sábado, 5 de outubro de 2013

Paliteiro da Vista Alegre


Esta cabrinha de porcelana é um paliteiro. A marca está muito sumida, mas o Flávio Teixeira, que tem ainda uns olhos jovens, conseguiu ler as siglas "VA." a verde. Portanto terá sido produzida entre 1881 e 1921 pela Vista Alegre. Em vários manuais sobre esta fábrica de Ílhavo aparecem reproduzidas muitas destas cabrinhas, algumas acompanhadas do respectivo cabritinho e quase todas foram fabricadas entre 1870-1880 ou entre 1881 e 1921. 
Consegue-se apenas ler o "A" final das características siglas VA.
Cabra Paliteiro,  com marca datada entre 1870-1880. www.avaluart.com
 
Ao longo de quase 200 anos de existência, a Vista Alegre fabricou dezenas de modelos de paliteiros, esses objectos até há pouco tempo tão vulgares nas mesas das casas familiares e dos restaurantes e hoje remetidos cada vez mais ao esquecimento.


Os paliteiros estão fora de moda e os palitos são considerados uma coisa pouco higiénica e até algo nojenta. No entanto, temos que nos abstrair desse preconceito actual, em que os cuidados de higiene dentária estão mais ou menos generalizados entre todos e em qualquer lado se podem comprar escovas e pasta dos dentes e ainda fio dental. Contudo, no passado, o uso de um pauzinho descartável para tirar os restos de comida dos dentes foi uma ideia revolucionária e até muito higiénica. Bem pior era o uso entre a nobreza de palitos de prata ou marfim, que eram usados pela mesma pessoa durante toda uma vida e que depois da sua morte eram deixados em herança, juntamente com um conjunto variado de bactérias, aos filhos ou aos netos. Pior era ainda o uso da própria faca para palitar os dentes nos jantares de cerimónia. No século XVII, o todo-poderoso ministro do rei francês Luís XIII, o Cardeal de Richelieu, irritava-se tanto com esse hábito, que encomendou a um ourives facas com o gume arredondado, para que os seus convivas não pudessem palitar os dentes depois das refeições, e de facto, a moda pegou e ainda hoje as facas de serviço apresentam sempre o gume arredondado.

Aqui em Portugal, desde o século XVIII, eram célebres os palitos feitos pelas monjas do Mosteiro de Lorvão. Manufacturavam-nos numa variedade de madeira de salgueiro que dava um certo sabor adocicado aos palitos, que era muito apreciado ente o público. Esse fabrico persistiu com muito sucesso por toda a região ao longo dos séculos XIX e XX e parece que ainda hoje haja quem os faça.
A cabrinha encontrou o seu lugar no louceiro entre as outras peças da vista Alegre da mesma época
Esta cabrinha paliteiro tem o encanto de todos dos objectos caídos em desuso e que daqui a 4 ou 5 décadas já ninguém saberá muito bem a sua utilidade original.

Para saber mais:

Paliteiros da Vista Alegre / Jorge Manuel Ferreira. – Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2006.

29 comentários:

  1. Não poderia deixar de ser um dos primeiros a ver!!! :D

    Fantástica peça Luís!! Teve ali um pequeno deslize nos cornos, mas muito boa para 1870/80, e que outras beldades a acompanham!!

    Abraços
    Flávio

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  2. peço desculpa Luis... Está marcada sim, com 1881-1921 V.A. a verde mecanico

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    1. Caro Flávio.

      O prometido é devido.

      Usados por gerações sucessivas, estes objectos foram ficando com as marcas do tempo. Faz parte do seu encanto. Como escreveu a Yourcenar, "o tempo esse grande escultor".

      A peça não está realmente marcada, mas encontrei várias, inclusive na p. 34 do livro "Paliteiros da Vista Alegre / Jorge Manuel Ferreira. – Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2006", todas datadas entre 1870-1880. Claro, não tenho a certeza absoluta, mas é provável que sim.

      Um abraço e uma boa viagem

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    2. Querido luís não o quero mesmo ser bobo mas tem mesmo o VA de 1881-1921 (veja bem o centro.) tem ainda visível o A em verde

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    3. Flávio

      Desta vez tenho que dar a mão à palmatória. Fui buscar os meus óculos de ver ao perto (cinquenta anos não perdoam), virei a cabrinha e de facto vê-se o "A" final. O "V" está muito sumido. Portanto, a marca parece ser 1881-1921. Enfim, cada vez estou mais cegueta.

      Terei que rever o texto.

      Obrigado pela chamada de atenção.

      Um abraço

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    4. confesso que me começava a preocupar com a minha sanidade mental e já via VA em todo o lado!! ahahahha

      Obrigado por ter tirado as duvidas! :)
      Não se preocupe com a cegueira ! :D É uma 1881-1921!! ahaha marcada.

      Abraços

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  3. Luis,
    acreditas que eu adoro estes paliteiros? Acho que são tão distantes de nós, que os vejo como bibelots que agora são apenas decorativos, e não mais funcionais. A Bordallo Pinheiro ainda hoje os fabrica, e são lindos! Gosto em especial do cachorro deles. E há figuras humanas também nestes paliteiros, não sei se a VA os fez também, acho que sim. Estes paliteiros de figuras humanas tinham furos nos ombros. Quando abastecidos, deveriam parecer pessoas cheias de flechas.
    O fato (que não é um terno) é que aproveitei a ideia dos furos dos palitos nos ombros para minha peça da Bordallo Pinheiro, só que de forma ampliada, como assim é também a figura do Archeiro que eu me apropriei, e os furos são maiores, e ao invés de para enfiar palitos, servem para receber flores.
    abraços!
    Fábio

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  4. Caro Fábio

    Antigamente achava estes bonequinhos em porcelana ou biscuit uma coisa um bocadinho pirosa, ou "cafona", como se diz no Brasil. Um dia fiz uma pesquisa na net sobre as figurinhas de Meissen e deixei-me encantar por estes bonecos.

    A Vista Alegre fabricou imensos modelos de paliteiros: homens, mulheres, crianças, bebés, cãezinhos, gatinhos, flores, frutos, galos, ovelhas, pintainhos, sol e luas e figuras geométricas e sei lá que mais. Hoje são objecto de um grande coleccionismo.

    Tenho outro paliteiro, também da Vista Alegre, que é um menino que tinhas com furos nas costas, mas está muito partido. Já postei sobre ele, mas a fotografia não lhe faz justiça. http://velhariasdoluis.blogspot.pt/2009/10/paliteiro.html.

    Tenho muita curiosidade em ver a tua obra.

    Um abraço e aguardamos a tua chegada, como em 1820, se aguardava o regresso da família real.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Olá Luis,
      Aqui tem uma foto da minha peça, mas infelizmente não mostra as costas, que tem muitos detalhes importantes. Mas isso vc poderá ver em pessoa já no dia 18 próximo.
      abraços!
      http://www.fabiocarvalho.art.br/archeiro.htm

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    3. Já espreitei a peça e de facto é muito bordaliana. Muito coleccionadores ficarão encantados com a peça,

      Um abraço

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    4. Que te ouçam!! Embora, eu não ganhe praticamente nada de cada peça vendida. Mas a circulação dela, e meu nome a reboque, já seria uma vitória.
      abraços!

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  5. São realmente figuras irresistíveis estes paliteiros antigos da Vista Alegre, numa variedade de dezenas de modelos. Nestes de animais, gosto especialmente da cabra em pé, com o cabritinho a mamar, mas nunca encontrei nenhum à venda. Só tenho o do gato com o cesto, talvez o mais vulgar porque foi produzido em períodos sucessivos de fabrico.
    Como há muitos colecionadores, são geralmente peças caras que aparecem sobretudo nos leilões, por isso, os meus parabéns por ter conseguido este belo exemplar.
    E não posso deixar de admirar o conjunto de peças que fazem companhia ao seu paliteiro, embora algumas já nossas conhecidas...
    Beijos e um bom domingo.

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    1. Maria Andrade

      Estes paliteiros são uma graça. Há uns tempos vi um paliteiro VA, em forma de flor, e apesar de partida e colada, pediam o couro e o cabelo.

      Esta cabra é herança familiar.

      A cabra com o cabritinho a mamar é uma peça que também me encanta.

      Bjos

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  6. Caro Luís,

    A sua cabritinha é uma doçura!!
    Por causa dela, e das demais peças que a acompanham acabei por fazer uma busca na Youtube, a qual deu como resultado um tema bem velhinho, e que a seguir lhe deixo:

    http://youtu.be/aKDABOnIGTw

    O culpado foi tão somente o bonequinho na gôndola que, diga-se de passagem, também é um charme.
    Voltando aos paliteiros, em casa de minha avó materna existiu um do Bordalo Pinheiro, giríssimo, era um cão tom ocre. Mas, certo dia, já eu era bem crescidinha, um dos gatos lá de casa resolveu implicar com o dito e zás, partiu-se em três! Foi de facto uma pena,pois era uma peça muito bonita.
    Por vezes aparecem paliteiros da Vista Alegre nos sites de vendas online. Creio que já vi os famigerados gatinhos.
    Fico a fazer figas para que consiga encontrar outra cabrinha para fazer companhia a essa. Quem sabe, aquela que a Maria Andrade refere resolve aparecer numa qualquer feira?
    Ah, não posso deixar de realçar a leiteira azul que aparece pendurada. Enfim...acho que rematava todo o recheio desse louceiro...

    Beijos

    Alexandra Roldão

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    1. Cara Alexandra.

      Realmente partilhamos o mesmo gosto vitoriano e muitas, muitas ideias. Sabe que quando apresentei a menina na gôndola, usei precisamente a música da conchinha para a acompanhar o texto?

      Espreite em http://velhariasdoluis.blogspot.pt/2012/10/a-conchinha-caiu-nagua-ou-porque-me.html

      Bjos

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    2. Luís,

      Fui espreitar, e sinceramente, a única coisa que me ocorre escrever é a de que o nosso subconsciente tem coisas do arco da velha!
      Há pouco ampliei a sua foto, e verifiquei que a figurinha tinha uma conchinha nas mãos, por isso a minha mente foi levada para o tema da Conchinha.


      Bjs

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  7. A tua primeira fotografia é de se lhe tirar o chapéu. Muito bonita, com os dourados a rematarem o azul do fundo com o branco da porcelana da peça. Muito bem conseguida.
    Em minha casa havia um vulgar paliteiro em forma de prisma triangular segundo um modelo das Caldas, comprado algures por Moçambique.
    Tinha algo escrito que já não me recordo, e usava-se regularmente.
    Hoje, são peças anacrónicas, pois os palitos, segundo me dizem, estragam o esmalte dos dentes e são pouco higiénicos.
    Eu continuo a ter uns paliteiros lá por casa, mas o que é certo é que vivem fechados dentro de armários. Creio que nunca usei nenhum.
    Mal acabo a refeição é um correr para a lavagem de dentes!
    Este teu é muito bonito, assim como deveria ter sido o outro do menino com a mosca no braço.
    Enfim, ainda que anacrónicos são muito bonitos para se exporem.
    Achei muito curiosa a peça do Fábio, bem dentro da tradição de Bordalo Pinheiro
    Manel

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    1. Manel

      Obrigado. A foto está de facto muito bem conseguida, mas tirei uns trinta e tal instantâneos para conseguir esta imagem. A Porcelana brilha muito e há que ter cuidado com a luz. Por outro lado queria dar a cabrinha um cenário com um certo ar oitocentista. Julgo que este tipo de peças fotografadas numa cenário asséptico branco ou cinzento perdem muita da sua graça.

      Um, abraço

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  8. Luís,
    Gosto muito destas peças embora anacrónicas. Tenho um menino (pajem) que herdei da minha avó.
    Gosto mais da sua cabrinha. Fez-me lembrar um madrigal.
    Abraço. :))

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    1. Cara Ana

      De facto nessas histórias antigas existia sempre uma linda pastorinha a apascentar a sua cabra pelos campos. Julgo que todos temos essa imagem muito definida nas nossas cabeças e como muito bem referiu a Ana, esta cabrinha evoca esses ambientes pastorais da poesia antiga ou dos contos de fadas.

      Um abraço

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  9. Caro Luis

    a Vista Alegre foi sempre para mim uma marca à mesa de um grupo de pessoas mais abastadas...recordo-me da cara radiosa dum pobre que disse: Esta peça é da Vista Alegre!! aí vi a diferença....Hoje, com a crise, já se vê muita Vista Alegre na rua......da amargura!!! são os tempos.. Os paliteiros e algumas peças decorativas, quebram a frieza da porcelana...mas serão sempre os parentes distantes dos paliteiros de Barcelos, Maria dos Cacos, M.Mafra ou até mesmo do Bordalo......Ao escrever Bordalo reparei que Fábio pegou no archeiro do Bordalo ( figura fria, distante, figurante do paço ) e o coloriu com a flor da amendoeira, o pintassilgo, as bolotas e deu-lhe um ar tropical ....fez alegria à volta do sisudo arqueiro ....é como colocar uma sardinha e pimentos num prato de dourados da Vista alegre..dar alegria e cheiro do povo num rosto de uma princesa demasiado pálida.... peça do Fábio daria uma boa gargalhada ao Bordalo.....
    Um abraço
    Vitor Pires

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    1. Caro Vitor,
      obrigado por suas palavras sobre minha peça. Sabe que eu sempre achei o Archeiro muito caricato, quase uma figura de comédia? Claro que não se compara às figuras de movimento, estas sim propositalmente caricatas, mas o Archeiro me parece mais um beberrão do que um senhor sério.
      Espero que esta peça faça tanto sucesso em Portugal quanto aqui no blog do Luís.
      abraços

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    2. Caro Vítor

      Achei também isso. O Paliteiro do Fábio tinha um certo ar tropical. Como se o Bordalo tivesse resovido dar uns toques de Carmen Miranda aqui e acolá ao seu Zé Povinho ou à sua Maria Paciência. Com o humor do que Bordalo tinha certamente acharia graça a esta reinterpretação do Fábio.

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    3. Olá Luis,
      Na verdade, não é um paliteiro, mas sim uma jarra de 43 cm de altura. Eu usei a ideia dos furos pelos ombros dos paliteiros, mas a peça é bem maior que os paliteiros.
      abraços!

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  10. Luís
    A sua cabrinha é uma ternura. Faz-me lembrar a história de um livro (já muito doente pelas diabruras que o meu filho lhe fez) que tem um conto, precisamente de uma cabrinha "da cor do leite, da cor do linho", com um preceito moral, como era de uso em muitos dos contos - não devemos ser desobedientes.
    Enquadra-se lindamente no seu conjunto de VA, com o motivo das silveirinhas (?).
    Também me lembro de ver nas mesas dos cafés e restaurantes o célebre paliteiro triangular que, agora, levou caminho...
    Quanto à origem dos palitos, também os havia de marfim, para os muito abastados, evidentemente, que também tinham a função de "palitar" os ouvidos!
    Um abraço
    if

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  11. Cara IF

    Curioso. Também me recordo de um livro infantil, que a minha mãe nos leu e releu acerca de uns cabritinhos, que ficavam em casa sozinhos e de um lobo mau que perseguia os bichinhos. Aliás, pensei fazer o post sobre esta cabra em torno dessa história, mas depois abandonei a ideia pois precisaria de ter acesso a uma versão digitalizada desse conto infantil.

    Um abraço

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  12. Linda a sua cabrinha com aquela expressão submissa e meiga. Este género de paliteiros da Vista Alegre atinge preços proibitivos, mas a qualidade das peças talvez o justifique. Há uma série de objetos que caíram em desuso e que para os mais novos é um autêntico quebra-cabeças descobrir a sua função. Nós, os que por aqui andamos às voltas com as nossas velharias, ainda nos lembramos muito bem dos paliteiros à mesa das refeições, mas outros objetos, já serão para nós um enigma!
    Gostei de ver as suas florinhas da Vista Alegre todas agrupadas como que abrigando o pequeno paliteiro e a menina da gôndola.
    Um abraço

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  13. Maria Paula

    Há de facto um romantismo nestas peças da Vista Alegre da segunda metade do XIX. Representam um mundo que acabou, em que se jantava em grandes mesas, com toalhas de linho, as famílias eram grandes, as terrinas iam à mesa e no final palitava-se os dentes. Nós, que comemos num tabuleiro em frente à TV, gostamos de evocar esses ambientes através de objectos como esta cabrinha.

    Bjos

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