos retratos da minha família materna tirados por fotografos ambulantes nas feiras transparece ainda uma ruralidade.

Mas, talvez dos 8 trisavôs que tenho pelo lado materno, algum fosse de um ramo mais fidalgo, ao qual pertenceria este janota. Também este jovem bem-parecido poderia pertencer a uma família aristocrática, da qual a minha seria subsidiária e entre as duas existisse uma relação simultaneamente de patronato e amizade, de que esta fotografia é testemunho. 

Enfim, tenho que reconhecer que não consigo tirar nada de concreto desta fotografia. Já ninguém se recorda deste jovem bonito, que talvez seja meu antepassado. Olho para ela e já só vejo o esquecimento e a morte, isto é, o desconhecido.


8 comentários:

  1. É uma sensação estranha esta de olhar para um retrato que temos num qualquer álbum de família e não poder identificar uma determinada pessoa. Em contrapartida, podemos imaginar um sem número de histórias... de vidas... :)

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  2. Luisa

    De facto estas imagens antigas puxam um bocado a nossa veia romanesca. Tivessemos nós o talento da Yourcenar e talvez pudessemos escrever uns Arquivos do Norte ou uns Souvenirs Pieux a partir destas fotografias de gente morta há muito e de que pouco ou nada se sabe. Eu tento apenas fixar por escrito as minhas impressões perante os pequenos testemunhos destas vidas, que ocorreram há ou cem e ou cento e cinquenta anos.

    um abraço

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  3. Com um bigodinho ficaria com um ar mais "dandy", e talvez lhe atenuasse o ar nostálgico e algo triste que possui, o que lhe é acentuado pelos cantos da boca virados para baixo.
    Mas é uma figura curiosa que seguramente terá tido alguma importância para alguém da tua família, claro, doutra forma não apareceria pelo album de fotografias.
    Talvez fosse o enamorado de alguma das tuas parentes, cujo noivado se pode ter gorado, ficando a recordação em forma de instântaneo, pode ter pertencido à roda de conhecimentos da família, e seja uma foto de cortesia, poderá ter sido um parente teu, de que entretanto de perdeu o rasto, mas, dado o seu ar, não me parece ter sido pessoa a esquecer desta forma tão estranha (não raras vezes, nas famílias bem postas na vida, tenta-se ignorar, ou "colocar no armário" as "ovelhas negras", os "pelintras", os inadaptados).
    Está tudo em aberto.

    Os mistérios também podem ter o seu encanto e dar azo às mais fantásticas história recriadas pela nossa mente.
    Manel

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  4. Manel

    Embora suspeite que este jovem possa ser um Morais Sarmento, um Campilho ou um Almendra, o facto de não saber nada de concreto acerca dele, permitenos coloca-lo em vários papeis, protagonista de um amor inconfessável ou de uma paixão camiliana com um desenlace trágico. Na minha família ainda há eco de uma ou duas dessas histórias dignas da pena de Camilo Castelo Branco.

    Julgo que a minha tia Maria Adelaide, a irmã mais velha da minha mãe ainda saberia quem era este homem elegante. Talvez daqui a um ou dois anos apareça aqui no blog um descendente dele e resolva o mistério do belo desconhecido

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  5. Caro Luis

    Uma foto amarelecida, esfumando-se na distância do tempo,pode ser tudo e já não é nada...foi na certa a verdade do dia em que foi tirada..foi uma vida que passou.....uma serena paz que adormeceu há muito tempo..A foto chegou à madrugada do tempo de hoje..e sobre ela esfumam-se histórias de alguém que já se vestiu a rigor e que o tempo despiu e sobre as roupas fez a traça ninho..este tempo nosso que ajuda a nascer e adormecer na morte.....fica a foto até o dia do banquete do bicho da prata....porque por mais caridosas mãos que a guarde...o tempo a fará cair como areia entre os dedos....Que pena as fotos não falarem!!!! falamos nós por elas....essa foi a história que o Luis contou...essa é a vida que se dá às coisas mortas...
    Um abraço
    vitor Pires

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  6. Caro Vítor.

    Muito obrigado. É interessante porque percebeu exactamente o fascínio que exerce a fotografia de um desconhecido num album familiar. O breve instante capturado pela fotografia, que chega às nossas mãos passados cento e dez ou cento e vinte anos, desperta em nós relexões poéticas acerca da morte, da vida, da juventude, da beleza e da tentativa de conservar os testemunhos do passado, que parece ser sempre uma luta, destinada, um dia, a ser perdida.

    um abraço

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  7. Fascinante esta fotografia!! O olhar impressionou-me, pois parece-me um pouco triste e distante...mesmo sem nome, a homenagem está feita. Saiu das páginas de um álbum para se mostrar num mundo tão distante do seu!

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  8. Calçada da Miquinhas

    Cara Amiga.

    De facto esta fotografia de um jovem bem parecido, com ar triste e do qual toda a mémória que existia sobre ele já se apagou é qualquer coisa que nos toca. Ainda para mais é a fotografia mais antiga do album.

    Bjos e obrigado

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