terça-feira, 19 de julho de 2016

Faiança Portuguesa: comparar sem concluír


Neste blog já se tem escrito muitas vezes sobre a dificuldade em identificar os centros de fabrico ou fábricas de muitas da faianças portuguesas do século XIX, pois raramente estão marcadas e muitas vezes e apresentam decorações muito semelhantes, já que procuravam corresponder a um gosto dominante do publico. Ainda recentemente comprei o livro A Fábrica de Louça e Vilar de Mouros / Paulo Torres Bento [et al]. Vilar de Mouros: Centro de Instrução e Recreio Vilarmourense: Câmara Municipal de Caminha, 2015 e fiquei baralhadíssimo. Aquela fábrica produziu peças que até há pouco tempo acreditava serem da região centro, outras que se costumam atribuir à Fervença e ainda muitíssimo cantão popular, que como toda a gente sabe, os chicos-espertos do mercado de velharias afirmam a pé juntos que é Miragaia. É um livro muito interessante, que recomendo a todos os amantes da faiança, mas que nos faz pensar ainda mais no perigo de fazer atribuições de fabrico com ligeireza. Por vezes penso, que talvez fosse mais interessante na faiança estudar os gostos dominantes no público ao longo do século XIX, do que concentrarmo-nos tanto na questão da atribuição do local de fabrico através dos motivos decorativos.

Estas linhas, que acabei de escrever, servem para justificar que a associação de peças que hoje apresento, não tem por objectivo classificar ou catalogar faianças. Pretendo apenas fazer uma associação de padrões que parecem mostrar um certo ar de família e que corresponderam a um gosto do público, que talvez diferentes fabricantes procuraram satisfazer.

O primeiro prato apresenta uma decoração algo familiar com o padrão das perdizes, que já foi mostrado pela Ivette Ferreira no seu blog, tempo e histórias . Em vez da perdiz, o prato representa um passarinho. A Maria Isabel mostrou também um prato encantador como este no seu blog e associou-o muito bem ao padrão das perdizes, mas atribuiu-o a fábricas do Norte, Vilar de ou Mouros ou Bandeira, a meu ver sem fundamento, mas cada um é livre de pensar o quer e o mundo seria uma coisa cansativa se estivéssemos sempre de acordo.

Julgo que a faiança decorada com o passarinho tem com uma cor de fundo demasiado creme para ser do Norte, pelo menos comparando com o que vi atribuído a Bandeira, cuja pasta tem sempre uma cor de fundo mais branquinha. Do que observei do livro A Fábrica de Louça e Vilar de Mouros, também não encontrei nada nem de perto nem de longe parecido com este pratinho.
 

A segunda peça é uma chávena de faiança linda comprada a um preço irrecusável, também de uma faiança tosca, decorada com uns motivos vegetais muito sóbrios, que o Manel interpretou como estilização da Salsa prestes a florir.


Talvez respondendo uma intuição qualquer resolvi juntar a chávena com o prato do passarinho e as duas peças parecem que foram feitas uma para a outra.


Este ar de família da decoração e da cor da pasta podem não indicar que foram produzidos pela mesma manufactura. Significará antes que a chávena e o prato foram manufacturados de acordo com um mesmo gosto. O mesmo se passa com o chamado padrão das perdizes. É talvez a única conclusão segura que posso tirar desta associação. Mas, também, o tempo quente que se faz agora sentir convida mais à contemplação destas faianças de ar campestre, do que a especulações sobre fabricantes.


7 comentários:

  1. Realmente o meu prato casa perfeitamente com a tua chávena e pratinho. São motivos que não estão distantes na conceção, mas isso não significa nada; vem mais mais vez confirmar que os pintores de faiança, portugueses, são mestres nas artes do desenho e com uma criatividade que me faz inveja.
    Creio que se deviam inspirar, ou mesmo copiar mutuamente ou deveriam mesmo passar de fábrica para fábrica consoante as necessidades e as conveniências, levando consigo desenhos e estilos; diferentes fábricas pertenceram muitas vezes ao mesmo dono, ou foram por vezes herdeiras de outras que fecharam; os entrepostos de venda de louça serviam várias fábricas, por isso, era lógico que cada uma sabia perfeitamente o que se fazia noutra qualquer, sabendo mesmo os desenhos que eram mais populares, porque se vendiam melhor, enfim, a confusão do estudo das faianças é um mundo que só se poderá vislumbrar mediante estudos fiáveis, porque científicos, levados a cabo por gente igualmente fiável.

    Quanto a saber de onde estas peças que apresentas serão, bem, se não estão marcadas, podem ser de qualquer lugar e de lugar nenhum. Pode-se dar algum palpite quanto à região, mas até nisso as coisas não são claras, como tivemos hipótese de ver, mais uma vez, no livro sobre a cerâmica de Vilar de Mouros.

    Claro que todos nós conhecemos pessoas, algumas até muito respeitáveis, que pululam ao nosso redor, e que possuem a capacidade fantástica de não ter dúvida alguma (de salientar um ex-primeiro ministro, depois presidente da república, que tinha esta caraterística, e viu-se no que deu este figurão!!!), enchem a net de atribuições às "três pancadas", normalmente suspeitosa, só porque possuem a estranha veleidade de dar a entender aos outros que são "dótores" no negócio das atribuições (vá-se lá saber porquê!).

    Claro que lastimo as pessoas que vão nestas atribuições avulsas, porque, na verdade, a culpa não é totalmente delas; é que, na verdade, não há muita gente a saber sobre faiança, e as que sabem, com medo de errar, falam pouco e só quando possuem alguma base sustentável, pois, infelizmente, a nossa faiança raro se encontra marcada, como sucede com a inglesa, onde praticamente tudo se sabe e de uma forma bastante fiável.

    Assim, haverá, infelizmente, muita gente incauta que acredita nos vendedores da banha da cobra, sempre com a "boca aberta", espalhando e difundindo o erro como se de certezas fossem. Paciência! Não será o fim do mundo, claro, nem será um erro irremediável, mas que é uma lástima, lá isso é.

    Manel

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    1. Manel

      Este post partiu de uma associação estética. Por uma intuição qualquer achei que esta minha chávena e o teu prato casavam bem e quando fiz as fotografias o resultado foi tão feliz, que resolvi escrever este post. Mas estas associações estéticas poderão não querer dizer nada. Correspondem a um gosto de uma determinada época.

      Apesar de evitar cuidadosamente ser sentencioso no que escrevo, o post é também uma reflexão sobre a cautela que há que ter nas atribuições.

      Um abraço

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  2. Bem interessante. A chávena é linda. Bom dia!

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    1. Margarida

      Margarida

      Talvez por ser tão simples esta chávena não chamou, nem prendeu as atenções do vendedor ou potenciais clientes e por essas razões comprei-a um belíssimo preço.

      Um abraço

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  3. Caro Luís
    É desde sempre que conheço a sua preocupação com as atribuições precipitadas e sem fundamento das peças não marcadas. Fiz este princípio meu. E quanto mais vou lendo opiniões abalizadas, mais me calo, limitando-me-me a desfrutar da beleza das peças ou a conjeturar intimamente sobre uma série de coisas. Muitas pessoas não tomaram ainda consciência da responsabilidade do que é escrever na net. Num ápice, uma informação errada é difundida, induzindo em erro de forma permanente toda uma multidão que hoje pesquisa aqui os mais variados assuntos. Pessoalmente, redobro cuidados com a informação que recolho aqui na net filtrando as minhas fontes.
    Parabéns ao Manel pelas belíssimas peças. A chávena, que na forma me parece inspirada em alguma faiança inglesa é um encanto e certamente destinada a uma classe social mais elevada.Penso que entre as camadas mais populares não haveria o hábito do uso de loiça assim tão específica.
    --
    Tenho um prato com um passarinho com corpo de peixe :) Vou mostrá-lo no meu blog.

    bjs


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    1. Maria Paula

      Comecei a escrever o blog precisamente com o objectivo de arrumar ideias sobre faiança portuguesa e ao longo destes anos todos, nesse processo de aprendizagem devo ter dito uns quanto disparates, mas julgo que eu e as pessoas que formaram um círculo de blogs sobre faiança e cerãmica aprendemos a ser cautelosos, modestos, pois não somos investigadores e sobretudo a estarmos atentos às novas publicações que vão fazendo luz sobre faiança portuguesa.

      Concordo consigo, quando refere a responsabilidade de escrever na net. É um acto público e se não tivermos uma atitude responsável e cuidadosa corremos o risco de lançar na rede conteúdos deturpados, que são tomados por certos pelo público de colecionadores amadores. Aliás, mudando agora um bocadinho de assunto, a forma desabrida como hoje se escreve nas redes sociais choca-me imenso. Agora sempre que abro o facebook só vejo mulheres e homens de classe média, que tem empregos respeitáveis e família a apelar ao ódio contra os muçulmanos, a escrever coisas como "matem-nos a todos" ou "expulsem-nos da Europa", sem pensarem duas vezes sequer que essa incitação à violência se pode um dia virar contra eles próprios. Escrever numa rede social é um acto publico e há que fazê-lo com responsabilidade.

      O prato é do Manel e a chávena e o pires são meus. Tem razão no que diz sobre a chávena, que apesar do seu ar ingénuo reproduz um formato da cerâmica europeia. Ficamos a aguardar pelo seu prato com o passarinho

      Bjos

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  4. Vi o seu blogue sobre faiança e tenho um bule de caldo antigo que gostava de saber a sua opinião e de possíveis colecionadores que estejam interessados. Como posso fazer para enviar fotos? Obrigada

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