A minha bisavó materna Maria da Graça esteve recolhida num convento desde que era menina até aos 29 anos. Já conhecia alguns pormenores da sua vida e até já tinha escrito sobre esta antepassada aqui no blog, mas este Verão resolvi juntar a família e visitar essa casa conventual, localizada numa aldeia perdida do concelho de Vinhais, a Mofreita.
Logo no cruzamento que dá acesso aquela aldeia, da estrada de que vem de Fresulfe, encontrámos um castanheiro várias vezes centenário, daqueles muitos que se encontram por todo o concelho de Vinhais e pensei, que certamente aquela árvore terá assistido à passagem da pequena Maria da Graça e do seu pai, em 1861, quando este a foi entregar ao Recolhimento das Oblatas, apenas com sete anos de idade.
A Maria da Graça era filha ilegítima de uma tal Balbina Felicíssimo e de Francisco Germano Pires e quando a mãe morreu, o pai resolveu interna-la no Recolhimento das Oblatas do Menino Jesus, instituição especializada em receber crianças pobres e órfãs. Pouco se sabe deste meu trisavô materno, mas o que a tradição familiar conservou da sua existência não é muito simpático. Seria um homem avarento, que emprestava dinheiro a juros e terá feito um casamento por interesse, com uma mulher mais velha e abastada, a Hilária, de tal forma, que na vila de Vinhais se tornou conhecido pela alcunha depreciativa do Hilário. A Maria de Graça viverá no recolhimento da Mofreita cerca de 22 anos e há uma fotografia dela e das suas condiscípulas no pátio daquela casa religiosa, que aos nossos olhos contemporâneos nos impressiona muito, já que algumas das recolhidas são meninas muito pequeninas e todo aquele ambiente que as rodeia nos parece muito pobre.
O recolhimento da Mofreita no século XIX |
No entanto, no tempo que aqui passou Maria da Graça aprendeu a ler, a escrever e certamente algum francês, pelo menos o suficiente para ler um livro de bordados, Les jours sur toile, que ainda se conserva na casa familiar de Vinhais e que tem a sua assinatura. Para os padrões da época, em que quase 80 por cento da população portuguesa era analfabeta, a instrução que aqui recebeu foi bastante boa.
Segundo uma história já muito esbatida pelo tempo, mas que ainda corre na família, a Maria da Graça terá conhecido o futuro marido, Clemente da Ressureição, ainda aqui na Mofreita. Ao que consta, o meu bisavó Clemente teria um parente a viver nesta aldeia transmontana, numa casa que ainda hoje existe, um pouco mais acima do convento e numa das visitas que fez a esse familiar, do qual só se conhece o primeiro nome, Amândio, travou conhecimento com Maria da Graça, mas não sabemos em que circunstâncias. Talvez o primo Amândio tivesse no recolhimento alguma familiar e quando a visitou na companhia do Clemente, este último conheceu a Maria da Graça. Normalmente, as casas conventuais femininas tinham uma sala destinada a receber visitas, o parlatório, dividida por uma grade, onde de um lado ficam as noviças ou recolhidas e do outro, as visitas.
Imagem recolhida na net da Igreja do Recolhimento das Oblatas, na Mofreita, onde se vê o local onde as recolhidas assistiam à missa. |
Há cerca de uns trinta e tal anos, atrás o edifício do recolhimento não estava tão arruinado e entrei na Igreja do Convento e lembro-me de ver a grade que separava as recolhidas do resto das pessoas. Quem sabe se a Maria da Graça não passaria toda a Santa Missa olhando para o Clemente, que tinha uns belos olhos azuis. Enfim, só podemos fazer suposições, mas pelo menos é certo, que o Clemente da Ressureição nas suas idas e vindas à Mofreita teria passado pelo mesmo castanheiro centenário.
A casa do Amândio ainda hoje existe na Mofreita. Sabe-se que era parente do meu bisavô e e que chegou a Tenente |
A Maria da Graça saiu do Convento por sua vontade com 29 anos e no caminho para Vinhais, onde foi novamente viver com pai, passou obrigatoriamente pelo mesmo castanheiro, que já era nesse tempo centenário. Viveu um ano e tal na companhia do pai, até que a 6 Junho de 1889, casou com o meu bisavô Clemente, tinha ele 31 anos e ela trinta, e com essas idades presumimos, que tenha sido um casamento feito por amor, além de que, segundo um pequeno caderno de memórias, que o meu bisavô deixou, foi uma união feita contra a vontade dos pais. Nos primeiros anos o casal terá vivido mesmo com dificuldades, já que nem os pais de um, nem de outro os ajudavam.
Maria da Graça já idosa. Reconheço nela o mesmos olhos e o mesmo queixo que eu tenho. |
Enfim, os tempos passaram e os pais lá aceitaram este casamento desigual e a Graça e o Clemente tiveram filhos, que por sua vez também tiveram outros filhos e de uma das netas do casal descendo eu. Também os meus filhos e eu passámos este Verão por debaixo do mesmo Castanheiro, que testemunhou a passagem dos meus bisavôs a caminho dos seus destinos.
O meu filho Henrique, trisneto da Maria da Graça e do Clemente, fotografando a árvore que viu passar os seus antepassados |
Uma história bem bonita e a sua bisavó era linda. Bom dia!
ResponderEliminarMargarida
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário. A Maria da Graça era uma mulher com umas feições correctas e o Clemente também era bonito, de modo que originam uma prole de gente bem apessoada. Também é verdade que correspondiam os dois a um tipo físico comum na região. Como diriam os antropólogos dos finais do XIX, inícios do XX, as serranias do extremo Norte de Portugal apuraram a raça.
Bjos e muito obrigado pelo seu comentário
Caro Luís
ResponderEliminarQue história bonita que aqui nos trouxe com o seu jeito cativante de escrever e que eu tanto gosto.Há uma fluidez e uma harmonia na sua escrita,que a mim predispõe para a leitura.As árvores centenárias são sem dúvida testemunhas das tantas vidas que por elas passam.Ha meia dúziade anos alguém me mostrou uma fotografia da casa onde cresci e que nunca mais voltei a ver.Nao a reconheci,Não por estar em ruínas, Mas por causa da enorme palmeira que havia no jardim.Só mais tarde percebi que aquela árvore era a mesma pequena palmeira que a minha memória guardava.Tinha -me esquecido de que as árvores também crescem😊Parece-me que consigo vislumbrar no Luís alguns traços desta bisavó. Será? Bjs e um ótimo mês de agosto.
Maria Paula.
EliminarObrigado pelo seu comentário tão agradável.
Quando comecei a engendrar este post, percebi que esta arvore várias vezes centenária, à entrada da aldeia, tinha que fazer parte da narrativa, como testemunha desta história de amor antiga. Este Verão, decorridos quase 150 anos o castanheiro voltou a ver passar os bisnetos e trisnetos da Maria da Graça e do Clemente. Nesta parte de Portugal de onde provem a minha família, parece-me sempre que tudo está carregado de histórias, ainda que prestes a caírem no esquecimento.
Sempre soube que fisicamente era parecido com o lado da minha mãe, mas só depois de digitalizar e ampliar esta fotografia da Maria da Graça descobri traços comuns entre mim e ela, como o mesmo tipo de queixo e os olhos pequenos.
Explorar o passado sé sempre uma forma de tentar descobrir quem nós somos.
Bjos e votos de uma boa semana
As histórias de família são sempre a parte mais interessante, e aqui tu fizeste um trabalho notável. Bem documentado, acabaste por desenterrar uma geração que parecia inexoravelmente esquecida. Muito bom.
ResponderEliminarQuanto à árvore, ela, à semelhança de outras da flora de Portugal, constituem monumentos à passagem do tempo. A par dos castanheiros, carvalhos, sobreiros, alfarrobeiras e oliveiras, entre outras espécies (não quero enumerá-las todas, mas aquelas que mais me impressionam), testemunham a passagem do tempo de uma forma digna e monumental.
Inevitavelmente, acabamos por humanizar estas formas de vida, e pensa-se sempre no que estes seres vivos intemporais terão "visto" da nossa história!
Quanto à tua trisavó, sobressaem os olhos vivos, curiosos. Este teu ramo da família é muito bonito.
Eu, que conheci pessoalmente a tua mãe e uma das suas irmãs, dei conta que tinham feições que sobressaiam pela sua beleza algo intemporal. São pessoas bonitas em qualquer idade.
Manel
Manel
EliminarÉ bem verdade. Todos temos uma tendência quase irresistível em humanizar estas árvores centenárias, que assistiram à passagem de tantas histórias e gerações. O velho castanheiro foi o mote para contar uma história familiar, mas também um pretexto para divulgar o património florestal do Concelho de Vinhais, que intocado pelo Eucalipto é quase único no nosso País.
A Maria da Graça é apenas a minha bisavó, apesar da enorme distância temporal que nos separa. A senhora tive filhos tarde, a minha mãe foi uma filha tardia e por sua vez teve também filhos tarde e eu continuei essa tradição.
Na família da minha mãe eram todos bonitos, mas como disse à Maria Paula, naquela região do País encontram-se muitas pessoas com um tipo semelhante. Durante séculos, e séculos foram comunidades muito fechadas, em que as pessoas casavam apenas com outras das aldeias vizinhas ou da sede do Concelho e foi-se formando um tipo físico característico. Os estudos de antropologia física estão ultrapassados, mas em todo o caso julgo que em algumas regiões mais isoladas do País se formaram tipos fisionómicos muito característicos, que tem a ver com a endogamia, ou quem sabe, descendam todos de alguma tribo longínqua, que ocupou a região num passado longínquo.
Um abraço e obrigado pelo comentário
Que delicia ouvir estes relatos... O google trouxe-me até aqui e deliciei-me a ler algumas das suas publicações, principalmente as que contam a vida transmontana de outrora... Parabéns pelo blogue! Judite
ResponderEliminarCara Judite Lopes. Muito obrigado pelo comentário tão simpático.
EliminarCreio que os meus melhores posts são aqueles escritos à volta de antigas fotografia e de Trás-os-Montes. São sempre os textos mais pessoais e sentidos. Um grande abraço