terça-feira, 20 de novembro de 2018

Identificando uma senhora desconhecida de uma fotografia com quase 150 anos

 
Os simpáticos seguidores deste blog já devem saber que recebi de uma prima dois álbuns de fotografias de família, o primeiro com instantâneos tirados mais ou menos entre 1860 e 1900, formado pelo meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio (1846-1935) e o segundo, constituído pelo meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão. Tenho andado sobretudo de volta do primeiro álbum. Se algumas das imagens estão identificadas ou tem dedicatórias e o trabalho de identificação das personagens é simples, outras são verdadeiros quebra-cabeças, como esta fotografia, acerca da qual vos escrevo hoje, de uma velha senhora, tirada mais ou menos por volta de 1870.
 
A legenda da fotografia, manuscrita no álbum pelo meu trisavô, indica que se trata de João Lopes Carneiro de Moura, um advogado, político e jornalista, muito conhecido nos meios flavienses, nascido em Montalegre em 1886, autor de várias obras publicadas e que chegou a deputado. Ora a fotografia foi obviamente trocada num tempo qualquer posterior ao meu trisavô. Alguém andou a tirar e a pôr fotografias no álbum e colocou a velha senhora no lugar de João Lopes Carneiro de Moura e a fotografia daquele ilustre transmontano será a de um dos cavalheiros desconhecidos, que constam do álbum.
 
 
 
Ao retirar a fotografia do álbum,  manuscrita com a letra, que me parece da minha trisavô, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão, encontrei no verso a seguinte legenda: Faleceu a 11 de Setembro de 1875, pelas três da tarde pouco mais ou menos, tendo nascido a Dezembro de 1.
 
Mas quem seria esta senhora?
 
Certamente foi uma pessoa muito estimada, de outra forma não teria havido o cuidado de assinalar a data da sua morte e muito menos a hora. Pensei tratar-se da mãe da Maria do Espírito Santo (1856-1902), Maria Emília Morais Sarmento, mas essa morreu a 14 de Abril de 1874. Lembrei-me que podia ser a tua tia paterna, a Rita, com a qual mantinha uma relação muito estreita, segundo o meu pai ainda se lembra de ouvir contar. Mas segundo o livro Os Montalvões de J. T. Montalvão Machado, essa tia teria morrido nos anos 80 do século XIX.
 
Resolvi tirar o assunto a limpo e vasculhar os registos de óbito das freguesias de Santo Estêvão, não fosse tratar-se de uma parente do lado dos Morais Sarmento e ainda os da aldeia de Outeiro Seco, onde residia a família Montalvão. Contudo, ninguém dessas duas freguesias tinha morrido no dia 11 de Setembro de 1875, pelas três da tarde, que se pudesse relacionar com a família. Como os registos paroquiais se encontram todos digitalizados e disponíveis on-line nos arquivos distritais, lembrei-me de procurar em Chaves, já que quase toda esta gente, que consta deste álbum gira à volta desta cidade. Assim, abri o livro de registo de óbitos 1875, da paróquia de Santa Maria Maior de Chaves e encontrei o seguinte assento Aos onze dias do Mês de Setembro do ano de mil oitocentos e setenta e cinco ás tres horas da tarde, no largo da Senhora da Lapa d'ésta villa (...) faleceu(...) na casa de sua residência Isabel Rodrigues liberal d'edade de setenta e três anos. No mesmo assento, indica-se a que a falecida era filha de António Gonçalves Liberal e de Ana Gonçalves da Laje. Ora os dados coincidiam na perfeição com a legenda da fotografia e percebi que esta velha senhora só podia ser uma tia ou a mãe de Liberal Sampaio.
 
O assento da morte de Isabel Rodrigues Liberal
Corri então a comparar este registo com o assento de baptismo de Liberal Sampaio de 1846, da freguesia de Sarraquinhos, Concelho de Montalegre e lá pude ler que o meu trisavô era filho de António Rodriguez de Sampaio e de Isabel Rodrigues Liberal e neto materno de António Gonçalves Liberal e de Ana Gonçalves da Laje. Conclui sem sombra de dúvidas, que esta Senhora era a mãe de José Rodrigues Liberal Sampaio. Confesso que fiquei emocionado ao descobrir uma imagem de uma quarta avó, uma mulher que nasceu ainda antes das invasões francesas e que se lembraria ainda certamente da passagem dos exércitos napoleónicos, durante a segunda invasão, em 1809, que retiram de Portugal por Montalegre, a terra onde nasceu e cresceu.
 
 
O assento de nascimento de José Rodrigues Liberal Sampaio. Os dados coincidem na perfeição

Este assento de óbito também indica alguns dados novos, que embora pequenos, dão algumas pistas para perceber a história da família. Em primeiro lugar a Senhora saiu de Sarraquinhos, uma aldeia perdida no concelho de Montalegre e passou a residir em Chaves, que embora fosse ainda vila neste último quartel do século XIX, já era uma terra importante. Em segundo lugar, enviuvou e voltou a casar, o que me leva a pensar que talvez os liberais e os sampaios não fossem muito dados à abstinência sexual, já que o filho, que era Padre, manteve uma relação com uma senhora fidalga, da qual resultou um filho, de quem eu descendo.

A minha quarta avó vivia no Largo da Senhora da Lapa, em Chaves, que foi demolido pela DGEMN, na segunda metade do século XX, para permitir uma melhor leitura do forte abaluartado, ao qual o casario se enconstava. Foto http://www.monumentos.gov.pt , amavelmente enviada pelo meu amigo Humberto Ferreira do blog https://outeiroseco-aqi.blogs.sapo.pt/
 
Sempre tive ideia que o meu trisavô era proveniente de uma família humilde e que através da carreira eclesiástica, do seu trabalho como advogado e homem de letras e ainda da relação com uma senhora de uma importante família flaviense, tivesse alcançado uma posição social destacada. No fundo, seria aquilo que hoje se designa, um self-made man. Contudo a foto da sua mãe e das roupas que enverga, mostra-nos que não é propriamente uma camponesa, endomingada para a fotografia. Claro, não veste as toilettes sofisticadas, cheias de folhos e froufrous da fidalga, que foi amante do filho, minha trisavô, mas também quando posou para esta fotografia, cerca de 1870, era uma já uma senhora, a que a idade obrigava a vestir-se de uma forma discreta. Em todo o caso, em 1870 tirar uma fotografia era apenas acessível aos mais desafogados.
 
Todos nós temos quatro avôs, 8 bisavôs, 16 trisavôs e 32 tetravôs e ao olhar para esta senhora sinto que uma trigésima segunda parte de meu ser foi herdado dela e que talvez alguns dos meus tiques, aspectos da personalidade, propensão para ter esta ou aquela doença ou a forma das mãos sejam ainda os mesmos de Isabel Rodrigues Liberal.
 
A minha tetravó, Isabel Rodrigues Liberal




Fontes consultadas:
 
 
- Livro de registo de baptismos 1819/1859, paróquia de Sarraquinhos, Montalegre Arquivo Distrital de Vila Real;
 
- Livro de registo de óbitos 1875, da paróquia de Santa Maria Maior de Chaves

11 comentários:

  1. Bom dia Luís,
    Muito boa pesquisa e mais uma imagem para associar a um nome. Como seria bom termos imagens para associarmos aos nomes dos nossos antepassados. Penso que lhes dá outra "vida"!
    No 2º parágrafo, sem querer, escreveste "Joaquim" em vez de "João Lopes Carneiro de Moura".
    https://www.fd.unl.pt/ConteudosAreasDetalhe_DT.asp?I=1&ID=1386
    Um abraço,
    Berto

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    1. Humberto

      Muito obrigado pelo teu reparo. Apesar de ver e rever os textos quinhentas vezes, deixo sempre escapar qualquer gralha. Vou rever também o post do facebook.

      Além do interesse que identificação desta personagem tem para a história da família, fornece alguns dados novos para o estudo da personalidade de José Rodrigues Liberal Sampaio, um homem importante na vida cultural, política e social da vida flaviense.

      Quanto ao João Lopes Carneiro de Moura gostaria era de encontrar uma imagem dele. Tenho ideia que algum daqueles cavalheiros desconhecidos, que figuram no álbum, poderá ser ele.

      Este álbum é quase um retrato colectivo de personagens flavienses do último quartel do século XIX ou dos concelhos vizinhos e tenho andado louco a descobrir qual será a relação com a família das personagens identificadas ou a tentar perceber quem realmente eram.

      Um abraço

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    2. Humberto

      Sabes que ainda andei a ver na net o largo da Senhora da Lapa, onde era residência da mãe de Liberal Sampaio, mas creio que quando fizeram as obras de valorização do forte devem ter demolido o casario antigo, para possibilitar uma perspectiva mais desafogada do monumento.

      Um abraço

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  2. Mais uma personagem identificada. E esta senhora é de peso, pois não nada mais que a tua quarta avó.
    Pela forma como se encontra vestida, não será seguramente de uma camada da população mais desfavorecida, de forma alguma, pois enverga trajes de uma burguesia relativamente bem posta na vida.
    Mas é efetivamente uma pessoa de peso na tua família.
    Ainda bem que a conseguiste encontrar.
    Não consigo perceber muito bem o que tem na mão. Um lenço? Um papel? Uma carta?
    Será que se consegue perceber melhor na fotografia?
    Parabéns pelo achado.
    Manel

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  3. Manel

    Estas fotografias são muito pequenas e a máquina, que uso para digitalizações não me permite fazer cópias de grande qualidade. No entanto, estive a ver a imagem em formato tif e a senhora parece segurar um livro, o que combina com o estilo de fotos da época. Das fotografias que vimos até agora, as senhoras seguram na mão ora um leque ou um livro. Mas não é certo. Atrás há uma chita de Alcobaça.

    Através destes álbuns vai-se conseguindo dar rostos a personagens que só conhecia da tradição ou das genealogias. Neste caso, foi uma verdadeira aparição pois as ascendências de Liberal Sampaio nunca foram estudadas.

    Um abraço

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  4. Caro Luís!
    Que trabalho fantástico! Tenho seguido atentamente as suas pesquisas e fico encantada com as conclusões a que chega. De facto, fotografia a fotografia via conseguindo estabelecer relações familiares muito interessantes. O ter descoberto a sua tetravó é qualquer coisa de emocionante e como muito bem diz, alguma coisa dela, o Luís há de ter.Um abraço e...continue!

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    1. Maria Paula

      Estes dois álbuns fotográficos tornaram-se quase uma obsessão. Fiz já uma lista com todas as fotografias do primeiro, que é o mais antigo, de forma a sistematizar a informação. Continua a haver muitas personagens por identificar, mas tenho avançado aos poucos. Consegui agora identificar um irmão da minha trisavó e a sua filha, com a ajuda de uma prima, que deles descende. Depois tenho personagens identificadas, gente da região de Chaves, para as quais encontrei alguma história, mas que não consigo reconstituir a relação com a família. Serão afilhados, amigos, primos ou contactos profissionais?

      Vou também publicando estas imagens, pois tenho sempre a esperança, que alguém me escreva a dizer, olhe tenho uma fotografia igual em casa e "x fulano" ou "x fulana" é o meu trisavô ou trisavó.

      Acho que estes dois álbuns são um fresco de retratos de Chaves no último quartel do século XIX. Depois há também duas gerações de estudantes de Coimbra, condiscípulos do meu trisavô e do meu bisavó, retratado nestes álbuns, que são também um documento curioso para a história da Universidade de Coimbra. Enfim, tenho aqui com que me entreter durante muito tempo. Bjos e bom fim-de-semana

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  5. Uma maravilha de texto e quantas descobertas!! Mas é um trabalho hercúleo isto, de remontar o passado com pesquisas que creio estafantes. Mas os resultados são surpreendentes não só para sua família, mas por aspectos interessantes de uma época, relações, o cotidiano etc. Parabéns pelo trabalhão e por ter identificado a sua outra trisavó elegante em meio aos folhos.
    Um abraço.

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    1. Obrigado pelo comentário.

      Esta senhora não é uma trisavó, mas sim uma quarta avó!!!

      Tive um bocado de paciência para fazer este trabalho, mas hoje as coisas estão muito facilitadas, pois os arquivos portugueses fizeram um belíssimo trabalho e digitalizaram praticamente todos os arquivos paroquiais, o que quer dizer, que qualquer pessoa em sua casa, pode fazer a sua genealogia. Neste caso, andei por três paroquias distintas, onde era provável encontrar um parente que tivesse morrido dia 11 de Setembro de 1875, pelas três da tarde e nos registos da terceira paróquia, tive sorte e encontrei um assento em que os dados correspondiam na perfeição. Dá trabalho, mas também enorme gozo, pois sentimo-nos um bocadinho arqueológos que descobriram um túmulo antigo cheio de tesouros, só que neste caso os tesouros são meramente sentimentais.

      Um abraço de Lisboa

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  6. Só um pormenor: o nome da mãe no registo de nascimento de 1846 é Maria Gonçalves Liberal, e não Isabel. Esta Isabel vivia em Chaves e foi casada com José Teixeira de Magalhães e em segundas núpcias com Alexandre José Fernandes. Mas fico-lhe muito obrigada por ter publicado a fotografia, ando à procura de informação sobre este ramo.
    R. Reimão

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    1. Cara Rute Reimão

      Pimba! Apanhou-me em falso.

      Mas agradeço muitos os elementos fornecidos. Esta identificação foi feita de facto de uma forma precipitada e há uns tempos, que já andava para mudar o texto. Com efeito, quando comecei a tratar o espólio da família encontrei cartas de Liberal Sampaio posteriores à morte desta Senhora mencionando o pai e percebi que a identificação desta figura como a mãe de Liberal Sampaio estava incorrecta. Será provavelmente uma tia. Aliás, tenho apanhado mais cartas de familiares do meu trisavô e ando a tentar esboçar uma genealogia, para perceber as exactas relações de parentesco desta gente, mas ainda está muito incompleta e os registos das paróquias de Montalegre são um bocadinho caóticos.

      No post https://velhariasdoluis.blogspot.com/2023/06/a-educacao-de-liberal-sampaio-um.html fiz já um rascunho dos antepassados de Liberal Sampaio, mas depois disso já encontrei mais informações, que aguardam a ocasião certa para serem publicadas.

      Fico-lhe muito grato pela rectificação e se quiser pode-me escrever para montalvao.luis@gmail.com

      Um abraço

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