Hoje apresento aqui um objecto que antigamente estava presente na casa de todas as famílias portuguesas com algum desafogo económico, um candeeiro de azeite.
Sempre gostei destes objectos altos e elegantes, cheios de penduricalhos, embora nunca tivesse bem percebido para o que serviam. Uma tia minha ainda me explicou a utilidade daquelas coisinhas que pendiam dele, mas confesso, que me esqueci de tudo e a senhora morreu entretanto. Só há pouco tempo quando um destes candeeiros entrou na minha casa me detive a pensar um pouco na sua utilidade e em época teriam sido fabricados. Parti então à procura de algumas informações sobre estes objectos hoje caídos em desuso.
Consultei a Vida e a arte do Povo português: Lisboa: Comissão Nacional dos Centenários, 1940 mas o autor limitava-se a descrever as várias formas com que se apresentavam os candeeiros e a referir que estes recipientes se filiavam nas formas das lucernas bi ou trirrostres romanas, muito embora a sua existência só esteja documentada em Portugal a partir do Século XVII.
Fiz mais umas pesquisas aqui e acolá na Internet e descobri que o Museu de Évora realizou uma exposição em 2011 sobre candeeiros de azeite, que na altura tinham sido recentemente doados ao Museu por uma coleccionadora, Maria Faustina Margiochi. Mais tarde, um colega de emprego deu-me fotocópias deste catálogo, que está muito bem feito e consegui finalmente entender o mistério que estes objectos encerram.
Ao lado do candeeiro, a palmatória que comprei num funileiro na Rua de S. Vicente |
Os candeeiros de azeites eram feitos por funileiros em latão amarelo, uma liga em que o elemento básico é o cobre e pelo que eu deduzi da leitura deste livro, as formas foram-se mantendo inalteradas ao longo de dezenas e dezenas de anos, o que complica a datação destes objectos. Os funileiros também nunca marcavam os seus trabalhos, de modo que tal como na faiança é quase impossível identificar oficinas. No entanto, foram fabricados até há muito pouco tempo. Os autores do catálogo da exposição Candeeiros de azeite do Museu de Évora: colecção Margiochi ainda tiveram acesso ao testemunho de um funileiro no bairro da Graça, que não há muito tempo ainda executava estes candeeiros. Julgo que conheci essa oficina, na rua de S. Vicente e há cerca de uns 25 anos comprei-lhe uma palmatória também latão, que coloquei ao lado deste candeeiro de azeite.
Quanto à sua utilidade, os candeeiros de azeite, eram usados até há bem poucos anos nos velórios. Esse costume só acabou, quando os mortos deixaram de ser velados em casa e os ritos fúnebres passaram a ser feitos nas capelas mortuárias. Até então, durante o velório colocavam-se um par de candeeiros de azeite a flanquear um crucifixo, por cima de uma mesa, revestida de uma toalha branca, decorada com uma faixa de renda. Os candeeiros eram acessos durante todo o velório e a chama só se deixava morrer depois da saída do defunto. Curiosamente, jantei há pouco tempo na casa de uma coleccionadora de cerâmica e sobre a mesa estava uma tolha antiga, que a senhora tinha comprado como uma toalha de mortos, embora penso que se trataria de uma mortalha.
Nas famílias com menos recursos era vulgar pedirem-se emprestados estes candeeiros aos vizinhos.
A simbologia deste costume de acender os candeeiros nos velórios é mais ou menos óbvia. A luz significa a vida e a escuridão, as trevas. A luz simboliza a protecção de Deus, mesmo para aqueles que deixaram a vida.
Este pequeno catálogo Candeeiros de azeite do Museu de Évora: colecção Margiochi. Évora: IMC-Museu de Évora, 2011 dá também uma explicação do funcionamento destes candeeiros, preciosa para nós, que vivemos num tempo em que a luz é uma questão de clicar num interruptor e já está.
O candeeiro é composto por uma coluna, uma pega para o transportar de um lado para o outro, uma base e o depósito onde se coloca o azeite. O depósito pode ter um número variável de bicos. Por exemplo, o meu só tem 3. Depois existem os pertences do candeeiro, isto é, os penduricalhos. O morranzeiro (6b) é usado para empurrar o pavio para dentro do bico e acreditem que é muito útil. O meu candeeiro perdeu o dele e tive que meter o pavio lá dentro com o auxílio de uma chave de parafusos muito pequenina e vi-me grego para o fazer. O Espevitador (6d)serve para ir puxando o pavio para fora à medida que vai se queimando e para retirar os seus restos, que se colocam no balde(6a). Por fim, o apagador(6c) serve como o nome indica para apagar a chama.
O candeeiro apresenta também um reflector(7), que falta ao meu e ainda uma chave (4) que serve para regular a altura do depósito.
Todas estas informações são verdadeiras, pois comprovei-as eu, que enchi o meu candeeiro com azeite e usei os fios de uma esfregona como pavios.
Os candeeiros de azeite embora sejam todos muitos semelhantes, apresentam por vezes formas muito imaginativas, como este que aqui apresento, em forma de peixe, também propriedade do Museu de Évora.
Fiquei muito contente com a leitura deste livro editado pelo Museu de Évora, que mostra bem que com pouco dinheiro se pode fazer muito. Agora só me falta tentar encontrar nas feiras de velharias os pertences que faltam ao meu candeeiro, o reflector e o morranzeiro.