Esta estampa retratando uma jovem elegante vestida à última moda da terceira década do século XIX veio de casa do meu pai. Apresenta um título, Susan e o local e nome do impressor, London, J. Fairburn. Sempre achei muita graça à garridice desta personagem e perguntava-me a mim próprio, quem teria sido esta Susan. Não me parecia propriamente o retrato de uma cortesã, nem tão pouco tinha o aplomb de uma jovem aristocrata. Aparentava mais ser uma costureirinha engalanada para sair ao Domingo com o namorado
Estampa representando Susan à venda no Rubylane |
Nesta primeira metade do século XIX existiam uns quantos impressores e gravadores em Inglaterra, que se especializaram em editar estampas baratas representando personagens de peças de teatro em voga, que o grande público comprava em grandes quantidades. Contudo essas estampas coloridas tinham uma particularidade. Eram vendidas em duas modalidades diferentes, a primeira com aplicações de folhas estanho em tons berrantes imitando ouro e tecidos ricos e a segunda, na versão simples, que as pessoas nas suas casas, poderiam personalizar, aplicando contas, missangas, papel de lustro ou restos de tecidos. Em Inglaterra designam este tipo de gravura por tinsel print, o que traduzido à letra, significa gravura de ouropel.
A estampa à venda nos EUA foi personalizada com a aplicação de restinhos de tecidos, missangas e contas |
Por essa razão a minha estampa é ligeiramente diferente da que encontrei à venda no portal de antiquários americanos Rubylane. Nessa gravura alguém aplicou um tecido no corpete da Susan, umas missangas a sugerir os botões e umas contas no pescoço a imitar um colar.
A estampa foi impressa por John Fairburn (fl.1789-1840) |
O autor desta estampa, John Fairburn (fl.1789-1840) foi um impressor e livreiro inglês sedeado na rua Minories em Londres e que se dedicou à produção de caricaturas, mapas e estampas baratas como esta, que deve datar da altura da apresentação da peça em 1829.
Outra personagem da peça Black Eyed Susan, a Miss Scott, impressa por A. Park. Colecção do Victoria and Albert Musem |
Estas gravuras cujo desenho de base é simples e sem grande arte e que na altura se vendiam por um penny apenas são hoje raras, pois quando passaram de moda, as pessoas desfizeram-se delas. Por isso são procuradas pelos coleccionadores, sobretudo quando foram personalizadas pelos antigos proprietários, com restinhos de tecido, contas e outros brilhos falsos. A minha estampa é a versão mais elementar, simplesmente colorida, mas gosto dela, pois imagino que uma flausina em Londres, por volta de 1829, teria o ar desta Susan.
Alguns links consultados:
Não fazia nem ideia que os compradores poderiam alterar as suas estampas, como nesta situação. Sabia, claro, que poderiam colori-las, como encontro muitas, e algumas mesmo que possuo, mas usar a imaginação utilizando colagem de papéis de fantasia, botões, lantejoulas, contas e outros materiais é novidade para mim.
ResponderEliminarMas tem lógica, pois assim as pessoas poderiam personalizar as suas imagens. Tornar-se-iam únicas, efetivamente, visto que deviam-se produzir estas impressões por atacado.
Que interessante sabê-lo. Este facto dá-me algumas ideias, mas creio que não as colocarei em prática ... não me atrevo.
Acho que só faria sentido na altura da aquisição da imagem. Hoje em dia seria algo extemporâneo.
Ainda bem que expões aqui esta explicação
Manel
Manel
EliminarEsta prática já era antiga. Já encontrei alguns registos de santos em que no manto da Virgem aplicaram tecidos, passamanes e missangas. Uma vez até comprei uma dessas imagens de Nossa Senhora em que a área do manto foi recortada, mas a Senhora não acabou o trabalho. Ainda pensei aplicar algum resto de tecido, mas falta-me minúcia e precisão para fazer esses trabalhos.
Em todo o caso estas estampas de figuras teatrais tem graça e esta que pertenceu aos meus pais está muito bem emoldurada.
Um abraço
Caro Luís
ResponderEliminarMais uma viagem pelo tempo de tão longe. Uma gravura colorida à mão e enriquecida com missangas e outros materiais do imaginário popular. Outros tempos, outras modas e acima de tudo uma dedicação laboriosa de almas já reduzidas a pó. Estes testemunhos, formas de arte de outros tempos vividos, deveriam ser acima de tudo uma reflexão para o que desperdiçamos hoje sem piedade pelas gerações futuras. Bom trabalho como sempre Luís…só uma grande paixão vê o que os outros dificilmente vêem….
Cumprimentos
Vitor Pires
Caro Vítor
EliminarÉ curioso que nem sempre as melhores gravuras são as mais procuradas. Estas estampas que se vendiam por um penny, com o tempo tornaram-se raras e aquelas que foram adaptadas pelos seus compradores ainda mais. Também esta gravura tem um significado especial porque estava em casa dos meus pais e é uma forma de eu me lembrar deles, agora que estão os dois mortos.
Um grande abraço