quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Ainda mais variedades de cantão popular: as travessas do Manel

As várias variantes que a faiança portuguesa produziu a partir do willow pattern não deixam de nos surpreender. O meu amigo Manel concordou em mostrar duas travessas suas, que comparadas com uma obra do Museu Abade de Baçal e uma peça minha, evidenciam uma linha de evolução muito precisa do motivo decorativo cantão popular.

1- Primeiro, olhamos bem para a minha travessa e lá vemos o Palácio do Mandarim, com uma árvore, a ponte, por onde os jovens fugiram, bem como os passarinhos, em que se transformaram os dois amantes, que protagonizaram a paixão do willow pattern.


2- Na segunda, travessa, que pertence ao Museu Abade de Baçal, em Bragança, o Palácio do Mandarim, aparece ladeado por duas árvores, com uma folhagem muito diferente do primeiro e ainda duas pontes.

3- Depois, nesta travessa do Manel, o artista da oficina de cerâmica, fartou-se da arquitectura oriental, resolveu adaptar o palácio do mandarim, acrescentou-lhe uns andares, ocidentalizou-o aqui e ali e o resultado é uma espécie de prédio pombalino. Mas as árvores são idênticas à travessa do Museu brigantino.

4- Na quarta travessa, também do meu amigo Manel, o aprendiz que trabalhava para o artista que pintou o prédio pombalino, já foi promovido a operário e resolveu fazer um aggiornamento no motivo central e o prédio pombalino, transformou-se numa verdadeira cidade, com casas, torres, um parque e umas manchinhas, que parecem representar pessoas.

Contudo, de travessa para travessa, mantem-se sempre a mesma cercadura, que é uma abstracção do motivo da corda. A primeira, a terceira e a quarta travessa apresentam também o mesmo formato ovaloide, com um recorte a sugerir vagamente uma folha.


Por mera intuição, presumo que datem do século XIX. Como nenhuma destas peças está marcada, vamos lá nos saber que oficina ou oficinas as produziram ?

6 comentários:

  1. Ola Luis, qualquer das peças é lindissima e agradeço ao Manel ter permitido que as mostrasse de modo a podermos admira-las! Adorei a evolução do desenho e a historinha contada à volta disso...de facto a decoração é bem diferente, no caso da travessa da "cidade" parece até que em vez dos jovens que fugiram pela ponte e se transformaram em passaros...a historia mudou e estes fugiram colonizaram um país mais além, tiveram muitos filhinhos e faziam grandes festas nos jardins !!! hehehe

    Mas....divagações à parte... temos que agradecer às mãos que atravez dos anos foram pintando e inventando, pois o Cantão Popular seria muito "pobre" e linear sem todas as diferenças que lhe são conhecidas!!!

    Um beijinho Luis,

    Marília Marques

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  2. Olá Luís
    Já é a segunda vez q escrevo este comentário...
    Ficou lindíssimo este seu post, não só pela beleza das travessas, mas pela alternância equilibrada entre o texto e as imagens. Vejo que sabe fazer bem tratamento da imagem no computador, q é uma coisa q ainda tenho q aprender.
    Gostei da forma como interpretou as diferenças entre as travessas, todas encantadoras, e assinalou as semelhanças.
    Tenho uma travessinha muito parecida com a sua, para além dos pratos de q já falámos, só q mais pequena e com gatos atrás. Na minha travessa o edifício está mais centrado e tem uma árvore de cada lado, iguais e dispostas simetricamente.
    Assim se vai fazendo o levantamento do cantão popular, um bom contributo a favor do conhecimento da faiança portuguesa.
    Um abraço
    Maria A.

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  3. Olá Luís
    Não há dúvidas, esta gripe, aguçou-lhe o gosto, ehehehe
    O cantão...sempre o cantão...o fascínio dos azuis, da estória romântica, do simbolismo dos pássaros, da criatividade...fabuloso este post e lindo, harmonioso, está a ficar chique!
    Há muito que descobri que o Manel tem um gosto especial nas aquisições, nomeadamente de faianças. As suas peças são inegavelmente as mais lindas que aqui foram mostradas. Tem tanto de vigor como de imprevisível nos contextos conhecidos, então que dizer destas duas travessas...fiquei roída de inveja!
    Não conhecia estas versões, daí o espanto, a riqueza, o glamur em olhar, mirar e encantar-me.
    Sem dúvida esplendorosas!
    Amei acordar com a chuva e deleitar-me nestes azuis que me elevaram até ao céu...aí voei ainda não aterrei!
    Beijos, atacou forte nessa gripe, não é que floresceu em força!
    Beijos
    Isabel

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  4. Caras amigas

    Os azuis do cantão popular exercem sobre nós o mesmo fascínio dos azulejos do século XVIII. Há qualquer coisa de muito português neles que nos agrada.

    O Manel tem um belíssimo conjunto de cantão popular na cozinha e é um fascínio lá entrar. Parece que todos aqueles azuis nos entram pelos olhos.

    Talvez se todos começarmos a sistematizar estas peças, que vamos comprando aqui e acolá, se chegue a alguma conclusão sobre as oficinas que fizeram este motivo tão popular e fascinante

    abraços

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  5. Que bonito que ficou o post, ainda por cima com duas travessitas minhas :)
    Aqui em casa, misturadas com as outras peças, emaranham-se umas nas outras, jogam às escondidas, algumas vezes vejo umas coisas que noutras não reparo, velam-se umas às outras, algumas vezes até parece que têm inveja dos azuis que ostentam!
    Ai! Os azuis! Estes brincam e parecem querer esgotar-se nas suas mil tonalidades, mas gosto sobretudo da tua travessa, que é um espanto! Há aqui por casa uma algo semelhante, mas creio que mais recente; no entanto os azuis desta tua são tão claros, como se de uma cristalina água marinha se tratasse. Gosto imenso dela.
    Adorei, e ri-me com a descrição da Marília sobre as figurinhas que aparecem em primeiro plano. Realmente são algo enigmáticas e surpreendentes, e representam não só figuras humanas como pequenos animais.
    Quanto à Maria Isabel, quero agradecer-lhe as palavras bonitas e dizer-lhe que também nos brinda com peças muito interessantes, mas tal como as suas, a origem destas é incerta.
    Há uns tempos atrás, discutindo faianças com um outro interessado no assunto, este comerciante, e à volta de duas peças com decoração afim, tamanho e grossura semelhantes, demos conta que uma delas era feita de uma pasta extremamente pesada e a outra quase parecia feita de espuma, tão leve era. Ele, que, creio, deva conhecer mais que eu (o que nem é difícil, pois sou ainda muito ignorante nestes assuntos, e pelas mãos dele correm/correram centenas, senão milhares de peças) dizia-me que a mais pesada deveria ser proveniente do Sul e a mais leve do Norte. Fiquei algo surpreendido, pois, na minha ignorância, tinha julgado que era exactamente o oposto.
    Decidi que iria ter algo mais de atenção com as peças de origem certificada, e verificar se de facto isto se verificava.
    Até agora ainda não consegui chegar a nenhuma conclusão, tanto mais que deveria haver muitas fábricas que deveriam recorrer e importar argilas de outras regiões. A ser assim lá iria por água abaixo a teoria deste meu conhecido!
    Manel

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  6. Olá Luís
    Gostei da comparação que fez entre as diferentes travessas que aqui nos mostra.
    Estas diferenças que tão bem analisou e tão bem nos descreveu, é que tornam estas peças interessantes e literalmente únicas.
    A fabricação em série é incompatível com o improviso, o devaneio e a livre criação.É pena, mas inevitável!

    Sorte tem o Manel em ser dono de tão belas peças.Aproveito para lhe agradecer o ter-nos deixado aprecia-las.

    Refiro a sorte do Manel em ser dono de tão belas peças, mas, não posso esquecer as também lindas peças do dono deste blog, nem das de alguns dos seus seguidores.

    E sabe o Luís que também já me contagiou com o gosto pelo cantão popular?
    Tenho algumas poucas peças. Um dia mostro-as.
    Um abraço e bom fim de semana
    Maria Paula

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