Confesso-vos que tenho um certo horror a escrever sobre efemérides, estações do ano ou quadras festivas. Recordo-me sempre das redacções que era obrigado a fazer na instrução primária e do medo que sentia em apanhar reguadas por causa dos erros de ortografia. Mas, tinha esta estampa da Adoração dos magos em casa assinada por Joaquim Carneiro da Silva e achei que era boa altura para mostra-la aqui no blog e desejar assim umas boas festas aos que tem pachorra para me ler.
J. Silva será a assinatura de Joaquim Carneiro da Silva |
Esta estampa será de Joaquim Carneiro da Silva (1727-1818) e terá sido retirada provavelmente de um breviário. Sou dessa opinião pois fiz a pesquisa por um dos termos do verso da gravura in vigilia epiphaniae ad nonam antiphona, ecce Maria e fui ter a um breviário integralmente digitalizado do século XVIIII. Aliás já tinha mostrado outra estampa deste gravador, comprada na mesma banca da feira de alfarrabistas, da Rua Anchieta e que terá saído do mesmo livro que esta, um breviário impresso em Lisboa, na Régia Oficina Tipográfica nos últimos anos do século XVIII ou inícios do XIX.
O verso da estampa indica-nos que ela foi retirada de um livro, provavelmente um breviário ou de um outro livro litúrgico |
O mais curioso é que encontrei duas estampas praticamente iguais a esta, uma da colecção do Museu dos Coches e outra à venda no Cabral Moncada, assinadas por Bartolozzi e datadas de 1811. Tal como Joaquim Carneiro da Silva, Francesco Bartolozzi (1725-1815) executou várias estampas para missais e breviários da Régia Oficina Tipográfica, livros que na altura eram muitíssimos vendidos, pois todas as paróquias, conventos tinham que ter pelo menos um exemplar.
A adoração dos magos de Bartolozzi, 1811. Cabral Moncada Leilões, lote 579, 2008 |
Recordei-me imediatamente de um texto de Pedro Queiroz Leite, intitulado O Missal da Regia Officina Typographica e seu legado na pintura rococó mineira: uma refutação à influência de Bartolozzi, de 2011, em que afirma que o célebre gravador italiano radicado em Portugal usou estampas de Joaquim Carneiro da Silva, sem sequer lhe prestar os devidos créditos. Seguindo o raciocínio de Pedro Queiroz Leite esta Adoração dos Magos terá sido primeiro gravada por Joaquim Carneiro da Silva num breviário e mais tarde reutilizada por Bartolozzi, numa edição posterior dessa mesma obra.
A Adoração dos magos de Carlo Maratta será o modelo das estampas de Joaquim Carneiro da Silva e Bartolozzi |
Em todo o caso o modelo que inspirou as gravuras de Joaquim Carneiro da Silva e Francesco Bartolozzi foi uma adoração dos magos de do pintor italiano Carlo Maratta, cujo desenho encontrei à venda na net.
Enfim, estamos numa época em que os conceitos de plágio e direito de autor não estavam ainda formados e as cópias faziam-se da forma mais natural possível. Por mais incrível que pareça à nossa sensibilidade actual, que valoriza a originalidade dos artistas ao ponto de admirar indivíduos que espalham livremente tinta numa tela posta no chão, na época, a cópia fazia parte do processo de criação da obra de arte.
A tua estampa é bem mais bonita, e parece-me melhor executada que a do site de leilões Cabral Moncada.
ResponderEliminarRealmente conheço perfeitamente o texto de Pedro Queiroz Leite, que consultei acerca de uma outra gravura minha, e apreciei bastante a sua opinião.
Não sendo eu qualquer especialista, estou em crer que o autor sabe do que escreve e parece-me totalmente seguro do seu estudo, apresentando argumentos e provas significativas do que escreve.
E confesso que gosto muito deste artista, Joaquim Carneiro da Silva, que também esteve no Brasil, vindo depois para a Europa, sobretudo para Itália, onde estudou.
E Bartolozzi, um italiano que trabalhava na Grã-Bretanha, de onde veio para Portugal, já na parte final da sua vida, parece-me que acabou por copiar parte da obra do português, sem lhe dar os devidos créditos, apesar de saber que, na época, esta problemática não tinha a importância que viria a ter no futuro.
Aliás, já o próprio Joaquim Carneiro da Silva se tinha inspirado em obras de pintura existentes, como, aliás, era o caso da maior parte da gravura - como bem apresentas no teu texto
Manel
Manel
EliminarAprecio os textos do Pedro Queiroz Leite que faz uma boa relação entre as estampas dos missais, livros muitos comuns na época e as pinturas das Igrejas de Minas Gerais. Aliás é curioso, que há uns tempos tive uma leitora na biblioteca, que procurava estudar as pinturas de uma igreja em Portugal e a meu conselho dei-lhe os missais do século XVIII para consultar e a senhora conseguiu identificar a fonte de inspiração de umas quatro telas, num universo de dez.
A ideia que tenho é que estes gravadores que trabalhavam para ilustrar missais, copiavam as estampas de umas edições para as outras, ou inspiravam-se em gravuras de missais impressos em Antuérpia ou em Roma. na época a cópia era comum e fazia parte do processo criativo.
Um abraço
Luís
ResponderEliminarMais uma bonita gravura com uma explicação detalhada, tão ao seu gosto.
Continuação de Boas Festas e que 2017 lhe traga boas descobertas no reino das antiguidades.
Um abraço
if
Ivete
EliminarMuito obrigado e umas boas entradas para si
É uma estampa tão bonita. A narrativa à volta dela interessa-me sempre muito e é um prazer ler os seus registos.
ResponderEliminarLuís, desejo um Ano Novo muito Feliz com muitas descobertas.
Beijinho.:))
ana
Ana
EliminarMuito obrigado e um feliz ano novo para si.
Bjos
Gostei muito da estampa. Bom ano novo!
ResponderEliminarMargarida
EliminarAgradeço muito o seu comentário e desejo-lhe para si e a sua família um bom ano novo.
Bjos
Para o Luís,Manel,Maria Andrade,Fábio e todasas outras pessoas que têem acompanhado com gosto este blog,desejo Bom Ano de2017.É um cliché ,dizê-lo ,mas cada vez mais o que pedimos é saúde e paz.Com isto a vida vai decorrendo com + ou - normalidade,conforme as circunstâncias.
ResponderEliminarA sua ultima gravura tem um tema que me encanta.A Natividade de Jesus.As suas investigações acerca da vida dos santos,são sempre muito curiosas e didáticas.Aprendemos sempre alguma coisa,muito obrigado.Só lamento,como professora que fui a sua aversão às redacções da esc.primária.Já é a 2ª ou 3ª vez que diz isto,mas nunca percebi ,porquê.
O Luís ,demonstra a quem o lê que tem até bastante facilidade em escrever.Portanto as redacções e os ditados,que eram onde se corrigiam os erros,e todo o resto do ensino,da época em que dei aulas,até me parecia que era bastante produtivo.Muito diferente do ensino actual ,sem dúvida.Se era melhor ou pior,não sei, talvez um dia ,se faça esse estudo.Peço desculpa,deste meu arrazoado,é a costela de professora a vir ao de cima.Um abraço a todos.
Agradeço-lhe muito os votos que envia Graciete.
EliminarA Graciete é sempre tão afável e atenciosa que me vejo compelido a pedir ao Luís para me fazer o favor de ceder este pequeno espaço para lhe agradecer, visto que não tenho blog nem conto vir a tê-lo, pelo menos por agora.
Quero igualmente desejar-lhe a si e aos de quem gosta um bom ano de 2017, pois, cheios de coisas menos boas andamos nós todos.
Que se realizem os seus desejos e que o ano lhe seja tranquilo.
Envio-lhe os cumprimentos
Manel
Esqueci-me de pôr o nome,Graciete
ResponderEliminarGraciete
EliminarNa altura em que fiz a instrução primária (1969-1973)os castigos corporais eram coisa corrente. Não só as chapadas, as reguadas e os puxões de orelha, mas também toda uma variedade de humilhações. O meu professor dividia a sala de aula em três, a fila dos bons, a fila dos médios e a fila dos burros e eramos insultados, humilhados e ofendidos. Enfim uma verdadeira violência para miúdos com 6, 7 ou 8 anos. Claro, tenho a agradecer a esse professor ter-me ensinado a ler e a escrever e acredito que nem todos os professores seriam como ele. Mas na época, era considerado natural sovar as crianças. Os pais faziam-no e os professores também.
Mais tarde, no ciclo e no liceu e na faculdade tive professores admiráveis que incentivaram a minha criatividade, o gosto pela leitura e pela história e devo imenso a essas pessoas, que marcaram a minha forma de estar no mundo.
Com esses bons professores aprendi, que face a um tema imposto, não devia escrever o que era expectável, mas sim aquilo que realmente pensava.
Em todo o caso, respeito imenso a classe dos professores. Eu próprio já dei aulas alguns anos. O problema do ensino actual são as reformas constantes e tontas, feitas de forma perfeitamente insensata.
Aliás, aqui no blog, os meus textos são muitas vezes as redacções, que não pude fazer em tempos ou os textos que nos empregos me apetecia escrever e não pude. A internet permite-nos esta liberdade espantosa.
Um grande abraço e agradeço os seus votos de boas festas
Luís! Um óptimo 2017!!!
ResponderEliminarFlávio
EliminarUm grande abraço e óptimas entradas