domingo, 6 de janeiro de 2019

A poesia dos objectos oxidados ou Galheta de vinho para a celebração da Eucaristia



Comprei esta jarrinha já há muitos anos na feira-da-ladra, sem saber sequer que tipo de peça se tratava, qual a sua função original ou a época em que foi executada, mas agradou-me muito o seu ar de achado arqueológico, conforme escrevi neste blog em 2010. Tinha aquela poesia das estátuas de bronze gregas ou romanas encontradas no fundo do mar. Fiz algumas  pesquisas sobre esta peça, mas não encontrei nada de relevante sobre ela, apenas que percebi, que quem a executou se inspirou nos jarros produzidos no Próximo Oriente e no Norte de África.

Foi só depois de ir trabalhar como bibliotecário no Museu Nacional de Arte Antiga, que percebi realmente qual foi a função original desta jarrinha. À conta de ver tantos objectos de prataria sacra naquele museu vai-se aprendendo alguma coisa.
A galheta é de dimensões reduzidas. O motivo floral no bojo forma a letra "V"

Com efeito esta jarrinha, é na verdade uma galheta de vinho usada na celebração da Eucaristia e em tempos terá feito par com outra igual contendo água e estariam as duas pousadas numa pequena bandeja ou prato. A parte da frente desta galheta apresenta uma decoração floral no bojo, que forma a inicial "V". Sempre que não sejam de vidro, as galhetas devem ter uma letra que permita distinguir o seu conteúdo, não o vá o Senhor Padre confundir água com vinho e engatar a celebração eucarística. Para os mais novos, que nunca tiveram uma educação católica, a água simboliza nossa humanidade e o vinho, a divindade de Cristo e ambos os líquidos são misturados num cálice para simbolizar a sua união.

Ainda continuo sem saber a época desta peça ou se um dia teve um banho de metal brilhante ou um lustro qualquer, que lhe desse um ar mais nobre, pois a Igreja Católica e Apostólica Romana sempre gostou de se rodear de objectos ricos. Em todo o caso, vou mante-la com este ar oxidado, como se tivesse sido acabada de trazer de algum navio naufragado há muito.


Alguma bibliografia:
Thesaurus : vocabulário de objectos do culto católico / coord. Natália Correia Guedes. Vila Viçosa : Fundação da Casa de Bragança, 2004

6 comentários:

  1. É linda e a "cara de velha" é ótima. Para dar um certo acabamento e um brilho discreto eu costumo passar cera para madeira incolor, ela realça a cor e deixa os detalhes de decoração mais visíveis.
    Chaves antigas eu faço isso. Uma aldrava de ferro eu fiz também, passei a cera e ficou ótima, não "interfere na velhice".
    É linda a jarrinha, ficaria ótima em minha casa...kkkkk
    2019 abraços.

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    1. Jorge

      Esta galheta é com efeito uma peça muito elegante. Adoro o bico em forma de cabeça de pássaro e o formato da asa. Nunca pensei em mexer-lhe ou alterar-lhe o aspecto. Tenho medo que ela perca este aspecto de objecto achado no fundo do mar. O Manel que é o meu conselheiro nas questões de restauro também nunca me disse para mexer na peça.

      A minha avô tinha uma colecção muito bonita de chaves antigas, todas elas colocadas numa chapa de madeira, mas nas partilhas calhou ao meu irmão. Por vezes, encontro essas chaves à venda nas bancas das feiras e penso em começar uma colecção, mas eu já não tenho espaço para nada em casa.

      Um grande abraço para si e feliz 2019

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  2. Eu realmente gostaria de saber de que metal/material é feita esta, afinal, galheta.
    Mas que tem ar de antiguidade de há mais de mil anos, lá isso tem, e creio que é isso que lhe dá o encanto.
    Ela parece-me bem tal como a deixaste, e não sei se esta peça ganhará em se lhe mexer.
    No entanto, e finalmente, lá conseguiste descobrir a sua função.
    Curioso o facto da flor apresentar esta forma de "V". Eu não fazia a ideia disto. Pensava que era só um ornamento e ... ficava-me por aí.
    Mas tem lógica e faz sentido. Seria um problema se o pároco confundisse os dois líquidos.
    Com certeza ninguém perceberia, mas se uma pessoa tem fé, e acredita naquilo que está a fazer, convém que o faça de uma forma correta, ou estará a minar as bases da própria religião, ao abastardar o processo do sacrifício divino.
    Muito boa a pesquisa.
    Esta peça poderia ser de uma era muito mais antiga, o seu aspeto condiz com eras recuadas.
    Manel

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    1. Manel

      Também não sei de que metal é feita esta peça. Mas no passado certamente teve um ar mais lustroso.

      Demorei muito tempo a identificar a função desta peça. Creio que foi ao visitar uma das exposições temporárias do MNAA ou a sua colecção permanente, tão rica em alfaias litúrgicas, que descobri a sua função original.

      Há todo um cerimonial com estas galhetas em que importa não confundir o seu conteúdo. A água serve para purificar as mãos do sacerdote antes e depois do ritual. Por outro lado, ao vinho só se acrescenta umas gotas de água. Portanto há todo o interesse em sinalizar o seu conteúdo quando não são de material transparente, isto é, de vidro.

      Um abraço

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  3. Que maravilha! E realmente parece ter saído de um naufrágio de um navio antigo :-) Bom dia!

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    1. Margarida

      É verdade. Esta galheta parece um daqueles objectos que vemos nos museus arqueológicos e foram recuperados no fundo do mar e que nos encantam tanto, pois correspondem aquela visão romântica que temos dos arqueólogos, descobrindo tesouros enterrados à séculos.

      Bjos

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