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sábado, 2 de março de 2024

Desvendado segredos de fotografias do século XIX ou a família de Liberal Sampaio



Mais uma vez o tema deste post é o meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio (29-7-1846/29-10-1935), que manteve uma relação amorosa com uma fidalga da região de Chaves, minha trisavô, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão (1856-1902). Mas desta vez, irei escrever sobre a sua família, de que encontrei muitas referências em cartas. É certo, que no processo inquirição de génere de 1864-1866, consegui colher dados sobre os pais e os seus avós paternos e maternos, os primeiros de Soutelo, Chaves e os segundos de Antigo de Arcos, Sarraquinhos, Montalegre, mas tudo o resto estava muito confuso.





Em 20 de Novembro de 2018, tinha apresentado aqui no blog, uma fotografia de uma Senhora, tirada antes de 1874, que eu tomei como a mãe de Liberal Sampaio, mas estava enganado


Em 20 de Novembro de 2018, tinha apresentado aqui no blog, uma fotografia de uma Senhora, tirada antes de 1874, que eu tomei como a mãe de Liberal Sampaio e em cujo registo de óbito era referida como viúva. Porém, quando comecei a tratar o espólio familiar fui encontrando cartas depois de 1874 com referências ao pai de Liberal Sampaio e até mesmo uma missiva deste ao seu pai, datada de 18 de Julho de 1891 anunciando-lhe a conclusão da licenciatura nos cursos de Teologia e Direito. Mais ainda, no espólio familiar, apareceu uma certidão de óbito datada de 3 de Março de 1906 de Maria José Ferreira, falecida a 13 de Janeiro de 1896, em Outeiro Seco, com 76 anos, viúva, que ficou de António Rodrigues Sampaio, lavradora. Portanto, o pai de Liberal Sampaio, o António Rodrigues Sampaio, sobreviveu à primeira mulher, casou uma segunda vez e vivia em Outeiro Seco, aldeia onde o filho era pároco. Também no mesmo espólio, consta um documento, a Distribuição da derrama em dinheiro para côngrua do pároco. Concelho de Chaves, freguesia de Outeiro Seco, 1876-1877. Neste documento estatístico, certamente coligido por Liberal Sampaio, onde constam todos os chefes de família, que contribuíam para o sustento do pároco, surge o nome do meu quarto avô, António Rodrigues Sampaio. Liberal Sampaio chegou a Outeiro Seco em 1873 e pelo menos em 1876, o seu pai já tinha deixado, o Antigo de Arcos, em Sarraquinhos e residia na mesma povoação do filho.

Distribuição da derrama em dinheiro para côngrua do pároco. Concelho de Chaves, freguesia de Outeiro Seco, 1876-1877. António Rodrigues Sampaio está assinalado com uma seta.


No post de 20 de Novembro de 2018, em que tinha publicado um retrato, que acreditava ser a mãe, de Liberal Sampaio, uma Senhora, Rute Reimão, comentou este post, em Novembro do ano passado, informando-me que em vez da Maria Gonçalves Liberal, se tratava de Isabel Gonçalves Liberal, falecida a 11 de Setembro de 1875, em Chaves e que casou duas vezes, a primeira com José Teixeira de Magalhães e em segundas núpcias com Alexandre José Fernandes. Muito provavelmente, aquela fotografia era uma irmã da mãe de Liberal Sampaio, uma tia.

Achei que tudo isto estava uma grande confusão e que a única solução era traçar uma genealogia dos Gonçalves Liberal, de Antigo de Arcos e dos Sampaio, de Soutelo e lancei-me aos registos paroquiais, mas foi um trabalho diabólico. Estes homens e mulheres eram simples lavradores que deixaram poucos e escassos traços nos arquivos. Viviam da terra nas suas aldeias isoladas, se morriam sem deixar testamento, não se faziam processos de inventário obrigatório, também não ocuparam cargos na administração, nem tinham pleitos jurídicos com arrendatários, que fossem a tribunal. Os próprios párocos, nos registos de baptismo, casamento e óbito, lavraram os registos referentes a esta gente simples de forma apressada e por vezes até mesmo trapalhona com os nomes corrompidos ou incompletos. Ao contrário do que sucedia com as gentes da nobreza, ou titulares de cargos públicos importantes, onde os padres registavam tudo cuidadosamente, com todos os nomes e títulos, dando-se mesmo ao luxo de desenhar com algum capricho as letras maiúsculas. Ao ler os registos desta gente de algo até imaginamos o padre aos salamaleques na igreja, quando entrava o Senhor Brigadeiro ou os Pizarro, os Morais e Castro, os Campilhos ou os Montalvões para se casarem ou baptizar os seus rebentos.

Com um traço negro estão assinaladas as terras onde estas famílias residiram 


Mas, voltando assunto, depois destes trabalhos, consegui reconstituir as datas fundamentais da vida do pai de Liberal Sampaio. Nasceu a 7 de Março de 1824 na freguesia de Santa Maria de Soutelo. Casou a 6 de Novembro de 1845 em Antigo de Sarraquinhos com Maria Gonçalves Liberal. Antigo de Arcos e Soutelo, embora em concelhos distintos, são aldeias próximas e imagino que o António e a Maria se terão conhecido na festa do orago de uma das terras, ou na Feira dos Santos em Chaves. Deste casamento nasceu o meu trisavô, o José Rodrigues Liberal Sampaio, em 29-7-1846 e ainda uma irmã, Ana, em 23-03-1848. A mãe de Liberal Sampaio morreu a 13-1-1871, com 68 anos, na sua casa nº 176, Antigo de Sarraquinhos e foi identificada como lavradora. O António Rodrigues Sampaio não ficou viúvo muito tempo e casou uma segunda vez, em Outeiro Seco, a 23 de Setembro de 1874 com Maria José Ferreira, natural de Eiras, freguesia de Sta. Maria Maior, Chaves, viúva de João José Pereira. Deste casamento não houve certamente filhos pois este meu quarto avô tinha nessa data 52 anos e ela 56. É certo, que as idades apontadas nos registos paroquiais são muitas vezes aproximadas, pois esta gente nem sabia bem a idade, mas os números devem ser próximos. Este meu tetravô era alfabetizado e no registo de casamento assinou o seu nome, embora de forma pouco segura e atabalhoada. Faleceu em 27-10-1893 em Outeiro seco e a segunda mulher viveu até 1896.

A assinatura de António Rodrigues Sampaio


Quanto à mãe de Liberal Sampaio, a Maria Gonçalves Liberal, terá nascido na primeira década do século XIX, filha de António Gonçalves Liberal e Ana Gonçalves de Lage, mas os registos de baptismo dessa época da paróquia de Sarraquinhos não estão digitalizados e não consegui determinar o ano do seu nascimento, mas por registos posteriores, consegui perceber que teve pelo menos mais três irmãos, o Manuel João Gonçalves Liberal, que se terá feito padre em 1826-02-08, conforme a inquirição de génere do Arquivo Distrital de Braga, uma Antónia Gonçalves Liberal, que casou com um tal Joaquim Marques e cuja existência descobri através do assento de baptismo de uma neta, a 18 de Janeiro de 1838, em Chaves e finalmente a Isabel, falecida a 11 de Setembro de 1875, de quem eu tenho um retrato. Não faço a menor ideia porque ordem nasceram, pois como referi, os assentos de baptismo 1768-1818 não estão digitalizados.

Isabel Gonçalves Liberal, tia do meu trisavô


Mas é da última, a Isabel Gonçalves Liberal, tia do meu trisavô, de que me irei ocupar. Esta Senhora terá casado na década de 20 do século XIX, com um tal Francisco Teixeira, natural de Sarraquinhos e que era ferrador de cavalaria nº 6, um posto militar e estaria ao serviço num dos quarteis de Chaves. Este casal viveu em Chaves e teve uma prole numerosa entre 1828 e 1839, conforme se pode ver pela genealogia que ilustra este post. Umas das filhas, a Ana Maria, nascida a 28-11-1834 casou muito bem a 7 de Agosto de 1854, com tal um António Vieira Basto, negociante e curiosamente a Ana já constava com o apelido Teixeira de Magalhães, enquanto nos registos anteriores, esta gente aparece simplesmente referida como Teixeira. As testemunhas foram gente de condição, Manuel José Pereira Coelho, negociante e sua mulher Dona Rita Ferreira Montalvão, minha tia quarta avô, de outro lado da família, o da fidalguia, o que parece reforçar a ideia da ascensão social desta família. Este casamento fez-me entender porque é que na correspondência recebida por Liberal Sampaio encontro umas quantas cartas de pessoas com o apelido Vieira Basto e Magalhães Basto, que o tratam por primo. 

O padrinho do pequeno António foi Francisco de Teixeira de Magalhães, doutor em medicina, irmão da mãe do baptizado e residente no Rio de Janeiro


No assento de baptismo de um dos filhos do casal António Vieira Basto e Ana Teixeira de Magalhães, o do pequeno António, a 15-2-1866, há um dado muito interessante. O padrinho foi Francisco de Teixeira de Magalhães, doutor em medicina, irmão da mãe do baptizado e residente no Rio de Janeiro. Ora, eu tenho um retrato deste senhor da Fotografia Alemã, Henschel & Benque, do Rio de Janeiro, tirada entre 1870 e 1877, num dos álbuns carte-de-visite da família e que sempre me fez imensa confusão pois não conseguia perceber qual teria sido a sua ligação com a família Montalvão ou com Liberal Sampaio. Sabia que era provavelmente médico, porque é a única personagem identificada com o título de Dr., apesar de esse álbum estar cheio de retratos de condiscípulos do meu trisavô, licenciados em Coimbra. Creio que na altura o Dr. ainda estava só reservado aos médicos. Portanto, este Dr. Francisco Teixeira de Magalhães, nascido a 19-10-1828 em Chaves era primo direito do Liberal Sampaio e filho da Isabel Gonçalves Liberal.


Médico no Rio de Janeiro, o Dr. Francisco Magalhães era primo direito do meu trisavô, José Rodrigues Liberal Sampaio


Bem sei que este levantamento genealógico é um sempre um bocadinho fastidioso para quem o está ler do outro lado do monitor, mas quem como eu está a tratar um espólio familiar, que incluí cartas, recortes de jornais, documentos notariais e fotografias, este estudo permite-me entender melhor quem foram os autores daquelas cartas, que relações mantiveram entre si e a ainda consegui através dele resgatar dois velhos retratos do esquecimento, mas sobretudo ajuda-me a compreender melhor Liberal Sampaio, esse antepassado, que a minha avó Mimi e o meu pai, me ensinaram a admirar desde muito cedo e é também a minha forma de continuar ligado a eles, que iniciaram o tratamento deste espólio.

A genealogia de Liberal Sampaio


sexta-feira, 30 de junho de 2023

A educação de Liberal Sampaio: um caminho difícil

O caderninho onde o meu trisavô escreveu umas notas sobre o início da sua vida.


O meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio (1846-1935) deixou um caderninho de notas onde pretendia talvez escrever os seus dados biográficos, mas infelizmente não passou da primeira página, ficando-se pela infância. Este documento não está datado, embora imagine que o tenha escrito talvez já velhice, naquele momento da vida em que os homens sentem necessidade de deixar por escrito aos seus descendentes quem foram e donde vieram.

Liberal Sampaio começa por dizer onde e quando nasceu, a 29 de Julho de 1846, do matrimónio de António Rodrigues Sampaio e Maria Gonçalves Liberal, naturais aquele de Soutelo de Chaves e esta do Antigo de Arcos, freguesia de Sarraquinhos, da comarca de Montalegre. Mas neste documento, o meu trisavô não perde tempo com grandes antecedentes familiares e o que aqui salienta é a sua educação. Aos sete anos passou a frequentar a aula nocturna de um curioso, que ao completar nove anos, me deu preparado para ir a Vilar de Perdizes habilitar-me na instrução primária com o Professor régio Bento Pires Esteves, o melhor e quase único do Concelho

Embora não haja estatísticas sistemáticas para esta época, calcula-se que em meados do século XIX, a taxa de analfabetismo andava pelos 80 por cento do total da população portuguesa, variando consoante as regiões, urbanas ou rurais e as palavras do meu antepassado são um testemunho eloquente de que nas distantes e isoladas serras do Barroso esta percentagem seria mais alta. Aprendeu as primeiras letras a frequentar a aula nocturna de um curioso e aos nove anos estava a fazer a instrução primária com o Professor Bento Pires Esteves, quase único do Concelho.


Para completar a sua instrução básica, o meu antepassado teve que se deslocar aos nove anos da sua aldeia natal para Vilar de Perdizes. Não sei onde ficou alojado, talvez em casa de parentes, deste período apenas encontrei uma referência ao seu mestre, Bento Pires Esteves, que foi padre, pois no arquivo Distrital de Braga, existe um processo, datado de 1831, a inquirição de genere de Bento Pires Esteves (1), filho de Domingos Pires Esteves e de Genebra Vaz, natural de Vilar de Perdizes, actual Concelho de Montalegre.

Depois disto, sei o meu trisavô foi para o Seminário de Braga, mas também desconheço o ano em que aqui entrou. Presumo que tenha sido ordenado padre, com 18 ou 20 anos, altura em decorre o processo de inquirição de genere, 1864-1866, que o meu amigo Humberto Ferreira me facultou uma copia do original do Arquivo Distrital de Braga (2).

A Inquirição de genere era um processo da Igreja, que consistia num inquérito na paróquia do candidato a padre, para averiguar da sua limpeza de sangue, saber se cumpria os preceitos da Igreja ou se não tinha cometido crimes de lesa-majestade divina e humana.

A genealogia de Liberal Sampaio

Este documento permitiu-me conhecer um pouco o meio social dos pais de Liberal Sampaio, que foram nomeados como lavradores. Nesta época, os pobres eram jornaleiros, os ricos, proprietários e os lavradores estavam no meio da escala social. Igualmente, através destes dados, foi possível recuar a genealogia desse lado familiar até aos meus sextos avôs.

A inquirição de genere. Parte do documento da escritura de doação de terrenos feita pelos pais de Liberal Sampaio, nomeando as propriedades: a casa atrás do Santo, a terra da Cruz de arcos, a terra dos Campos da Lagoa, a terra do Chão, o lameiro dos sorgos, a terra do Broço, o lameiro dos campos.  


A inquirição de génere era ainda composta por uma parte descritiva do património do jovem. Era suposto que um padre tivesse meios para se sustentar, sem depender de esmolas. Na prática, os pais de Liberal Sampaio fizeram uma escritura doando ao filho um conjunto de terrenos e seus rendimentos para garantir o seu sustento futuro. Curiosamente o tabelião que fez esta escritura, foi Paulino Antunes Guerreiro, que virá ser um amigo próximo do meu trisavô de que já apresentei aqui o retrato carte-de-visite.

Paulino Antunes Guerreiro lavrou a escritura


Em suma, Liberal Sampaio concluiu o seminário e foi ordenado padre em 1866, com vinte anos. Segundo as noticias, que apareceram nos jornais flavienses, já depois da sua morte foi um aluno brilhante no seminário, mas não tenho forma como comprovar essas elevadas classificações, pois os arquivos da Igreja não estão disponíveis. Na obra  História abreviada do Seminário Conciliar de Braga e das Escolas Eclesiásticas precedentes : Séc. VI-XX / Mons. Cónego José Augusto Ferreira. - Braga : Mitra Bracarense, 1937, o meu antepassado é mencionado no capítulo da galeria dos antigos alunos, p. 476, nos homens que se distinguiram pelas suas letras.

Entre 1866 e 1873, entre os 20 e os 27 anos não sei nada sobre Liberal Sampaio. Presumo que fosse pároco, certamente no Norte, algures no distrito de Vila Real, mas nunca entrei nenhuma menção ao que fez nesse período.

Em 18 de Maio de 1873, Liberal Sampaio lavrou o seu primeiro assento de baptismo em Outeiro Seco e a partir daí, fixou-se naquela aldeia do Concelho de Chaves, a qual ligará os seus destinos para sempre. Por volta dessa altura começou a sua carreira jornalística, colaborando no periódico, a Palavra, jornal religioso, com sede no Porto.

Liberal Sampaio na década de 70 do século XIX


É também nesse ano de 1873, em 23 de Setembro, por alvará régio do Rei de D. Luís, mercê das suas habilitações oratórias, adquiridas com o estudo aturado de ciência e letras eclesiásticas, Liberal Sampaio foi nomeado pregador da Capela Real (3). Por essa ocasião a Rainha D. Maria Pia ofereceu ao meu antepassado um anel de ouro, com uma grande pedra preciosa azul, que a minha avó mostrava com muito orgulho aos netos, quando nos começamos a interessar por história. Ultimamente tenho pensado nessa mercê e na oferta do anel e creio que é muito plausível acreditar que os reis, ou pelo menos a D. Maria Pia terão assistido a uma das suas prédicas, de outra forma não o teriam comtemplado com essas honrarias. Mas quando e em que circunstâncias? O mais provável seria que numa visita ao Norte, ao Porto, Braga, Vila Real, Vidago, Chaves ou Pedras Salgadas por volta de 1872 ou mesmo em 1873 o casal real tivesse ouvido impressionado um dos seus sermões, mas não encontrei registo de nenhuma visita real ao Norte por esses anos. A oferta do anel combina com o que se conta da personalidade generosa de D. Maria Pia, que era mãos largas com quem gostava. Uma antiga conservadora do Palácio Nacional da Ajuda contou-me que certo dia apareceu-lhe um Senhor mostrando-lhes uma pulseira de ouro dada pela referida Rainha ao seu avô. Este último era um adido de D. Maria Pia e um dia, esta, estranhando a sua ausência do serviço por alguns dias, interrogou-o sobre o motivo, ao que aquele lhe disse respondeu, que se tinha casado. Então, a Rainha tirou a pulseira que tinha na mão e deu-a como prenda de casamento, para a jovem esposa usa-la.

Em suma, em 1873, Liberal Sampaio já é um pregador famoso, que deveria impressionar os fiéis pela sua cultura, pela voz poderosa e pelas suas considerações morais e durante muitos anos fará dessa actividade um ganha-pão sendo chamado um pouco para todo lado, para dizer sermões nas festas religiosas.

Em 1874, Liberal Sampaio aproximou-se da família Montalvão. Numa das suas cartas a Maria do Espírito do Santo, referiu que assistiu a mãe desta na sua morte e com efeito é ele quem lavra o assento de óbito de Emília Morais Sarmento em 10 de Abril desse ano. Dois anos depois, já escrevia cartas afectuosas e cheias de conselhos à minha trisavó, mas sempre tratando-a por senhora. O resto da história já aqui a contei várias vezes. Dessa relação nasceram dois filhos, o José Maria, meu bisavô, 1878 e o João Maria, em 1884,que morreu ainda bebé.

Maria do Espírito do Santo Ferreira Montalvão e os dois filhos que teve de Liberal Sampaio.


A partir desta data do nascimento do meu bisavô, em 19 de Maio de 1878, as coisas complicam-se novamente e perco o novamente o rasto de Liberal Sampaio enquanto sacerdote. Deixou de assinar os registos paroquiais, embora sejam lavrados com a sua letra e em 1879 passam a ser escritos e assinados pelo encomendado, António Mendes Dias. Embora na altura não fosse nada de especial um padre ter um bastardozinho, creio que o facto de ter feito um filho a uma fidalga de uma família muito conhecida deve criado bastante escândalo e o meu antepassado parece ter sido interditado de assinar e lavrar os registos paroquiais. Talvez tenha tido ordens suspensas.

De Maio de 1878 ao Outono de 1886, ano em partiu para Coimbra para estudar Direito e Teologia tenho no espólio três cartas dirigidas a minha bisavô datadas entre Agosto e Setembro de 1881 e escritas de Vila Pouca de Aguiar. A 11 de Novembro de 1884 nasce o segundo filho da sua relação com Maria do Espírito Santo, o João que viria a falecer no dia 25 de Setembro de 1887

Contudo do ponto de vista intelectual, neste período entre o nascimento do primeiro filho, que talvez tenha resultado na sua suspensão temporária como pároco e a ida para a Universidade de Coimbra, Liberal Sampaio esteve muito activo e publicou 42 artigos sobre política, religião e história na imprensa periódica, nomeadamente na Palavra, na Aurora do Tâmega e no Comércio de Vila Real.

Dois textos publicados (4 e 5) após a sua morte referem que antes de partir para Coimbra,  Liberal Sampaio formou uma escola de em Outeiro Seco, onde ministrava latim,  português, história e filosofia. A minha avô Mimi num texto publicado nos Jogos Florais de Montalegre (6) precisou, que esse externato funcionou entre 1878 e 1886 e indica nomes de alguns dos seus discípulos, como João Lopes Carneiro de Moura e Filipe Barros de Moura, Videira de Melo, o futuro Coronel Agostinho Pires de Morais, de Sanjurge e ainda João Gonçalves Liberal e Bento Gonçalves Liberal, sobrinhos do meu antepassado Já pesquisei em vários arquivos, nomeadamente na Torre do Tombo, no Distrital de Vila Real, no do Ministério da Educação, bem como no Diário do Governo On-line e nunca encontrei referência a esta escola ou colégio. Talvez não tivesse uma existência oficial e funcionasse junto da paróquia e os seus arquivos ainda por lá andem. 

Esta escola, que formou em Outeiro Seco ajuda a esboçar o seu perfil. O menino, que aprendeu as primeiras letras com um curioso na aldeia perdida de Antigo de Arcos, freguesia de Sarraquinhos, tentava agora na aldeia de Outeiro Seco proporcionar às crianças e jovens um acesso mais fácil à instrução, partilhando a sua sólida cultura. Em todo o caso, é curioso observar que esta escola começou a funcional depois de Liberal Sampaio ter deixado de assinar os registos paroquiais, em 1878.

No Outono, de 1886, com 40 anos de idade o meu trisavô partiu para Coimbra matriculando-se simultaneamente em Direito e Teologia e nessa época a viagem entre Chaves e aquela cidade universitária era ainda uma aventura, com uma parte significativa ao dorso de um cavalo ou dentro de uma diligência. Contudo, Liberal Sampaio não foi sozinho. Levou o filho consigo e o pequeno José Maria, meu bisavô, fez toda a sua instrução, desde a elementar até à licenciatura naquela cidade. O meu antepassado quis proporcionar ao filho toda a educação a que teve um difícil acesso na infância e com efeito em Coimbra, estavam os melhores colégios, os mais prestigiados professores e a única Universidade do País. Apesar do José Maria ser um filho natural, que tratava o pai por padrinho, o meu trisavô teve-o sempre consigo, primeiro numa casa da Rua do Aguiar, 72 e depois na Travessa da Rua do Norte, nº 76 e desse período há uma extensa correspondência com a minha trisavó, a Maria do Espírito Santo, sobre os progressos ou desaires escolares do pequeno, as suas doenças, a roupa que lhe fazia falta, umas peúgas, uns sapatos ou ainda das suas gracinhas. São cartas deliciosas, Liberal Sampaio tinha uma caligrafia excelente, escrevia muito bem, ao correr da pena e através delas pode-se concluir que foi um pai muito presente.

Entre 1886 e 1891, o período sua licenciatura, continuou a colaborar na imprensa, na Ordem, a Palavra, Aurora do Tâmega e Concelho de Chaves escrevendo um total de 21 artigos. Apesar do tempo dedicado ao estudo, manteve a sua actividade como pregador, que juntamente com os rendimentos das suas terras era o seu principal ganha-pão. Aqui em Coimbra, além das terras do Norte, onde sempre era convidado paras suas prédicas, pregava também os seus sermões na zona centro e ainda dizia missa no Solar dos Lemos.

Carta de Liberal Sampaio ao pai. 18 de Julho de 1891.


Em Julho de 1891 terminou a licenciatura nos dois cursos e numa carta à dirigida ao seu pai, de 18 de Julho de 1891 escreveu o seguinte. Fiz hoje, sábado, acto de Direito, em que tudo correu bem. Estou portanto, graças a Deus e Nossa Senhora, que tanto me tem protegido, formado em Teologia e Direito, dois títulos de nobreza e habilitação, que poucos alcançam e ninguém em tão pouco tempo como eu.

Filho de lavradores, Liberal Sampaio teve a noção bem precisa do caminho, que percorreu desde as aulas nocturnas dadas por um curioso em Antigo de Arcos, Sarraquinhos, até obter dois títulos de nobreza e habilitação na única Universidade do País. É interessante, que na mesma data, também escreveu à minha trisavó, anunciando a sua dupla licenciatura, mas o texto é mais lacónico. Talvez a Maria do Espírito Santo Montalvão, uma fidalga nascida em berço de ouro não entendesse tao bem como o pai de Liberal, esta ascensão cultural e social.

Este texto é uma tentativa de sistematização do que conheço do meu trisavô, entre 1849 e 1891, mas à medida que o ia escrevendo fui-me apercebendo, que é mais uma lista de lacunas, de falhas, que tenho que trabalhar e preencher para melhor entender este antepassado, cuja progressão no plano educacional e cultural foi notável numa época, em que a taxa elevada de analfabetismo condenava logo na infância veleidades de mobilidade social da maioria das pessoas.

Liberal Sampaio no momento da sua licenciatura


Alguma bibliografia e fontes consultadas:


(1) Inquirição de genere de Bento Pires Esteves

PT/UM-ADB/DIO/MAB/006/32101

(2) Inquirição de genere de Jose Rodrigues Liberal Sampaio
PT/UM-ADB/DIO/MAB/006/04766


(3) José Rodrigues Liberal Sampaio
Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Luís I, liv. 24, f. 208v
PT/TT/RGM/J/0024/190096


(4)Dr. Liberal Sampaio,
in
Comércio de Chaves, , 28 de Novembro de 1935


( 5)Insignes varões flavienses. Dr. José Rodrigues Liberal Sampaio
In 
Voz de Chaves, 26 de Fevereiro de 1961

(6) Dr. Padre José RodriguesLiberal Sampaio / Maria do Espírito Santo Ferreira Alves Montalvão Cunha
in
I Jogos florais de Montalegre. - Montalegre: Câmara Municipal de Montalegre, 1981. - 47-53 p-

História abreviada do Seminário Conciliar de Braga e das Escolas Eclesiásticas precedentes : Séc. VI-XX / Mons. Cónego José Augusto Ferreira. - Braga : Mitra Bracarense, 1937

quinta-feira, 28 de março de 2019

Os condiscípulos de Coimbra de Liberal Sampaio: Abílio Augusto da Maia e Costa ou a história de um reencontro


Como já referi várias vezes no blog, contínuo no trabalho de identificação dos personagens retratados no álbum de fotografias formado pelo meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio. Uma parte significativa dessas fotografias em formato carte-de-visite é formada por retratos de condiscípulos do meu antepassado dos cursos de teologia ou de direito da Universidade de Coimbra, datadas mais ou menos entre 1888 e 1891. A maioria das personagens está identificada com uma legenda escrita a lápis pelo meu trisavô, ou tem dedicatórias no verso, a ele dedicadas, mas ficam quase sempre por responder as seguintes interrogações: quem foram eles? Que relações estabeleceram com José Rodrigues Liberal Sampaio?


Uma das personalidades dos quais ainda não tinha conseguido encontrar nada, até há pouco tempo, foi a de um tal Abílio Augusto da Maia e Costa, licenciado em Direito, a julgar pela pasta escura, e natural de Vouzela, conforme se pode ler na dedicatória.
Verso da fotografia com a dedicatória manuscrita. Ao meu caro colega e bom amigo Jose Rodrigues Liberal Sampaio em saudosa recordação dos tempos de Coimbra, oferece Abílio Augusto da Maia e Costa, Passos de Villarigues, Vouzela, 25-5-90

Resolvi fazer umas quantas pesquisas no Google pelo seu nome e acabei por ir ter ao fórum do geneall.net, conhecido site de genealogia onde um bisneto procurava informações sobre este antepassado. Comentei o seu post escrevendo que tinha uma fotografia do seu bisavô e que me prontificava a enviar-lhe uma cópia digital frente e verso, bem como a trocar informações sobre o assunto. Posteriormente correspondemos nos por e-mail e o mais engraçado de tudo isto, é que já nos conhecíamos pessoalmente de casa de um amigo comum e ambos pertencemos ao mesmo meio profissional. Foi um pouco como se passados uns 130 anos, o acaso histórico voltasse a cruzar os destinos de Liberal Sampaio e Abílio Augusto da Maia e Costa, através dos seus descendentes, um bisneto e um trisneto.
José Rodrigues Liberal Sampaio no momento da formatura, em 1891. O seu condiscípulo Abílio formou-se um ano antes.

Não consegui apurar exactamente a relação que Abílio Augusto da Maia e Costa e Liberal Sampaio estabeleceram, mas certamente foi boa, pelo menos dos tempos de Coimbra, de outra forma o primeiro nunca ofereceria o seu retrato ao segundo. Em 1890 a fotografia ainda era demasiado cara para se oferecer uma prova a mero um amigo de ocasião. Contudo, os destinos destes antigos alunos de alunos de Coimbra tiveram muito em comum. Tal como o meu trisavô, Abílio Augusto da Maia e Costa também foi padre e também teve filhos, sete ao todo. Contudo, ao contrário de José Rodrigues Liberal Sampaio, que nunca deixou o sacerdócio, apesar de manter uma relação prolongada com uma senhora, Abílio Augusto da Maia e Costa acabou ter ordens suspensas, em circunstâncias que o seu bisneto desconhece. Talvez os sete filhos ilegítimos tenham dado demasiado nas vistas num meio pequeno como Vouzela. Poder-se-ia pensar que o José Rodrigues Liberal Sampaio foi mais discreto na sua relação com Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão e que terá vivido de acordo com o celebre princípio enunciado pelo prelado Adalberto de Bremen, no século XI, Si non caste, tamen caute, que quer dizer à letra, se não castamente, ao menos com cautela, mas em Chaves toda a gente saberia certamente que o padre Liberal Sampaio teve um filho com a fidalga de uma família muito conhecida na região e com a qual chegou a viver maritalmente, muito embora o menino o tratasse por padrinho.
A casa onde Abílio Augusto da Maia e Costa viveu em Souto de Lafões

Por outro lado, os sete filhos ilegítimos de Abílio Augusto da Maia e Costa não o impediram de ter uma carreira respeitável em Vouzela como Conservador do Registo e advogado em Vouzela e desempenhou por duas vezes o cargo de administrador de Concelho da referida vila em 1920 e em 1926.

Como já referi muitas vezes ao longo deste blog, a propósito da figura de José Rodrigues Liberal Sampaio e da relação que teve com Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão, no século XIX, padres com filhos e bastardos eram fenómenos comuns. Certamente não eram as situações mais desejáveis, mas também não significam uma exclusão social.

Contudo, creio que estes homens, Liberal Sampaio e Abílio Augusto da Maia e Costa viviam a situação no seu íntimo com algum sofrimento, pois eram profundamente crentes e de alguma forma sentiam que tinham violado um sacramento. Segundo, me contou o Bisneto, Abílio Augusto da Maia e Costa já mais velho voltou a usar o cabeção, como sinal de aproximação a Deus e no final da sua vida ofereceu a cada casa da aldeia onde sempre viveu, Souto de Lafões, uma imagem do Sagrado Coração de Jesus, como gesto de arrependimento público.
Abílio Augusto da Maia e Costa na praia de Espinho, onde veraneava com a família durante o mês de Setembro

Para nós, que vivemos num mundo descristianizado e de liberdade sexual é difícil entender realmente as situações destes dois sacerdotes em que a fé entrava em conflito com o desejo de ter uma companheira e de procriar.

Em todo o caso, este reencontro dos familiares destes dois homens, que se conheceram em Coimbra no último quartel do século XIX foi um acontecimento feliz. O bisneto de Abílio Augusto da Maia e Costa ficou comovido por ver pela primeira vez o rosto do bisavô com vinte e poucos anos, na flor da vida, pois só conhecia fotografias do senhor já idoso e o que é mais curioso é que os dois são fisicamente parecidos, como se os genes do antigo condiscípulo do meu trisavô teimassem em permanecer vivos.

 Abílio Augusto da Maia e Costa. Fotografia de J. Sartoris, Coimbra

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Um pouco da vida política em Chaves na década de 90 do século XIX: Liberal Sampaio

Liberal Sampaio. Foto de meados da década de 70 do século XIX.
 
O facto de uma prima minha me ter oferecido dois velhos álbuns de fotografias de família, tiradas mais ou menos entre 1860 e 1902, reacendeu em mim o interesse pela história da família e para me informar melhor sobre o universo onde aqueles personagens viveram, comprei a obra História moderna e contemporânea da Vila de Chaves através das actas e jornais da época, da autoria de um parente meu, Júlio Montalvão Machado e publicado pelo Grupo Cultural Aquae Flaviae. É um livro bem organizado, com um índice onomástico no fim, permitindo-nos localizar rapidamente na obra esta ou aquela personagem. E com efeito, encontrei nesta obras duas notícias referentes ao meu trisavô, que permitem entrever a personalidade polémica de José Rodrigues Liberal Sampaio, apesar da sua condição de sacerdote supostamente o obrigar a alguma descrição.

A primeira notícia foi publicada a 1 de Novembro de 1895, no jornal O Norte, periódico publicado em Vidago, ligado ao Partido Progressista e relata um comício da força política rival, o Partido Regenerador, ao qual o meu trisavô esteve ligado. Esta reunião do Partido Regenerador teve lugar no antigo teatro de Chaves e o autor do artigo descreve de forma sardónica o evento como se de um drama teatral de faca e alguidar se tratasse, tendo por protagonistas os políticos desse partido, entre os quais se contava o meu trisavô, bem como Joaquim Carneiro de Moura, entre outros e não consigo resistir a transcrever aqui parte desse texto.
 
Presumível retrato de Joaquim Carneiro de Moura, um político que passou do Partido Regenerador para o Partido Progressista

Espectáculo regenerador: a 27 de Outubro, no teatro desta vila, reuniram-se os poucos regeneradores de Chaves, após a missa do meio-dia, para a resolução de assuntos políticos de alta transcendência (…)
Estoirou então na escuridão do teatro a voz dominadora do sr. Padre Liberal Sampaio. O actor combateu o abandono a que estão lançadas as “mulheres de má vida” e pede para elas um asilo. Não quer também a canalização das águas em canos de ferro zincados, mas sim em canos de pedra, pois aqueles depositam “materiais nocivos à saúde”. Disse que os presos não ouvem missa e que os regeneradores têm em vista, se forem Câmara obriga-los a ir à missa do meio-dia para lhe purificar as almas. O actor publicou depois mais dislates à assembleia boquiaberta, estupefacta, atónita. É esta cabeça que os regeneradores apresentam para a Presidência da Câmara.

Uma vez que o autor deste texto não nutria qualquer simpatia pelo meu trisavô, acaba por me dar uma visão mais exacta do meu antepassado, muito mais do que se fosse um texto laudatório, daqueles que se escrevem quando as pessoas morrem. Em primeiro lugar sobressai a voz dominadora de Liberal Sampaio, que estoira na escuridão do teatro. Sabia que o meu trisavô foi um pregador famoso no seu tempo e presumia que tivesse bons dotes oratórios, mas neste texto tenho uma caracterização da voz de um homem em 1895, num tempo em que os registos sonoros eram raríssimos e percebe-se que terá tido a capacidade de dominar um auditório, como só alguns professores de liceu ou de faculdade o conseguem fazer ao fim de muitos anos de ensino. Por outro lado, o que no ano de 1895 pareciam dislates num meio pequeno de uma vila transmontana, aos nossos olhos contemporâneos, são bons princípios, como a criação de um abrigo para as prostitutas, a proposta de que os presos ouvissem missa, pressupondo que o meu trisavô acreditasse não só num tratamento mais humanitário para os presidiários, mas também no seu arrependimento e redenção. Finalmente parece-me interessante a sua preocupação com as canalizações e a saúde pública.

O artigo deste jornal dá-me também conta das simpatias políticas de Liberal Sampaio com o partido Regenerador, o que se confirma no levantamento que o meu pai fez de todos os artigos que o meu trisavô escreveu na imprensa periódica. Com efeito ao longo de 1895, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio colaborou pelo menos 4 vezes no Correio de Chaves, órgão do Partido Regenerador.

Contudo, terá mudado a filiação partidária, pelo menos a partir de 1899, pois o mesmo jornal, o Correio de Chaves, nesse ano ataca-o ferozmente como um progressista, mudança esta que se confirma na bibliografia levantada pelo meu pai, pois entre 1906 e 1907 Liberal Sampaio é colaborador assíduo no Intransigente, um semanário progressista, com sede em Chaves.

Transcrevo aqui o ataque ao meu antepassado feito pelo Correio de Chaves em 13 de Maio de 1899.

A seriedade do padre e advogado José Rodrigues Liberal Sampaio. É como homem e como padre que me proponho tratar este desgraçado - perigoso instrumento do agente das trevas – e depois o arrastarei à praça pública, onde ficará a nu das pústulas, como advogado. Como Padre tem por tema a volúpia. Como homem é sem firmeza de carácter e de tal baixeza que havendo dito dos progressistas locais no teatro de Chaves em 1895 o pior que se pode dizer de um partido, pouco depois foi-lhes oferecer os seus serviços a mendigar favores.

Como padre, arranjou uma espécie de Congregação de Filhas de Maria para conseguir o concubinato rico que ostenta, vaidoso, e praticou em Outeiro Seco, as acções más que a devassidão pode inventar. Além disso mandou espancar um homem por meio de uma cilada combinada com uma amante, o que lhe trouxe a sentença de desterro que cumpriu.

É este padre que se exibe pregador régio, não tendo senão exemplos de descrédito na vida…um pregador que vive em mancebia, pratica escândalos e cobra dinheiro por assistir a um moribundo.
 
Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão, a minha trisavó, foi amante de Liberal Sampaio 

Como bem refere Júlio M. Machado, que reproduz este texto na sua obra, o redactor deste periódico, era um agressivo autor das notícias mais especulativas e é evidente o tom calunioso desta notícia. Para o leitor flaviense de 1899, num meio em que todos se conheciam, as insinuações deste texto eram mais que óbvias, mas hoje, passados 120 anos tenho alguma dificuldade em entender o exacto significado destas injúrias. Por exemplo, quando menciona arranjou uma espécie de Congregação de Filhas de Maria para enriquecer, será que o jornalista do Correio de Chaves se refere a algum recolhimento para raparigas pobres, talvez a Confraria do Sagrado Coração de Maria, que por volta destes anos manteve um conflito com a Câmara de Chaves e para a qual o meu trisavô angariaria dinheiro?

O autor desta notícia, que assina sob o pseudónimo de Zéquentelho, acusa Liberal Sampaio de ter espancado um homem em Outeiro Seco, com a cumplicidade da amante (certamente a Maria do Espírito Santo) e que lhe trouxe uma sentença de desterro que cumpriu. Este episódio não consta da tradição familiar, mas creio que se refere à suspensão de advogado, pelo prazo de seis meses, a que o meu trisavô foi condenado em Julho de 1898, por falta de respeito a um juiz, conforme notícia o Correio de Chaves, a 16 desse mesmo mês, no nº 7 e cujo texto transcrevo aqui.

O Tribunal da Relação do Porto, suspendeu de advogado nos Tribunaes do Reino, durante 6 meses, o Sr. Dr. Liberal por insultos dirigidos ao Sr. Dr. Juiz d’esta Comarca em uma minuta de aggravo, de que um pasquim da localidade exibiu cópia com grande ufania. Que esta pena, sirva de exemplo para muitos que, no destempero da linguagem, andam constantemente a faltar ao respeito devido aos tribunais(..).

 
Liberal Sampaio no momento da sua formatura, em Coimbra
 
Da leitura destes artigos publicados em 1895 e 1899 fica claro que o meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio era um homem que ou era amado ou detestado. Não seria de todo uma daquelas pessoas que estão bem com Deus e o Diabo. Politicamente, passou do Partido Regenerador para o Progressista e com uma voz dominadora defendeu alguns princípios que ainda hoje fazem parte da agenda política, como a criação de abrigos para as prostitutas e um tratamento mais humano dos presidiários. Também da leitura destes artigos se comprova inequivocamente, que Liberal Sampaio viveu maritalmente com a minha trisavó, a Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão, uma fidalga de condição superior à sua e que a sua vida decorreu entre polémicas.

Estes dois artigos evocam também uma época em Portugal, a segunda metade do século XIX, em que existia plena liberdade de imprensa e os inimigos políticos, sociais ou de corrente literária insultavam-se ferozmente, numa desfaçatez completamente impensável para os dias de hoje, em que as polémicas quando estalam, entre jornalistas, políticos ou cineastas ou escritores, decorrem sempre de forma civilizada.

Bibliografia:
História moderna e contemporânea da Vila de Chaves através das actas e jornais da época / Júlio Montalvão Machado. – Chaves: Grupo Cultural Aquae Flaviae, 2012, p.151-52 e p. 173-174

José Rodrigues Liberal Sampaio: 62 anos de jornalismo: bibliografia activa e passiva / José Manuel Alves Montalvão da Cunha
In
Adenda ao nº 56, de Junho 2018 da Revista Aquae Flaviae. Chaves: Grupo Cultural Aquae Flaviae, 2019

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Procurando as origens: a tia Bia de Soutelo

 
Trecho do inventário dos bens do Solar da família Montalvão em Outeiro Seco

Pouco depois da morte do meu bisavô, em 1965, a minha avó Mimi fez um inventário dos bens do Solar da família Montalvão em Outeiro Seco. É um documento que costumo consultar com frequência e um dia destes ao reler outra vez aquelas linhas encontrei referência dois crucifixos, um com o Cristo em marfim e outro em Madeira, que vieram da casa de Soutelo. Na altura, a minha avó Mimi, não se deu ao trabalho de explicar que casa era aquela, pois para ela e toda e toda a família isso era óbvio. Fiquei muito intrigado com esta casa de Soutelo, de que nunca tinha ouvido falar. Sabia que os meus bisavôs, além do solar de Outeiro Seco tinham outra casa em Chaves, no bairro da Madalena, encostada ao rio Tâmega onde passavam o inverno e com efeito, a minha avô menciona objectos que vieram dessa residência. Também era natural que tivessem uma ou outra coisa da Casa de Santo Estevão, dos Morais Sarmento, através da herança da minha trisavó, cuja mãe pertencia a essa família. Mas a minha avó nunca refere nada no inventário, que tivesse vindo da casa dos Morais Sarmento.

Pouco tempo depois falei ao telefone com a prima Lili, que é ainda única pessoa do ramo Ferreira Montalvão, que ainda vive em Chaves e perguntei-lhe se sabia alguma coisa dessa casa em Soutelo. A Lili lembrava-se de ouvir a sua mãe contar histórias acerca de uma Tia Bia, casada com um Domingos, que viviam em Soutelo e eram visita frequente do Solar, quando a minha avó e os meus tios avôs eram crianças, isto ter-se-á passado nos anos entre os anos 1905-1920. Nesse tempo, depois do jantar, como era vulgar nas famílias da época, rezava-se o terço. E durante a ladainha, Pai Nosso que estás no céu…, a tia Bia interrompia a oração e perguntava ao meu bisavô, Ó Jejé, este ano como foi a apanha da castanha?. Depois continuava a reza e a tia Bia voltava a perguntar, Ó Jejé, este ano como foi a colheita do centeio? e assim sucessivamente, ao longo de todo o terço, ia parando as orações com as mais diversas perguntas sobre o ano agrícola na quinta de Outeiro Seco. Claro, a certa altura era uma risota entre as crianças.

Mas apesar destes esclarecimentos fiquei sem saber a que ramo pertencia esta tia Bia de Soutelo. A Lili afirmou-me que a Tia Bia não era do lado da minha bisavó, gente que tinha casa em Mairos, outra localidade perto de Chaves, nem do lado dos Morais Sarmento, que como já referi, estavam em Santo Estevão, aldeia próxima de Outeiro Seco, na margem direita do Tâmega. Tão pouco consegui perceber que nome se escondia por detrás do diminutivo Bia. Seria uma Beatriz?

Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão

Entretanto comecei a inventariar as cartas e os documentos dessa época e senti a necessidade saber mais sobre a família de Liberal Sampaio, meu trisavô, um padre, que manteve uma relação amorosa com uma fidalga do Concelho de Chaves, da aldeia de Outeiro Seco, a minha trisavó, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão. Aliás este par ocupa quase sempre um lugar importante nas narrativas de história familiar deste blog. Gosto sempre de pensar neles, como uma espécie de Ana Plácido e Camilo Castelo Branco, embora saiba perfeitamente, que a vida dos meus antepassados não teve nada de arrojado ou de tão chocante, como essa paixão do grande escritor português. As cartas que esses meus antepassados trocaram entre si são na maior das vezes de assuntos correntes, o governo da casa agrícola, a poda da vinha, a construção do poço ou de um muro, a venda do cereal, a compra de uma égua ou a educação do filho, que tiveram juntos. 

O primeiro bilhete de identidade do meu trisavô, José Rodrigues Liberal Sampaio, de 21 de Abril de 1927 

Mas regressando ao assunto da família do meu trisavô, José Rodrigues Liberal Sampaio nasceu em 29 de julho de 1846 em antigo de Sarraquinhos, perto de Montalegre, filho de António Rodrigues Sampaio e de Maria Gonçalves Liberal. Se de facto, a mãe era natural de Antigo de Sarraquinhos, Montalegre, o pai nasceu em Soutelo, já no Concelho de Chaves. Em suma a família paterna do meu trisavô era de Soutelo e na correspondência do espólio fui encontrado referência a parentes nessa aldeia. Há duas cartas de um primo, Manuel Rodrigues Sampaio, proprietário de um estabelecimento comercial em Soutelo. Na primeira missiva de 2 de Fevereiro de 1899 dá notícias sobre vários parentes naquela terra e informa que vendeu casas em Outeiro Seco e comprou uma em Soutelo por 30 libras. O meu próprio trisavô foi pároco em Soutelo, pelo menos entre 1914 e 1917. Soutelo e Outeiro Seco são aldeias próximas e pelos vistos o meu antepassado manteve uma ligação à terra paterna.

Antigo de Sarraquinhos, Soutelo e Outeiro Seco são terras próximas

Entretanto, foi tratando o espólio familiar e nas cartas, que o meu bisavô escreveu de Coimbra para a mãe, mencionou muitas vezes a Bia. Mandava recados à Bia, perguntava pela Bia e em 11 de Dezembro de 1900 escreveu mesmo Se a Tia Bia quiser os ingredientes para a gomagem, que mande os mercenários cobres, pois estou o que em calão académico, se chama depenado. Igualmente nas cartas que Liberal Sampaio dirigia minha à trisavó, refere também a Bia. Percebi através destas referências que a Bia era presença frequente no Solar de Outeiro Seco ou até que passaria por lá temporadas.

Ao mesmo tempo ia progredindo no tratamento do espólio e encontrei algumas cartas da irmã de Liberal Sampaio, de que já conhecia a existência, a Maria Rodrigues Sampaio, minha tia-trisavó. Numa delas, datada de 7 de Abril de 1889 escreve ao irmão, que se encontrava em Coimbra, juntamente com filho, dando notícias da casa agrícola “a podada já está feita e inda se faz em Março. A égua anda cheia e anda muito gorda, graças a Deus” e no final envia recados da prima Sampaio e do tio de Soutelo e pede que deia muitos beijos ao menino da sua Bia. Afinal, a tia Bia era a irmã de Liberal Sampaio, a Maria Rodrigues Sampaio. Bia não era o diminutivo de Beatriz, como era suposto, mas um desses petits noms, sem sentido, criado por algum irmão ou por uma mãe enternecida enquanto amamentava a criança e que muitas vezes acompanham as pessoas durante uma vida inteira.


Carta de Maria Rodrigues Sampaio, datada de 7 de Abril de 1889, escrita ao irmão. 

Depois de ter obtido destas informações fiz algumas pesquisas no motor de busca do arquivo Distrital de Vila Real por Maria Rodrigues Sampaio e encontrei referência a um processo de inventário obrigatório de um tal Domingos Afonso da Cruz, cuja inventariante foi Maria Rodrigues Sampaio, com a data de 1907. Consultei o registo de óbitos desse ano e no dia 25 de Abril faleceu Domingos Afonso da Cruz, comerciante, casado com Maria Rodrigues Sampaio, ambos residentes em Soutelo. Encontrei também um testamento de 1912 da Maria Rodrigues Sampaio, de 1912, dado em Soutelo e finalmente outro processo de inventário obrigatório de 1933, data em que esta minha tia trisavô terá morrido e cujo inventariante foi Domingos Afonso da Cruz, certamente o filho, que tinha o mesmo nome do pai. Portanto, estes dados batem certo com história que a prima Lili contou. A tia Bia vivia em Soutelo e era casada com um Domingos.

O assento de óbito de Domingos Afonso da Cruz, o marido da tia Bia

O episódio, que a prima Lili contou sobre a Tia Bia, que interrompia constantemente o terço com perguntas sobre o ano agrícola, coincide com as preocupações que esta manifestava nas suas cartas. Aliás, o irmão, o meu trisavô o Liberal Sampaio, assemelhava-se nestes cuidados, estava também sempre a escrever a minha a trisavô com inúmeros conselhos sobre o governo da casa agrícola, como a as vindimas, égua, que estava prenha, ou com o cereal, que poderia apodrecer, antes de ser vendido. Estas cartas revelam-nos um mundo de gente, que vive da terra.

Descobrir quem foi esta tia Bia de Soutelo, permitiu-me conhecer um pouco sobre o estatuto social da família Liberal Sampaio, que não tinham de todo os pergaminhos dos Montalvões ou as suas extensas propriedades, mas em todo o caso, não seriam tão humildes, como acreditava até há pouco tempo, pois a Tia Bia ou a Maria Rodrigues Sampaio sabia ler e escrever, o que é um indicador de um certo desafogo económico nesta época. Em 1878, taxa de analfabetismo feminino era de 89,3 por cento, conforme indica Irene Vaquinhas, em Senhoras e Mulheres" na sociedade portuguesa do século XIX. A tia Bia fazia parte de uma minoria de cerca de 10 por cento das mulheres portuguesas.

A partir destes dados começo a entrever melhor a figura do meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio, que desde muito jovem, me ensinaram a admirar e em cujo retrato reconheço as feições do meu pai e do meu próprio filho.



Bibliografia consultada:

"Senhoras e Mulheres" na sociedade portuguesa do século XIX / Irene Vaquinhas. 1a ed. Lisboa : Colibri, 1999. ISBN 972-772-112-5.

Processo de Inventário obrigatório de Domingos Afonso da Cruz, 1907
Arquivo Distrital de Vila Real
PT/ADVRL/JUD/TJCCHV/C-C/082/352

Testamento público de Maria Rodrigues Sampaio, 1912
Arquivo Distrital de Vila Real
PT/ADVRL/NOT/CNCHV2/007/297/24

Processo de Inventário obrigatório de Maria Rodrigues Sampaio, 1933
Arquivo Distrital de Vila Real
PT/ADVRL/JUD/TJCCHV/C-C/082/1028

Registo de óbitos de Soutelo, 1889-01-17 – 1911-11-14
Arquivo Distrital de Vila Real

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Os irmãos Sampaio Mariz e as suas relações com o Padre Liberal Sampaio e Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão

Maria Cândida de Sampaio Mariz. Photographie française Celestin Benard, Porto
Continuo nos meus trabalhos de identificação do álbum de fotografias carte-de-visite, formado pelo meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio, durante o último quartel do século XIX.  Este álbum fotográfico é uma fonte importante para a história da família Montalvão, mas também para a história de uma comunidade, já que dele consta toda uma galeria de retratos de senhoras e senhores, que viveram no Concelho de Chaves ou noutras localidades do distrito de Vila Real, mais ou menos entre 1870-1900 e que faziam parte das relações sociais e de amizade do Padre Liberal Sampaio ou da família Montalvão.
 
Luiz António de Sampaio Mariz. Fotografia de Narciso Alves Correia, Vila Real
Desta galeria fotográfica constam três personagens, cujos nomes estão identificados com a letra miudinha do meu trisavô e que obviamente pertenciam à mesma família. O primeiro é o retrato de uma Senhora, Maria Cândida de Sampaio Mariz, acompanhada de duas meninas, provavelmente as filhas, o segundo e o terceiro são dois distintos cavalheiros, fisicamente parecidos, Frederico Augusto de Sampaio Mariz, Luiz António de Sampaio Mariz.
Frederico Augusto de Sampaio Mariz. Fotografia de Narciso Alves Correia, Vila Real
Calculei de imediato que o Frederico Augusto e o Luiz fossem irmãos, mas não tinha provas nenhumas disso. Quanto à Maria Cândida tanto poderia ser a mulher de um deles, como irmã ou uma prima muito próxima. Através de meia dúzia de pesquisas na net percebi que os Sampaio Mariz eram os morgados de Água Revés, uma localidade no actual Concelho de Valpaços, mas no site geneall.com só encontrei referências a Frederico Augusto de Sampaio Mariz e seus descendentes. Muni-me então de paciência e resolvi tirar o assunto a limpo, esquadrinhando os livros de registo de baptismo da paróquia de Águas Revéz entre 1840-1855, anos em que eu calculava, que tivesse nascido esta gente, já que as fotografias presumivelmente foram tiradas entre 1870/80. Mas, desgraçadamente, os livros de baptismo dessa época terão apanhado humidade, o bolor corroeu-lhes os cantos e apresentam-se truncados, de modo que, ao fim de uma ou duas horas, agastado, desisti dessa pesquisa.
 
O assento de nascimento da Sra. D. Maria Cândida do livro de baptismo da paróquia de Água Revez, Arquivo Distrital de Vila Real
Ao mesmo tempo, que desenvolvia estas pequenas investigações, coloquei no forúm do site geneall, no tópico famílias transmontanas, um post comunicando, que possuía fotografias da família e que estava disposto a enviar cópias digitais aos descendentes, em troca de informações sobre as personagens retratadas. O post foi ficando esquecido meses e meses e mais meses, até que um trineto de um destes personagens me respondeu, e amavelmente enviou-me informações detalhadas sobre os três retratados.
 
O solar dos Sampaio Mariz em Águas Revez, Valpaços, Distrito de Vila Real. 13 de Junho de 1912. Cortesia de Maria Gabriela Mariz Navarro de Castro

A Maria Cândida, o Frederico e o Luiz António eram irmãos, filhos de Frederico de Sampaio Mariz Sarmento e Castro e D. Maria Madalena de Gouveia Morais Sarmento e a família residiu em Água Revés, Vilas Boas e no Amedo. Portanto, os filhos foram baptizados em paróquias diferentes e por essa razão eu não consegui reconstituir esta família através dos registos de Águas Revez. As casas onde residiram estas famílias ainda estão em pé. O solar de Água Revés foi restaurado, o do Amedo, no concelho de Carrazeda de Ansiães, embora esteja ainda em fase de recuperação, conserva toda a sua dignidade de velha casa familiar.
A casa dos Sampaio Mariz, no Amedo, Carrazeda de Ansiães, Distrito de Bragança. Fotografia de http://amedo-pt.blogspot.com/2019/06/casas-transmontanas-dos-ansiaes-de-mariz.html

A Sra. D. Maria Cândida nasceu em Maio de 1843 na paróquia de Água Revez e casou com 20 anos, a 9 de Setembro de 1863, em Marzagão, com João António da Veiga Mariz e Castro, seu primo, dali natural. Sobre as duas meninas nada se sabe.
 
Maria Cândida de Sampaio Mariz. Photographie française Celestin Benard, Porto

Conforme se pode ver no verso, o retrato desta senhora e crianças foi feito na Photographie française Celestin Benard, no Porto, que tinha o seu estúdio no 247, na Rua de Santa Catarina no Porto. Este dado permite datar de algum modo a fotografia. Será posterior a 1872, pois nesse ano o Celestin Benard mudou o seu estúdio do nº do 128 para o nº 247, e anterior a 1890, data em que este fotógrafo terá cessado sua a actividade. Nesta imagem a Sra. D. Cândida parece ter no máximo uns trinta e poucos anos, portanto se nasceu em 1843, o mais natural é que a fotografia tenha sido tirada à volta dos anos de 1872-1875 (*1).
Verso da fotografia de Maria Cândida de Sampaio Mariz. Photographie française Celestin Benard, Porto, Rua de Santa Catarina, 247
Nesta sessão fotográfica longamente encenada, como todas as fotografias o eram na época, a Sra. D. Maria Cândida está sentada, a cabeça coberta por um véu e segura um livrinho na mão, como se tivesse acabado de sair de uma cerimónia religiosa, dir-se-ia quase, que estava de luto, mas eu não conheço suficientemente bem os códigos de vestuário da época, para afirmar tal coisa. Talvez o livro fosse um simples álbum fotográfico vendido pelo estúdio, mas a ideia seria que representasse um missal, mostrando a todos, que recebessem esta fotografia, que a Sra. D. Cândida era um mulher devota, mas também suficientemente instruída para assegurar uma boa educação aos seus filhos.

Quanto aos senhores, Frederico Augusto de Sampaio Mariz e Castro, nasceu na freguesia de Vilas Boas, concelho de Vila Flor, a 22 de Fevereiro de 1851. Casou na freguesia de Amedo, do concelho de Carrazeda de Ansiães, 1880, com sua prima sua, D. Carlota de Jesus de Sampaio Mariz. Foi o 9º morgado de Água Revés e do Amedo. Fez uma carreira importante no município de Carrazeda de Ansiães. Foi vice-presidente da Câmara no ano de 1881, 1882, 1884 e em 1918 e também vereador em 1886, 1890, 1899 e em 1923. Faleceu em 1932.

Luís António de Sampaio Mariz e Castro nasceu e foi baptizado em Água Revés. Com 21 anos, em 1874, casou com D. Carolina Amália Morais Pinto de Magalhães. Terá morrido em 1930 ou 1931, pois o Arquivo Distrital de Vila Real conserva um processo de inventário obrigatório dos seus bens datado de 1931 (PT/ADVRL/JUD/TJCCHV/C-C/082/947)
 
Verso das fotografias Luiz António e de Frederico Augusto de Sampaio Mariz. Fotografia de Narciso Alves Correia, Vila Real, Rua Direita, nº36-40
 
Os dois retratos destes senhores foram feitos por Narciso Alves Correia, que abriu na década de 70 do século XIX o primeiro estúdio fotográfico em Vila Real. Este senhor era um homem multifacetado, que se dedicou à tipografia, à relojoaria, à metrologia, à fotografia e ainda tinha um estabelecimento onde vendia desde lunetas a flores artificiais. O Museu do Som e da imagem conserva na sua colecção uns quantos retratos carte-de-visite, em tudo semelhantes aos de Luís António e de Frederico Augusto e datados dos primeiros anos da década de 1870 do século XIX, portanto é possível estas duas fotografias sejam também desse período(*2).
 
Embora tenha conseguido identificar estas três personagens, não consegui reconstituir as relações, que estabeleceram com os meus antepassados. Nestes meados dos anos 70 do século XIX certamente que eram boas, de outra forma estes retratos não constariam do velho álbum de família. A fotografia ainda era demasiado cara nesta época para se desperdiçar com amizades de ocasião. Talvez os irmãos Sampaio Mariz fossem das relações da minha trisavó, a Maria do Espírito Ferreira Montalvão. Os Montalvões e os Sampaio Mariz eram gente do mesmo meio social, fidalguia rural, quem sabe se vagamente aparentados, e era natural, que se conhecessem e visitassem. Outra hipótese é que estes irmãos teriam conhecido o meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio por ocasião de uma das suas pregações. Este meu antepassado era um pregador muito apreciado no seu tempo, chamado para todas as terras do  País e poderia ter conhecido estes irmãos por ocasião de umas dessas prédicas e ter ganho a sua estima.
 
Contudo, o mais curioso disto tudo, é que houve outro irmão destes Sampaio Mariz, João Evangelista, que residiu em Chaves e foi vereador da câmara daquela cidade em 1885, 1886, administrador do Concelho em 1887 e entre 1897 e 1898 responsável pela polícia de Chaves (*3) e que seguramente privou com o meu trisavô, Liberal Sampaio, também envolvido na política local, por esses anos, e muito provavelmente conheceu também Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão. No entanto, desse irmão não consta nenhuma fotografia do velho álbum familiar.
Maria Cândida de Sampaio Mariz. Photographie française Celestin Benard, Porto
 
Em suma, apesar de ter conseguido saber quem realmente foram estes irmãos Sampaio Mariz, a natureza das relações que mantiveram com a minha família, continuam uma incógnita. Parece que estas velhas fotografias teimam sempre em manter alguns dos seus segredos e com isso o fascínio, que exercem sobre nós.
 
(*1) Dados recolhidos em A Casa BIEL e as suas edições fotográficas no Portugal de Oitocentos/ Paulo Artur Ribeiro Baptista. Lisboa: Edições Colibri; Universidade Nova de Lisboa, 2010
 
(*2) Dados recolhidos em Narciso Alves Correia: a fotografia em Vila Real na década de 1870 / Elísio Amaral Neves. Vila Real: Museu do Som e da Imagem, 2011. – (Cadernos do som e da imagem; 8)
 
(*3) História moderna e contemporânea da Vila de Chaves através das actas e jornais da época / Júlio Montalvão Machado. – Chaves: Grupo Cultural Aquae Flaviae, 2012
 
Um especial agradecimento ao trineto de um destes irmãos Sampaio Mariz, que amavelmente me cedeu os dados biográficos dos seus antepassados.