terça-feira, 3 de novembro de 2009

Estuques artísticos

Provavelmente, já toda a gente terá reparado nos belíssimos estuques que adornam os tectos e muitas vezes também as paredes dos átrios de entrada dos prédios da zona nos Anjos, Chile, Arroios e Avenidas Novas, em Lisboa. Essa decoração artística estende-se também ao interior dos apartamentos, sobretudo às salas de visita e era comum nas casas construídas nos finais do século XIX e princípios do século XX, destinadas à classe alta ou até mesmo a uma burguesia mais remediada. Estes tectos apresentam todas as variantes do repertório da gramática das artes decorativas clássicas e são verdadeiramente deliciosos. A minha irmã viveu numa casa onde em cada canto do tecto de uma das salas, havia uma alegoria às áreas de actividade económica: a agricultura, a indústria, as ciências e as artes. Este hábito de decorar tectos e paredes com estuques durou em Portugal, pelo menos até aos anos 30 e podem-se admirar bonitos motivos geométricos art deco nas casas do Bairro Azul ou do Bairro das Colónias, ambos em Lisboa.

Nos anos 40, 50 e 60, o modernismo e o funcionalismo com o seu racionalismo economicista puseram fim a esse hábito e passámos a ter as casas todas com monótonas paredes lisas ângulos rectos.

Contudo, em Lisboa e no Porto subsistiram casas onde ainda se fazem e restauram esses estuques artísticos. São oficinas que fazem um trabalho artístico primoroso e onde perdemos a cabeça com o seu mostruário e nos apetece comprar cariátides, gregas e colunas coríntias, para transformar a nossa casa num qualquer salão saído dum romance de Marcel Proust. O meu amigo Manel comprou alguns desses elementos decorativos e colocou-os no interuior da sua casa, construída no início do século XX e o resultado é espantoso.

Em Lisboa existe o Atelier Gessos Maceiro, na Rua Luciano Cordeiro, 74 A, que foi fundado em 1790(!) e no Porto, os Estuques Baganha. Ambos tem coisas maravilhosas, pois guardaram os antigos moldes e hoje conseguem produzir as mesmas peças que se usavam nos finais do século XIX. Os Estuques Baganha, para além de terem uma loja na Miguel Bombarda, a rua onde estão quase todas as galerias de arte da cidade do Porto, constituíram um Museu do Estuque, onde guardam os seus moldes e as suas melhores obras. Esta oficina trabalhou também para os grandes escultores e artistas do Porto, fazendo moldes em gesso dos originais em barro, que depois eram convertidos em bronze ou pedra. Recomendo vivamente uma visita à Loja dos estuques Baganha. As peças tem preços económicos, pois o gesso é um material barato e os responsáveis pela loja (creio que são os descendentes) tem aquela simpatia, que só as pessoas da “Imbicta” conseguem ter. Nós, os Lisboetas, estamos em via de nos tornarmos definitivamente uns carrancudos.
Oficina Baganha: o Museu do Estuque


Comprei nos Baganhas uma placa de gesso, com uma delicada ornamentação renascentista. Era linda, mas estava talvez demasiado “branca”, com um ar excessivamente nova. Seguindo o conselho da loja, pincelei a placa com cinza, os relevos ganharam então definição e a placa ficou com ar “object trouvé”, isto é, como se fosse um achado arqueológico acabado de sair da terra.
Custa-me ver o trabalho artístico tão espantoso destas oficinas tão pouco valorizado. Muito embora não goste dar lições de moral, não consigo resistir a afirmar que este gosto minimalista horrível que impera nos dias de hoje estará na base do desinteresse que o comum das pessoas tem por este tipo de decoração

http://www.gessos-maceiro.com/
http://museudoestuque.blogspot.com/

4 comentários:

  1. Pois Luís, bem tentei dar alguma vida aos meus tectos! Efectivamente, eles tinham sido decorados com estuques, mas as muitas chuvadas que os invadiram, o apodrecimento dos ripados de suporte e até do próprio material de enchimento, levaram os anteriores proprietários a desfazerem-se desse elementos que tanta força cénica dão a uma habitação.
    Tentei preencher o espaço, apesar de o ter feito de uma forma muito pouco convencional, tendo em vista a quantia que podia despender nestes restauros.
    Fiquei encantado com o resultado, mas, talvez, qualquer dia, quiçá numa outra casa (?), ainda os possa utilizar duma forma mais de acordo com as regras que, tradicionalmente, sobretudo no século XIX e inícios do XX, guiavam a sua utilização.
    Manel

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  2. Incrível tanta afinidade de gostos. Também sou uma fã incondicional de estuques. Há uns anos fui até à Amareleja, atrevida entrei num solar na vila que estava em restauro,tinha lindos estuques nos tectos. Trouxe alguns fragmentos, mas tenho tanta coisa entre pedras e outra coisas que não sei onde estão.

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  3. Empresa que ainda se dedica a construção e restauro de estuques...

    https://www.facebook.com/nestorenestorlda/posts/1728029100847178:0

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  4. Caro Nestor

    Fui espreitar a sua página e fiquei encantado com os magníficos trabalhos que a sua firma executa e muito feliz por saber que esta arte do estuque continua a ser mantida.

    Um abraço e desejo-lhe umas boas entradas

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