terça-feira, 11 de junho de 2013

Oh ma mère, ou êtes-vous donc aujourd´hui?


Resolvi apresentar hoje uma fotografia da minha mãe e da sua irmã Francisca, tirada em 1950, em Vinhais, num sítio que não consigo determinar, mas onde se vê ao fundo o monte da Ciradelha. As duas estão ainda de luto pela morte do pai. Talvez um luto já aliviado, pois os vestidos já tem golas e cintos brancos. A minha mãe está muito bonita. Também é verdade que poucos de nós conseguimos achar os nossos pais ou os nossos filhos feios.

Como faz agora um ano que ela morreu, apeteceu-me evoca-la aqui. Sei bem, que fotografia não corresponde à imagem da mãe que eu conheci. Já sou um filho tardio, e as recordações mais antigas que tenho da minha mãe, são de uma mulher já nos quarentas.



No passado sábado fui a Benfica visitar a campa, talvez por obrigação social, ou talvez com a ideia de que o sítio onde o corpo da minha mãe está me fizesse reviver a sua voz, o seu riso, o seu olhar e os ralhetes que ouvi na infância. Mas o local onde está sepultada deixou-me indiferente e fiquei apenas com o sentimento de estar só com a minha tristeza e  receios.

Voltei para a casa com música da Barbara nos ouvidos, o Mon enfance. Esta cantora francesa, que os críticos afirmaram ter sido capaz de cantar o que nunca é dito, exprimiu nesta música aquilo que senti no Sábado e que aqui não transcrevo.


Oh ma très chérie, oh ma mère,

ou êtes-vous donc aujourd'hui?

Vous dormez au chaud de la terre.

Et moi je suis venue ici

pour y retrouver votre rire,

vos colères et votre jeunesse.

Et je suis seule avec ma détresse.

Hélas

Pourquoi suis-je donc revenue

et seule au détour de ces rues?

J'ai froid, j'ai peur, le soir se penche.

Pourquoi suis-je venue ici,

ou mon passe me crucifie?

Elle dort a jamais mon enfance


22 comentários:

  1. Caro Luís,
    Não sei muito bem o que lhe dizer, já que os sentimentos são algo de muito pessoal, e que por vezes nem se sabem explicar devidamente.
    Felizmente, ainda tenho comigo os meus progenitores, e sinceramente nem quero pensar a falta que, tanto um como outro me irão fazer. Em meu entender, os pais da geração dos nossos, são na maioria dos casos um suporte moral, e um alicerce da sociedade.
    Muitos dos que da nossa geração constituíram família, tiveram neles o apoio incondicional no começo da vida, quando ajudaram a criar os netos, ou deram guarida aos filhos e netos em situações difíceis.
    Gostaria também de lhe dizer que, apesar de os seus filhos já não poderem privar com a avó, o Luís terá sempre a hipótese de a fazer lembrar através da sua memória, seja por meio dos objectos que lhe eram mais queridos, seja através dos gostos e coisas que ela mais gostava.
    E ainda que actualmente, os seus filhos possam não ligar a esse tipo de referências, hão-de um dia recordar o que o Luís lhes transmitiu acerca dela, e passá-lo-ão aos seus netos (bisnetos que ela não pôde conhecer).
    A vida é feita de memórias, umas melhores, outras piores, sendo que, para si, a sua mãe é decerto uma memória de tempos felizes. E acrescentarei que ela tinha um rosto muito bonito, um olhar doce, direi mesmo sonhador. No entanto, afigura-se-me que também teria sido capaz de, e quando necessário, ser firme. O Luís tem muitas semelhanças fisionómicas com ela.
    Finalizo, escrevendo que, a meu ver, o culto dos mortos não deve ser aquilo que os valores da vivência em sociedade ditam, mas sim aquilo que cada um sente!
    Anime-se pensando que lhe deu uma linda descendência! Diferente dela, talvez mais solta, mas uma continuidade, não tem, aliás não deve fazer-se de igualdades. São as diferenças que provocam os avanços! E o Luís em si, já constituiu um avanço!
    Um abraço amigo

    Alexandra Roldão

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  2. Cara Alexandra

    Sendo este um blog de memórias, aproveito por vezes para fazer estas associações entre as fotografias antigas, a música e as memórias. São pequenos apontamentos a preto e branco um pouco mais sentimentais do que é habitual.

    E depois há a Bárbara, que como diz a minha amiga Isabel Ruela, tira-me do sério.

    Um abraço

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  3. adorei....onde estamos nós? não sei, mas é uma tristeza enorme e um vazio, do tempo que passou e Ela já dorme e já não protege os nossos fantasmas. Nunca mais.
    beijos da tua irmã

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    1. Teresinha

      Antigamente a família mandava rezar uma missa por alma da mãe morta. Como não sou crente e acho as missas uma grande chumbada, a minha forma de fazer essa homenagem pública à mãe foi aqui, associando-a à música da Barbara.

      Os seguidores do blog que me perdoem, mas o culto dos antepassados faz parte intrínseca da história, do gosto pelas antiguidades e pelas velharias e vem e volta muitas vezes aqui.

      Bjos

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  4. Luís, não tem nada que pedir aos seguidores do seu blogue que lhe perdoem. Eu acho é que nos deu o privilégio de acedermos aqui a uma manifestação muito bonita dos seus sentimentos pela falta da sua mãe, com a ajuda de uma bela canção muito expressivamente cantada.
    Senti-me um pouco como uma intrusa, já que me pareceu que o Luís estava a escrever sobretudo para si e para os que partilharam consigo a mesma perda.
    A sua mãe está realmente muito bonita nesta fotografia e é bom que a recorde assim.
    Bjos

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    1. Maria Andrade

      Ir buscar estas fotografias da minha mãe, de um tempo que ainda não era sequer vivo, é uma forma de idealiza-la, de construir um passado para mim. Mas julgo que a nossa atracção pelas fotografias antigas tem muito a ver com a construção de uma memória, que por vezes não coincide exactamente com os acontecimentos do passado.

      Do outro lado há um retrato ainda muito presente da minha mãe, uma memória da sua voz, do seu olhar, ao qual eu tento regressar, tal como na canção da Barbara.

      Enfim, o post jogou um pouco com esses sentimentos.

      A morte é um acto público, que se partilha com não só com os familiares, mas também com os amigos, numa palavra com a comunidade.

      Bjos e obrigado pelas suas palavras

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  5. Meu caro Luís
    Linda, a maneira como lembrou a sua mãe.As fotografias das pessoas que amamos adquirem outro sentido quando estas desaparecem e olhá-las, mesmo que fugazmente, despoletam emoções, quantas vezes contraditórias, mas que nos tranquilizam e amaciam as memórias.
    Um beijo para si

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  6. Mas a tua mãe era uma senhora muito bonita e elegante, com um porte que considero distinto, e revejo-a na Maria do Carmo, que quase parece filha dela, em vez de neta.
    E os cemitérios portugueses são pouco apetecíveis.
    Não apetece demorar neles, nada como os de tradição inglesa, onde a memória é ajudada por verdura, "jardins de pedra", como alguém muito acertadamente lhes chamou.
    Numa das minhas caminhadas pelas montanhas no Norte de África, o guia, marroquino instruído, geólogo com grau de doutor, a certa altura parou no meio do nada, inclinou-se respeitosamente e avisou-nos que seria preferível fazer um desvio, pois não deveríamos caminhar pelo cemitério ... olhei em volta e nada vi, tudo era igual ao envolvente, e fiquei a perguntar-me quais os elementos que teriam servido de reconhecimento do local.
    Respeitosamente também eu passei ao largo obedecendo a normas ancestrais. Perguntei-lhe o que o tinha feito reconhecer aquele local e ele apontou-me algumas pedras colocadas de forma invulgar.
    Mas o pior que vi foram os "colombários" em Itália (creio que aqui também os há, segundo me disseram), onde os não vivos se encontram empilhados, fila sobre fila.
    Incomodou-me esta ideia. Mesmo na morte continuamos empilhados, como nas "coelheiras urbanas" que habitamos em vida.
    Muito bonito este post que fizeste
    Manel

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  7. Maria Paula

    Muito obrigado pelo comentário tão simpático.

    Bjos

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  8. Manel

    De facto a minha filha Carminho herdou os o genes do lado Ferreira, talhados nas montanhas de Vinhais, onde o Norte da Europa já se anuncia.

    Há muita gente que inclui nas suas viagens turísticas uma visita aos cemitérios. O Père-Lachaise em Paris onde estão enterradas duzias de celebridades das artes e da vida mundana é ponto turístico mais importante, por exemplo, que os Inválidos. O cemitério judeu de Praga é também um lugar de passeio incontornável, e é um sítio absolutamente impressionante. Num espaço de terreno relativamente pequeno, os túmulos foram sendo postos uns em cima dos outros ao longo de 350 anos, e apesar de hoje só serem vísiveis cerca de 12.000 sepulturas, calcula-se que ao todo estejam lá enterradas mais de 100 mil pessoas. No fundo, este velho cemitério judeu de Praga é paradigmático da nossa condição de vivos. Cada um de nós, tem atrás de si um número infidável de antepassados mortos, que se acumulam debaixo da terra em camadas sucessivas.


    Um abraço

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  9. É linda sim, a sua mãe. E digo é, porque as nossas mães são-no eternamente. Também já não tenho a minha neste mundo e embora já não visite com tanta frequência a sua campa, quando lá vou sinto paz. Mesmo morta e a fazer-me falta a minha mãe é um aconchego. E isso não impede a minha tristeza mas de alguma forma provoca-me um misto de emoções e faz-me perceber que o amor é verdadeiramente eterno.

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    1. Luisa

      Por detrás de muitos textos deste blog de memórias e velharias, está uma forma muito pessoal de prestar culto aos antepassados, de manter a sua memória viva. Não sendo católico, nem religioso, mas acreditando no valor dos símbolos esta é a maneira mais verdadeira e possível que encontrei de fazer o culto dos mortos. No fundo, estas fotografias são um pouco como as relíquias dos santos. Trazem-me um pouco da vida dos que já morreram.

      Abraços

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  10. Luís,
    A sua mãe é bonita e vai ser sempre porque a eternizou.
    Não consigo, nem gosto de visitar a campa do meu pai. Acho que ele está num local mais bonito que a laje de granito simples que o guarda.
    A Bárbara foi uma excelente companhia de regresso.
    Um abraço!



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  11. Obrigado Ana.

    Julgo que entendeu muito bem a mensagem do post.

    Um abraço

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  12. Bonita a forma que escolheu para prestar homenagem a sua Mãe. Muito obrigada por a ter partilhado aqui no seu blogue.
    Cumprimentos.
    emília reis

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  13. Sentidas palavras para recordar e homenagear a sua Mãe.
    Um abraço
    if

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  14. Cara Emília

    Agradeço muito as suas palavras simpáticas.

    Um abraço

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  15. Cara IF

    Muito obrigado. Achei que esta fotografia da minhã mãe, a ida ao cemitério e as palavras da Barbara formavam um jogo quase perfeito.

    Um abraço

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  16. Luís , voltei no dia de uma belíssima postagem .Ela fez-me vir as lágrimas aos olhos pois quem poderá ler tudo o que aqui deixou sem se sentir tocado profundamente tocado ? Bela homenagem , belas as palavras ...
    um abraço
    Quina

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  17. Cara Quina

    Muito obrigado. Fico sempre contente quando o que escrevo toca as pessoas que estão do outro lado do monitor.

    Um abraço

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  18. Caro Luis
    Há momentos em que as palavras não são suficientes, há momentos em que as palavras não fazem sentido, há momentos em que as palavras por mais carregadas de sentimento, nunca exprimem aquilo que um silêncio profundo beijado pela saudade consegue transmitir.
    um abraço
    Vitor Pires

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  19. Caro Vítor.

    Por essas razões que apontou, resolvi ir buscar a cantora francesa, que o crítico inglês Norman Lebrecht definiu como: "Barbara is all about the unsaid "

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