sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Cantão popular da fábrica de Louça de Massarelos


Há muito tempo que não escrevo sobre faiança portuguesa neste blog. Não que o assunto me tenha deixado de interessar, mas a falta quase total de marcas na faiança fabricada em Portugal durante o século XIX faz com que escrever sobre uma peça qualquer bonita comprada há pouco tempo seja apenas um mero texto de suposições. Temos a impressão que aquela terrina com uma pasta muito brilhante é do Norte, que um prato mais grosseiro e de cor amarelada é de Coimbra e que uma travessa com cores garridas será eventualmente das fábricas de Bandeira ou de Fervença. Também deixei de escrever sobre faiança, depois de ter o consultado o catálogo A fábrica de Vilar de Mouros, de 2015, que me deixou a ideia, que no século XIX, as fábricas portuguesas, pelos menos as do Norte, tem uma produção semelhante, quer em termos de formas, quer em termos de decoração, sem dúvida para responder ao gosto dominante dos consumidores.
 
Massarelos produziu o motivo cantão popular. Foto extraída de Fábrica de louça de Massarelos, Porto, breve olhar sobre as produções de uma unidade industrial pioneira em Portugal/ Liliana Barbosa, 2017
 
No entanto, de vez aparecem novos trabalhos, que dão alguma luz sobre esta terrível confusão que é a faiança portuguesa do século XIX. Foi o caso de uma obra, que se encontra on-line, Dois séculos de faiança portuguesa, escrita por Edgar Vigário, 2017, que descreve alguns achados postos a descoberto nas escavações arqueológicas feitas no lugar da antiga fábrica de Massarelos no Porto. O autor publica fotografias do que os arqueólogos trouxeram à luz do dia e entre esses cacos, há muitas peças com a decoração do tipo cantão popular, com produção atribuível à primeira metade do séc. XIX. Portanto, estas escavações arqueológicas provaram preto no branco, que a Fábrica de Massarelos também fabricou cantão popular durante a primeira metade do século XIX. Edgar Vigário remete ainda para outro documento on-line, de Liliana Barbosa, intitulado Fábrica de louça de Massarelos, Porto, breve olhar sobre as produções de uma unidade industrial pioneira em Portugal, que descreve mais sucintamente as escavações feitas naquela fábrica e que é um estudo precioso para saber o que Massarelos produziu no século XIX, já que o catálogo Fabrica de Massarellos 1763-1936. - Porto : Museu Nacional de Soares dos Reis, 1998 é relativamente pobre em informações sobre aquela época, pois centra-se nas peças feitas nos séculos XVIII e XX. Na obra Fábrica de louça de Massarelos de Liliana Barbosa mostram-se ainda muitos fragmentos de louça colorida de meados do século XIX, que teríamos tendência a atribuir às fábricas de Bandeira ou Fervença e agora passamos a saber, que poderão ser também de Massarelos.
Massarelos produziu muita louça de cores vivas tal como Bandeira, Fervença, Viana ou Vilar de Mouros. Foto extraída de Fábrica de louça de Massarelos, Porto, breve olhar sobre as produções de uma unidade industrial pioneira em Portugal/ Liliana Barbosa, 2017
Realmente, estes trabalhos arqueológicos feitos nas instalações das antigas fábricas de faiança portuguesa são realmente determinantes para o estudo da faiança portuguesa do século XIX, pois permitem uma classificação e atribuição das peças relativamente seguras. Só é pena que os arqueólogos não publiquem mais fotografias dos seus achados, que são preciosas para os amantes da faiança portuguesa.
 
O grande número de variações na decoração e nas formas do cantão popular leva-nos a pensar que muitas fábricas produziram este motivo decorativo ao longo do século XIX. Talvez uma destas peças poderá ter sido produzida por Massarelos
Relativamente ao motivo do Cantão popular, já se sabia que duas fábricas tinham produzido louça com este motivo no século XIX, isto é, Santo António de Vale da Piedade e Vilar de Mouros. Mas o Manel e eu que temos muitas peças com este motivo decorativo, já tínhamos tido a percepção, perante o grande número de variações na decoração e nas formas, que forçosamente teria que haver outras fábricas a produzir Cantão popular ao longo do século XIX, e  com efeito, agora temos a certeza que houve mais uma, Massarelos.

Alguma bibliografia:

Dois séculos de faiança portuguesa /  Edgar Vigário. 2017 

Fabrica de Massarellos 1763-1936. - Porto : Museu Nacional de Soares dos Reis, 1998. - 182 p. : il. ; 30 cm

A fábrica de Vilar de Mouros/ Paulo Torres Bento [et al]. – Vilar de Mouros: CIRV; Câmara Municipal de Caminha, 2015

Fábrica de louça de Massarelos, Porto, breve olhar sobre as produções de uma unidade industrial pioneira em Portugal/ Liliana Barbosa, 2017 https://www.academia.edu/33242404/F%C3%A1brica_de_Louca_de_Massarelos_Porto_breve_olhar_sobre_as_produ%C3%A7%C3%B5es_de_uma_unidade_industrial_pioneira_em_Portugal; 2017.

12 comentários:

  1. Luis,
    Obrigado pela bela postagem, e a referência do artigo do Edgar Vigário, que já baixei e estou louco para ler.
    abraços!

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    1. Caro Fábio.

      Agradeço o teu comentário. O texto de Edgar Vigário tem a informação muito bem arrumadinha e é fácil de ler. Vale também a pena descarregar o texto da Liliana Barbosa.

      Um abraço da velha Lusitânia

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    1. Margarida.

      Obrigado pelo seu comentário e ainda bem que gostou. Um resto de bom fim-de-semana

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  3. Julgo que, face ao sucesso deste padrão, todas as fábricas deverão ter feito, em qualquer período, incursões dentro deste motivo, visto ele não ser patente registada de qualquer fábrica, que eu saiba.
    Sabe-se da certeza sobre estas fábricas, pois têm aparecido vestígios do motivo nas respetivas escavações, mas creio que, nas outras, será uma questão de tempo, caso se proceda a estudos semelhantes.
    Era um padrão tão popular que seria irresistível não o produzir com as correspondentes variantes, que já descobrimos serem em número apreciável.

    Ainda hoje, quando aparece este motivo numa qualquer banca ou montra, torna-se um padrão que sobressai e se destaca, transformando-se num atrativo para compra quase certa, sobretudo quando vem acompanhado com as cores, formas e o vidrado mais antigos. Pelo menos é o que acontece comigo ... é difícil resistir-lhe!!!!

    A foto ficou muito bonita
    Manel

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    1. Manel

      Esta louça azul e branca é irresistível, então quando se forma conjuntos como o desta fotografia, ainda mais atraente se torna.

      Os ceramistas portugueses conseguiram interpretações ingénuas, mas muito felizes do padrão do salgueiro inglês e do cantão chinês.

      Acho que agora temos razões para crer aquilo que já suspeitávamos, muitas fábricas portuguesas fabricaram louça com esta decoração ao longo do século XIX. Num dos posts da Maria Andrade sobre Cantão popular, tu relacionaste muito bem a proliferação deste padrão em Portugal com as quebras de exportação do cantão chinês para a Europa, em consequência das guerras do ópio, ocorridas entre 1839-1842 e 1856-1860.

      Um abraço

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  4. Luís

    O conjunto das diversas peças, expostas de forma magnífica no enquadramento do banco rústico, enriquecem e coadjuvam sobremaneira o texto excelente com que nos brindou. Li e apreendi as informações dos dois autores que citou. O motivo Cantão popular é sobejamente conhecido e foi utilizado por muitas fábricas espalhadas pelo território português. Pena é que a maior parte das peças não seja marcada, o que dificulta a sua identificação.Mas, com o tempo e alguma paciência lá se chegará...

    Um abraço
    if

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    1. Ivete

      É bem verdade, temos que ter paciência, aguardar pelos resultados de novos estudos e não nos precipitarmos em atribuições.

      Neste momento avançámos muito sobre o conhecimento deste padrão. Há uns 11 anos acreditávamos que esta louça era toda Miragaia. Hoje já sabemos que três fábricas do Norte produziram este padrão no século XIX e que, no século XX é feito um pouco por toda a parte de Norte a Sul de Portugal.

      Um abraço

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  5. Essas terrinas altas, são imponentes, têm uma presença, acho belíssimas. Uma pena nunca ter encontrado nenhuma em antiquário baiano.
    Abraço, Luís.

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    1. Jorge

      As terrinas são peças lindas. Eu tenho duas com este motivo e são espantosas. As que o Jorge vê na foto são todas do Manel, que tem um verdadeiro "terrinal em casa".

      Não perca a esperança de encontrar uma peças destas por aí, porque muitas destas fábricas do porto e Gaia estevam mesmo junto ao rio Douro e exportavam muito para o Brasil. Alguns dos patrões destas fábricas eram gente que que tinham enriquecido no Brasil e que tinham contactos privilegiados nas terras de Vera Cruz. Um abraço

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  6. As ligações vão surgindo, com possibilidade de origem. E material disponível para estudos.
    Luis, aproveito, mesmo que um tanto atrasada, mas sempre é tempo, de desejar a você um feliz e sereno 2018, com alegrias e as melhores realizações.
    Por aqui já estamos no outono, mas com dias irregularmente quentes, para o meu gosto, que aprecia temperaturas mais frescas.

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    1. Glória

      Obrigado pelos votos de um bom ano novo. Por cá começou a Primavera, os campos estão lindos, cheios de flores, mas continua a fazer frio e muita chuva, o que é bom, pois os dois anos anteriores foram de seca extrema.

      bjos

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