quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Ainda as damas do guéridon ou primórdios da fotografia em Chaves


Há pouco tempo apresentei aqui no blog as fotografias de três damas, que constam do velho álbum fotográfico formado pelo meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio e entre as quais a se encontra a minha trisavô. O retrato desta minha antepassada, não tinha qualquer identificação do fotógrafo, mas através da comparação com as imagens das outras damas, com nome o estúdio está bem identificado no verso, consegui perceber através de um denominador comum, um guéridon, que as três elegantes jovens se tinham feito fotografar na mesma casa, um tal T. A. Pacheco, Photographia Transmontana, profissional que abriu o seu atelier em 1873, em Vila Real, na Rua de Santo António.


O verso da foto. T. A. Pacheco, photographo
Como tenho andado encantado com estas fotografias de antepassados tão remotos, resolvi no Natal oferecer à família cópias destes retratos, encaixilhados em molduras antigas, que fui comprando nas feiras de velharias e que aguardavam numa gaveta a imagem certa. Foi a forma que encontrei de partilhar com os meus familiares este tesouro com cerca de 140 anos, com imagens de antepassados e dos quais herdamos certamente alguma coisa, o olhar, os gestos ou um traço de personalidade.
Retrato da minha trisavô, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão (1856-1902). A moldura é francesa e será coisa da primeira metade do XX, ao estilo Restauração

Uma das cópias que ofereci foi de a um retrato da minha trisavô, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão, também feito na década de 70 do século XIX e onde se percebe bem, que era uma mulher encantadora, com uns grandes olhos claros e algo melancólicos. Não me admirada nada que o Padre Rodrigues Liberal Sampaio se tenha encantado por esta mulher e tenha posto em risco a sua reputação, e sobretudo a dela, numa paixão condenada socialmente. Aliás, é curioso, que uma das suas bisnetas, a prima Lídia, embora fosse uma morena, tinha algo deste olhar.

Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão (1856-1902).


O meu irmão Zé, que recebeu uma cópia do retrato de Liberal Sampaio, gostou tanto destas fotografias, que me pediu uma cópia digital de todas e como é um homem muito observador (passou três quartos da vida a dele a montar e pintar kits de aviõezinhos e miniaturas automóveis), detectou que o retrato de busto da minha trisavô foi feito no mesmo dia e no mesmo fotografo, que o retrato a corpo inteiro. O penteado, o vestido e as jóias são os mesmos e portanto este retrato, sem identificação de fotógrafo, pode ser também seguramente atribuído ao T. A. Pacheco.
Esta foto foi tirada no mesmo dia que o retrato de busto, conforme se pode verificar pelo destaque que abaixo apresento


No entanto, nesta história toda havia qualquer coisa que não batia certo. O fotógrafo T. A. Pacheco tinha o seu estúdio em Vila Real e estas senhoras estariam em Chaves ou nas cercanias. Através de autoestrada, a distância actual entre as duas cidades são cerca de 70 Km e quem não conhece a região pensa que se fazem rapidamente. Mas estamos Trás-os-Montes e como o nome indica o terreno é acidentadíssimo e na época,  meados da década de 70 do século XIX, não existia caminho de ferro. Os primeiros comboios só chegaram a Vila Real em 1906 e a Chaves em 1921. A jornada entre Chaves e Vila Real seria feita a cavalo ou carruagem, por caminhos pedregosos, entre terríveis montanhas, certamente em dois dias, com uma pernoita pelo caminho, em Vila Pouca de Aguiar. Portanto ir a de Chaves a Vila Real tirar uma fotografia era uma aventura. Aliás, por estes motivos sempre tive o palpite que mesmo os fotógrafos do Porto, como o Emílio Biel, deslocar-se-iam periodicamente às cidades e vilas do interior Norte, no dia das festas do santo padroeiro, para fotografar as individualidades locais. Por exemplo, um dos fotógrafos deste período, Albino Pereira da Silva, trabalhava em três localidades distintas, consoante a época, em Braga de Novembro a Maio, em Vizela de meio de Maio a meio de Agosto quando os mais favorecidos iam para as termas e na Póvoa de Varzim de meio de Agosto a meio de Novembro, quando a boa sociedade de bracarense ou do Porto ia a banhos. Para o efeito, este fotógrafo tinha três carimbos diferentes, que apunha no verso da foto, consoante a localidade onde estivesse a trabalhar (1).
A D. Aurora Falcão
Ao analisar as outras fotografias do mesmo álbum, descobri mais à frente uma fotografia de uma jovenzinha, apoiada no mesmo guéridon só que já sem franjas, uma tal Dona Aurora Falcão, que no verso estava marcada a carimbo, Photographia Pacheco Chaves.

O verso da foto da D. Aurora Falcão. Marca a carimbo PHOTOGRAPHIA PACHECO  CHAVES
Suspeitei de imediato que se tratasse do mesmo fotógrafo e escrevi ao meu amigo de Outeiro Seco, o Humberto Ferreira, pedindo-lhe ajuda, pois além de ser um entusiasta da fotografia e da sua história possui um talento especial para descobrir seja lá o que for. Com efeito, o meu amigo de Outeiro Seco, escreveu para o Museu do Som e da Imagem de Vila Real e rapidamente lhe responderam, informando-o que este T. A. Pacheco era de seu nome completo Tomás Aquino Pacheco e que a partir de pelo menos 1876 estaria também a fotografar em Chaves, pois em 10 de Dezembro desse ano baptizou o seu filho nessa cidade, conforme se pode ver no Arquivo Distrital de Vila Real. Os senhores  do Museu do Som e da Imagem foram tão amáveis que me enviaram uma publicação que versa sobre este fotógrafo Narciso Alves Correia: A fotografia em Vila Real na década de 1870 / Elísio Amaral Neves. Portanto este Tomás Aquino Pacheco fez fotografias em Vila Real e depois em Chaves e ainda suspeito que se deslocaria repetidamente até Vidago, onde o turismo termal tinha acabado de arrancar, para retratar figuras da boa sociedade.

Esta descoberta permite-me supor com alguma segurança que os retratos que o Tomás Aquino Pacheco fez das das três elegantes damas do guéridon, foram afinal realizados em Chaves e permitiu-me também atribuir a esse profissional a fotografia de busto da minha trisavô. Mas o interesse desta informação nova ultrapassa o da história familiar, pois permite recuar a história da fotografia em Chaves aos meados da década de 70 do século XIX.

Este retrato da minha trisavô foi feito por Tomás Aquino Pacheco, provavelmente em Chaves, na década de 70, do século XIX



Narciso Alves Correia: A fotografia em Vila Real na década de 1870 / Elísio Amaral Neves. Vila Real: Museu do Som e da Imagem, 2011. – (Cadernos do som e da imagem; 8)


Registo de Batismos de 1876, paróquia de Santa Maria Maior, Chaves, Arquivo Distrital de Vila Real.
https://digitarq.advrl.arquivos.pt/viewer?id=1050032

8 comentários:

  1. Texto delicioso. Adorei! Obrigada, Luís

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    1. Leonor

      Estes álbuns antigos permitem várias leituras, a da história da família, a história social e ainda a história da fotografia. São documentos muito interessantes e autênticas caixinhas de surpresas. Bjos

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  2. Interessantíssimo (aliás, como sempre). Boa tarde!

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    1. Margarida

      Muito obrigado pelo seu comentário e ainda bem que gostou. Bjos e bom fim-de-semana

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  3. Se não fores tu a trabalhar sobre a história da fotografia ninguém o fará, pois aquilo que leio sobre este assunto são só historietas sem fundamento e praticamente sem informação, ou informação deficiente.
    Muita descrição, muito lugar comum, muita informação avulsa, mas nada de concreto no que toca a este mundo que não deve ser pequeno.
    E o que existe é pouco conhecido, quiçá enterrado em arquivos esquecidos.
    A história da fotografia em Portugal é território praticamente inexplorado. E os arquivos destes fotógrafos, que deveriam ser riquíssimos em informação, onde estarão?
    Bom texto o teu, e com boa informação, como sempre.
    Um agradecimento ao Humberto pela ajuda que te prestou.
    Fazeis uma dupla imbatível.
    Belíssimas prendas que tiveste a feliz ideia de oferecer.
    Manel

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    1. Manel

      Infelizmente a história do retrato fotográfico continua por fazer e a maioria dos autores repetem as informações de "História da imagem fotográfica em Portugal 1839-1997" de António Sena. Mas, neste caso, o mérito não é meu, mas sim o de autores como Elísio Amaral Neves, bem como Eduardo Brito, que estudaram fotógrafos locais e trouxeram à luz novas informações sobre o assunto.

      Em todo o caso é o pena os arquivos destes antigos fotógrafos não estarem online. Seria interessantíssimo para a história das comunidades locais.

      O Humberto Ferreira é um tipo fora-de-série com o qual consigo fazer um trabalho de equipa muito produtivo.

      Um abraço

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  4. Estive a ver o último guéridon que apresentas, com a fotografia da D. Aurora Falcão, e este é diferente dos outros. Repara no fuste que é totalmente diferente, e os três pés também o são.
    Manel

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    1. Manel

      Tens razão. A mesinha é diferente, mas a encenação igual, nem falta o livro pousado no "guéridon". Muito obrigado pelo teu reparo

      Um abraço

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