terça-feira, 24 de setembro de 2013

Vistas ópticas e zogroscópios

Vue de la Nouvelle Décoration de la Foire Saint-Germain
Já aqui tinha mostrado esta estampa francesa, do século XVIII, uma vue d'óptique de la foire de St. Germain, mas como descobri mais algumas informações sobre ela, resolvi voltar ao assunto, correndo talvez o risco de aborrecer os seguidores habituais do Blog com esta repetição. Mas, também é verdade que passamos toda uma existência dedicados aos mesmos temas, como se ao longo da vida estivéssemos sempre a escrever o mesmo romance ou a pintar os mesmos cinco ou seis quadros.


A legenda ao contrário intrigou-me
Na altura que apresentei esta estampa, interroguei-me sobre o significado de a legenda da estampa se encontrar invertida e não consegui chegar a nenhuma conclusão definitiva. Contudo um comentário de um leitor anónimo escrito em inglês chamou-me a atenção para o facto, de que estas estampas designadas por pelo termo francês vues d’optique eram destinadas a serem visualizadas numas caixas ópticas, que davam uma sensação de perspectiva e profundidade a quem espreitava para dentro delas.




Uma Caixa Óptica do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. Reparem que no Tabuleiro de baixo está a estampa.
Fiquei intrigado e fui tentar saber mais alguma coisa sobre estas vues d’optique e encontrei várias informações na Internet, bem como no site do Museu da Universidade da Ciência da Universidade de Coimbra, que possui nas suas colecções umas destas caixas, com o n. º de inventário. 483. Segundo a página web deste museu, estas vistas ópticas eram um tipo particular de gravuras coloridas, produzidas em séries pelos mais importantes editores europeus, que alcançaram enorme sucesso especialmente a partir dos anos trinta-quarenta do século dezoito, perdurando até meados do século dezanove. A finalidade destas gravuras, muito frequentemente representando vistas panorâmicas de cidades, era a de serem observadas com instrumentos especiais, as caixas ópticas, instrumento dotado de um espelho inclinado e uma lente convexa, através da qual a imagem é observada, o que tornava a observação mais cómoda. O efeito da lente é realçar a percepção que o observador tem da profundidade da cena observada.

Outro modelo de zogroscópio. Aqui percebe-se muito bem como funcionava. A estampa era colocada horizontalmente, um espelho reflectia a sua imagem e as pessoas viam a imagem do espelho através de uma lente convexa, o que criava a ilusão de profundidade. Como as estampas eram vistas através de um espelho, as legendas das vues d'optiques eram impressas da direita para a esquerda

Surgidas no século XVII, nos gabinetes de curiosidades, as caixas ópticas, por vezes conhecidas também pelo nome de zogroscópio, tornaram-se vulgares nas feiras do Século XVIII e segunda metade do XIX e eram uns aparelhos muito populares. Homens e mulheres de todas as condições sociais e idades, em troca de duas ou três moedas, podiam espreitar para dentro de uma máquina maravilhosa e verem em perspectiva aspectos das principais cidades e monumentos do mundo.


Vue d'optique de Rome
Numa época, em que poucos eram os privilegiados, que podia viajar para lá dos limites da sua aldeia ou cidade natal, estas caixas ópticas ofereciam a um preço económico a possibilidade de ver o mundo. Aliás estas estampas, primeiramente impressas em Paris e Londres, tornaram-se tão populares, que são quase o equivalente do passado aos postais ilustrados contemporâneos.



 O zogrocóspio. Uma atracção popular nas feiras. O espelho e as estampas estão disfarçados dentro de uma caixa, para criar o efeito de caixa mágica.
 
Posteriormente, na segunda metade do Século XIX, as caixas de óptica foram substituídos pelas lanternas mágicas e pela própria fotografia e as “vues d’optique” e os zogrocóspios caíram no esquecimento de todos.
 

A vue d'optique encontrou o seu lugar de reforma na claraboia da minha casa
 

13 comentários:

  1. O Luís ultimamente tem para aqui trazido vocabulário muito estranho! Ele são os lararia, agora é o zogroscópio!!! Não sei se na minha já provecta idade consigo aprender vocabulário novo a este ritmo! Lol
    Mas fora de brincadeiras, achei muito interessante a apresentação que fez do aparelho, a descrição da forma como funcionava e o impacto que terá tido nas populações de vilas e aldeias.
    Só uma vez visitei o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, mas sei que lá se guardam muitas destas interessantes relíquias e valerá a pena lá voltar.
    Fico a pensar como é impressionante o avanço tecnológico que tivemos nos últimos dois séculos!
    E o que mais estará para vir?
    Beijos

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  2. Maria Andrade

    Sou um ignorante em termos de física e espero que não tenha posto o pé na poça neste post, dizendo algum disparate técnico. Mas de facto andava intrigado com estas estampas tão vulgares no mercado das velharias e nas casas de quem gosta de antiguidades, todas elas com as legendas ao contrário e finalmente percebo que se destinavam a ser mostradas nestas caixas ópticas e que estes aparelhos foram muito vulgares nas feiras dos séculos XVIII e XIX. De certa forma antecederam a fotografia e o cinema.

    bjos e obrigado

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  3. Tenho um postal muito curioso e que também me intriga bastante, pois é composto de duas imagens do mesmo local, ligeiramente desfocads que eram para ser vistas introduzidas numa espécie de funil que as fazia parecer a três dimensões. Desconheço o que quer que seja àcerca deste assunto. Isto diz-lhe alguma coisa?
    Já estou como a Maria Andrade: zogroscópio?! Que palavrão!!!
    Cumprimentos,

    Ana Silva

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  4. Cara Ana

    Na verdade o título do post era para ser vistas de óptica e caixas ópticas, mas achei que ficava muito mais divertido "Vistas ópticas e zogroscópios". O termo zogroscópio evoca muito melhor qualquer coisa que passou irremediavelmente de moda, mas que na época era uma caixa maravilhosa e surpreendente para a maioria das pessoas.

    Os postais ilustrados são posteriores à moda das vistas de óptica e outros aparelhos mais complexos sucederam às caixas de óptica, mas eu também sei pouco deste assunto. Só agora, a propósito deste tipo de estampas comecei a desvendar um pouco o mundo desses instrumentos de ópticos, antepassados do cinema de da fotografia.

    Mas, talvez o instrumento que servisse para ler esses postais que menciona tivesse princípios técnicos próximos do zogroscópio.

    Se os seus postais tiverem legendas, experimente fazer uma pesquisa na internet por elas, pode ser que chegue a uma conclusão. Experiomente pesquisar também por imagens. Há muitos sites de antiguidades franceses e americanos e muitas páginas web de colecionadores amadores com informações úteis sobre postais, estampas, pagelas e etc.


    Um abraço

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  5. Luís,
    Maravilhosa esta investigação.
    Estas caixas ópticas são as delícias das delícias pois são magia, pelo menos sempre as tive como tal.
    Abraço! :)).

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  6. Gosto muito destes aparelhos que se utilizam para simular a profundidade a partir de imagens bidimensionais, e que se tornaram muito populares sobretudo no século XIX.
    Este aparelho que aqui mencionas é o antepassado daquilo que se denominou de estereoscópio.
    Já no século XX apareceu um aparelho muito comum, em forma de binóculos, destinado a recriar essa visão tridimensional a partir de imagens bidimensionais; tratava-se do "view master".
    Eu próprio tive um aparelho desses onde se inseriam uns discos em cartão que possuíam imagens quase iguais de um lado e do outro, isto é, em posições opostas.
    Essas imagens eram obtidas a partir de máquinas fotográficas com 2 objetivas distantes uma da outra numa distância que equivalia à dos olhos humanos (cerca de 7 cm), e que tiravam 2 fotografias distintas de uma determinada cena tridimensional. Quando estas fotografias, quase semelhantes, eram visionadas numa máquina, através da perceção da profundidade, pela paralaxe da visão humana, era recriada uma sensação de visão espacial tridimensional.
    Assim, tal como já referido, o antepassado deste "view master" era o chamado estereoscópio, inventado em 1838, que funcionava com esses postais fabricados a partir de um cartão grosso com duas fotografias quase iguais, colocadas lado a lado, semelhantes aos que descreve a tua comentadora Ana Silva.
    Eu também possuo vários postais destes e divirto-me a recriar essa imagem tridimensional através de um exercício de desfocagem das lentes oculares dos olhos para que as imagens obtidas se fundam em distâncias diferentes, dando a aparência de profundidade. Se tivesse um estereoscópio seria mais fácil, claro!
    Estas máquinas são muito curiosas e engenhosas.
    Conheço várias e algumas são absolutamente luxuosas e elegantes, para serem certamente usadas em sociedade, com o intuito de permitir a pessoas de uma burguesia menos endinheirada viajar por paragens mais exóticas, de cuja existência só conheciam por descrições da literatura especializada.
    Hoje em dia temos os filmes 3D, cuja visão é feita a partir do uso de óculos especiais, mas que utilizam o mesmo princípio que todas estas máquinas aqui descritas.
    Manel

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  7. Devo adicionar que este zogroscópio que referes é ainda um antepassado mais antigo do estereoscópio (o zogroscópio apareceu no século XVIII), e ainda não faz uso da paralaxe.
    Paralaxe é o fenómeno que se verifica e que se manifesta através da diferença do que os nossos dois olhos apreendem em determinado momento.
    Se, por exemplo, se fechar o olho esquerdo, e se se observar uma determinada imagem, essa imagem não será a mesma que vê esse mesmo olho esquerdo, quando se fecha o direito.
    Da observação desta diferença surgiu a invenção dos estereoscópios.
    Esta máquina que mencionas ainda não utiliza esta capacidade pelo que aprofundidade é apreendida de uma forma algo rudimentar.
    Achei preferível adicionar esta informação, já que este campo é pouco conhecido do público em geral
    Há alguns anos atrás construí uma caixa que funcionava como um zogroscópio e que me serviu como máquina de desenho, pois a partir de uma lente (que aproveitei de um velho projetor), de um espelho a 45º e de uma caixa escura construída com cartão muito grosso, a qual dispunha de um vidro transparente, plano e horizontal, que funcionava como ecrã, podia desenhar perspetivas ou qualquer outra coisa que visse. o que muito admirava algumas crianças
    Manel

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  8. Hoje não te deixo o blog em paz!
    Para completar a informação gostaria de salientar que o antepassado do cinema é Zootroscópio/Praxinoscópio, uma construção muito fácil de fazer.
    É construído a partir de uma faixa retangular de cartão, ou outro material semi-rígido qualquer, o qual, quando se colam os seus lados menores, forma uma espécie de cilindro vazado no seu interior.
    Neste retângulo, que deve ser bastante comprido (tão comprido quanto se quiser que o cilindro tenha de raio, e é conveniente que este seja grande para que o resultado seja eficaz), devem ser efetuadas perfurações retangulares finas, que se devem repetir de uma forma regular na metade superior da altura, em todo o comprimento do retângulo, e, na metade inferior (do lado que vai ficar para o interior do cilndro), desenhadas imagens cujo elemento principal que se pretende animar, se vai alterando de desenho para desenho, como se se tratasse de uma banda desenhada cujas vinhetas se alteram igualmente e ligeiramente de uma para a seguinte.
    Construído o cilindro (colando os lados mais pequenos do retângulo), e quando este se põe a girar em torno do seu eixo, as imagens desenhadas (pintadas ou não) no interior, vistas através dos orifícios retangulares, parece que ganham vida e conseguem imitar o movimento (tal como nas máquinas cinema, daquelas que ainda funcionavam com bobinas de fita).
    A par deste Zootroscópio também há construções afins, que possuem a mesma finalidade, como por exemplo o praxinoscópio ou ainda o denominado "flip book", também muito conhecido.
    Não te incomodo mais, mas este é um campo de que gosto muito e sobre o qual, durante muito tempo, fiz pesquisa variada
    Manel

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  9. Cara Ana

    Obrigado pelo seu comentário. Julgo que ter descoberto a função original deste tipo de estampas, ajudou-me a perceber o maravilhamento que as pessoas sentiriam no século XVIII quando espreitariam para estas caixas.

    Um abraço

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  10. Manel

    Confesso que esperava pelos teus comentários com alguma ansiedade. Sei que esta área da física te atrai particularmente. Aliás, um nos nossos primeiros temas de conversa quando nos conhecemos foi acerca de um destes instrumentos ópticos, de que Vermeer se servia para pintar.

    O teu comentário foi muito útil. Completou o conteúdo do meu post e ainda esclareceu as dúvidas da Ana. Deixou também pistas para quem queira saber mais sobre estes temas e sobre estes instrumentos antepassados da fotografia.

    Eu como sou um ignorante de física evito sempre aventurar-me muito por áreas que não conheço. Mas graças a Deus, que desenvolveste nos teus comentários toda uma série de consideração sobre instrumentos de óptica sobre os quais eu nunca me aventuraria.

    Um abraço

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  11. Hoje não te deixo o blog em paz!
    Para completar a informação gostaria de salientar que o antepassado do cinema é Zootroscópio/Praxinoscópio, uma construção muito fácil de fazer.
    É construído a partir de uma faixa retangular de cartão, ou outro material semi-rígido qualquer, o qual, quando se colam os seus lados menores, forma uma espécie de cilindro vazado no seu interior.
    Neste retângulo, que deve ser bastante comprido (tão comprido quanto se quiser que o cilindro tenha de raio, e é conveniente que este seja grande para que o resultado seja eficaz), devem ser efetuadas perfurações retangulares finas, que se devem repetir de uma forma regular na metade superior da altura, em todo o comprimento do retângulo, e, na metade inferior (do lado que vai ficar para o interior do cilndro), desenhadas imagens cujo elemento principal que se pretende animar, se vai alterando de desenho para desenho, como se se tratasse de uma banda desenhada cujas vinhetas se alteram igualmente e ligeiramente de uma para a seguinte.
    Construído o cilindro (colando os lados mais pequenos do retângulo), e quando este se põe a girar em torno do seu eixo, as imagens desenhadas (pintadas ou não) no interior, vistas através dos orifícios retangulares, parece que ganham vida e conseguem imitar o movimento (tal como nas máquinas cinema, daquelas que ainda funcionavam com bobinas de fita).
    A par deste Zootroscópio também há construções afins, que possuem a mesma finalidade, como por exemplo o praxinoscópio ou ainda o denominado "flip book", também muito conhecido.
    Não te incomodo mais, mas este é um campo de que gosto muito e sobre o qual, durante muito tempo, fiz pesquisa variada
    Manel

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  12. Vi ontem um na Feira de Espinho, e claro que a vendedora que até tem mais em casa, me disse que era a caixa de um relógio. No interior já nada restava e das gravuras nem tinha ouvido falar...
    Obrigada pelo seu post, sempre aprendo quando cá venho.
    Abraço
    LM

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  13. LM

    Que curioso. Nunca vi nenhum à venda. Também é verdade que só há pouco tempo soube da existência destes instrumentos ópticos, Julgo que devem ser instrumentos muito curiosos para se coleccionar ou ter apenas um em casa, para experimentar com uma estampa e sentir o mesmo entusiasmo, que as pessoas sentiam nas feiras do Séc. XIX.

    Um abraço

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