terça-feira, 10 de agosto de 2010

Fonte em alabastro com pássaros proveniente do solar de Outeiro Seco

Há bem pouco tempo, o meu pai dividiu entre os irmãos algumas coisas, que ainda restavam quer do Solar de Outeiro Seco, quer da casa da minha avô paterna em Chaves. Fiquei com este centro de mesa em alabastro, decorado com folhas de parra e pássaros e que em miúdo sempre me fascinou, quando visitava o solar. Esse fascínio não tinha a ver com razões artísticas, mas simplesmente porque eu queria era mexer e brincar com os passarinhos daquela fonte. Há uns tempos, tinha voltado a pensar nessa fonte, quando a redescobri num filme, que o meu pai fez do interior do Solar de Outeiro Seco, em meados dos 60, quando este ainda estava mobilado. Curiosamente, nesse filme a fonte encontrava-se cima duma mesa bufete, que me pertence actualmente.
Talvez porque estou com um gosto cada vez mais barroco, ou porque desejava devolver ao meu bufete o centro de mesa que o acompanhou durante décadas, ou pura simplesmente porque desejava finalmente poder tocar e acariciar nos passarinhos sem ninguém a repreender-me, escolhi-a e trouxe-a para a minha casa.

Pu-la debaixo do duche, lavei-a com uma esponjinha e detergente, colei as peças que faltavam aos passarinhos e encaixei-os nos respectivos pratos. Limpa, a peça apareceu magnífica, com aquele brilho translúcido tão típico do alabastro.

No entanto fiquei muito triste porque faltavam duas aves. Como sabia que o meu pai, tinha tirado as pombas de alabastro do armazém, guardando-as num armário na sua casa, telefonei-lhe para verificar se não teriam lá ficado duas delas esquecidas. Como o meu pai me deu uma resposta negativa, preparava-me para voltar para o armazém e revirar os caixotes de papeis velhos, cadeiras partidas, esquentadores descaroçados e brinquedos antigos, até encontrar os preciosos passarinhos, quando resolvi consultar o inventário feito pela minha avô dos bens do Solar de Outeiro Seco.

Na página referente à Sala de visitas lá encontrei a referência à mesa de Pau Preto, nome que no Norte dão ao Pau Santo e ao centro de mesa em alabastro e para meu grande alívio, descobri que nos anos 60 já só tinha sete pombas. Portanto, há muitos, mas muitos anos, uma criada abrutalhada ou um menino travesso tinham derrubado o centro de mesa e partido duas das aves.
Relativamente à forma como esta peça entrou na família não tenho qualquer informação. Talvez tenha sido uma prenda valiosa de casamento, comprada no Porto ou em Lisboa ou talvez alguém da família tenha feito o chamado grand tour e tenha trazido esta peça vistosa do estrangeiro. Na verdade, estes ornamentos em alabastro foram executados em Itália entre 1860 e 1910, na província da Toscânia, nas cidades de Castellina, Pisa, Florença e Livorno. Esculpidas à mão, estas peças foram criadas e produzidas por artificies italianos e destinavam-se sobretudo aos turistas, que as compravam como souvenirs típicos da Toscânia e levavam-nas para as suas casas em Londres, Paris ou Nova Iorque, onde eram colocadas em cima das chaminés, mesas de sala de jantar e gabinetes de curiosidades (1). Correspondiam ao gosto muito típico da segunda metade do século XIX, princípios do século XX, em que se queriam interiores opulentos e super ornamentados à moda de um estilo, que em Inglaterra se designou por Victoriano e em França por Napoleão III ou Segundo Império.

A decoração das parras e pombas é inspirada nos sarcofágos dos primeiros tempos do Cristianismo. As pombas, bicando os cachos de uvas, simbolisam os fieis alimentando-se do vinho eucarístico. Os vestigíos arqueológicos abundavam em Itália e certamente serviram de inspiração aos artistas toscanos para a decoração destas peças.

Ainda hoje na região de Pisa, em Volterra, continua-se a explorar minas de Alabastro e Florença permanece o principal centro de comercialização de produtos artísticos feitos neste material.
Encontrei peças muito semelhantes a estas em sites de antiguidades americanos (os melhores do mundo, pois aquela gente coloca tudo on line), os chamados bird baths, bem como no blog duma senhora americana, Delores Arabian, que fez reportagem fotográfica duma feira de antiguidades no Texas e num dos stands fotografou uma mesa cheia de alabastros, saídos certamente da mesma oficina que o meu centro de mesa

(1) Alyce Hand Benham em http://www.pressofatlanticcity.com/life/article_fbc843c6-8106-50f7-bcca-9866a9d445ad.html

4 comentários:

  1. Olá Luís,
    É uma peça muito bonita.
    Ainda bem que esta não está perdida...
    Um abraço,
    Berto

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  2. Obrigado, Caro Humberto.

    Não está perdida, mas andou anos em armazém sem ver a luz do dia. Gostava era de tentar perceber como veio parar Portugal e à família. Enfim, mais um mistério

    Abraços

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  3. Ola Luis,

    Mais uma vez nos brinda com uma peça lindissima, é mesmo muito bonita...elegante, delicada,romantica...belissima.
    E o que dá para sentir ao ler este seu post ainda torna a peça mais linda. Deve ter sido tão importante para o Luis conseguir trazer esta peça para sua casa...como eu o entendo caro Luis, até parece que me consegui ver no seu lugar e me senti emocionada depois de ver a peça limpinha... e triste após saber da falta das 2 aves pensando tratar-se duma falha recente...até parece que o peito ficou meio apertado!!!

    Oh Luis peço desculpa, se invado o "seu espaço", mas a culpa é simplesmente do Luis, escreve tão bem que até dá para "roubar" as emoções... :-)

    Um abraço Luis

    Marília Marques

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  4. Muito obrigado pelo seu comentário, cara Marília

    De facto, quando vi a peça toda limpinha fiquei emocionado, tal era a beleza da quase transparência do alabastro

    Abraços

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